Desmatamento é maior onde não há índios

Foto: Wilson Dias - Agência Brasil
Foto: Wilson Dias - Agência Brasil
Pesquisadores das duas entidades cruzaram os números de preservação florestal em terras indígenas e de povos tradicionais com dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura da (FAO) sobre biomassa de florestas. Concluíram que cerca de um oitavo da área de florestas tropicais hoje está dentro dessas áreas e têm uma taxa de proteção superior à das terras que não estão sob a jurisdição de índios. Nas florestas do Yucatán, no México, áreas exploradas por povos indígenas têm menos desmatamento do que reservas ecológicas.
Na Amazônia brasileira, a taxa de desmatamento fora de terras indígenas é 11 vezes maior; nas florestas da Guatemala, onde vivem descendentes dos maias, essa relação é 20 vezes superior e, no Yucatán, território exclusivo de índios, a proteção é 350 vezes maior. Isso, segundo os pesquisadores, ocorre porque países em desenvolvimento não dispõem de recursos para implantar um sistema de vigilância contra o desmatamento ilegal, daí a vantagem em reconhecer o direito de comunidades indígenas à terra e entregá-las para que os povos nativos as administrem ao invés de criar reservas ecológicas, afirma Jenny Springer, diretora de programas globais da RRI.
O levantamento mostra que no Brasil 31% das terras indígenas estão concentradas em florestas ricas em carbono e recomenda que tribos sejam compensadas por contribuir com a prevenção da emissão de gases-estufa. As florestas sob proteção de indígenas concentram 37,7 bilhões de toneladas de carbono no planeta. As comunidades indígenas ocupam 13% do território nacional, sendo que 98% dessas áreas estão situadas na Amazônia. Atualmente, existem no país 305 etnias e uma população indígena de 896.917, segundo o Censo 2010 do IBGE. De uma estimativa de 2 milhões de índios no século 16, o país chegou a ano de 2010 com 896.917 indígenas – dos quais 32% vivem fora de reservas, em condições precárias, marginalizados em polos urbanos.
A maior concentração está na Amazônia (168,7 mil) e no Mato Grosso do Sul (73,295 mil). O Rio Grande do Sul tem 32,98 mil indígenas. Pressionados pela violência relacionada à disputa de terras, pela falta de assistência de saúde e saneamento e marginalizados do processo educacional, tornam-se cada vez mais invisíveis – ainda que reconhecidos como riqueza nacional, especialmente do ponto de vista geopolítico. O analfabetismo entre os índios é de 33%, mais do que o triplo da média nacional, que não chega a 9%; 38% das crianças indígenas não têm certidão de nascimento e 53% dos adultos não têm qualquer rendimento. A população indígena é predominantemente jovem, com 36% na faixa etária de zero a 14 anos.
O índice de suicídio de adolescentes é quatro vezes superior à média da população do país. Em Mato Grosso do Sul, estado que concentra a segunda maior população indígena no território e ostenta os piores indicadores de violência contra índios, o índice de suicídios é 34 vezes maior que a média nacional. As principais causas são a discriminação e os danos psicológicos provocados pela perda de terras e expansão das cidades por conta da especulação fundiária.
Omissão do estado
Os conflitos diretos ou indiretos gerados pela disputa de terras resultaram em 53 índios assassinados em 2013, segundo o Relatório sobre a violência contra os povos indígenas brasileiros, divulgado no dia 17 de julho pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Dos casos registrados em todo o país, 33 (66%) ocorreram no Mato Grosso do Sul, que há vários anos aparece como o estado mais violento do país no relatório da Cimi, organização indigenista vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Foto: Marcello Casal Jr - Agência Brasil
Foto: Marcello Casal Jr - Agência Brasil
GENOCÍDIO – A omissão por parte do poder público resultou em algum tipo de violência contra 8.014 índios brasileiros no período, seja por falta de assistência escolar, de saúde, de políticas públicas contra a disseminação de bebidas alcoólicas e outras drogas entre a comunidade e mesmo de medidas para evitar tentativas de suicídio. O resultado desse indicador relativo à omissão do poder público é inferior aos 106.801 casos de 2012. O relatório indica que os índios continuam sendo alvo de racismo e preconceito e que crianças indígenas continuam morrendo por doenças como pneumonia, diarreia e gastroenterite, insuficiência respiratória, infecções provocadas por bactérias, entre outros males.
O Cimi reiterou que nesses casos também há dificuldades para se chegar a números reais devido a subnotificações: ao contabilizar 26 casos de mortalidade infantil, o próprio relatório ressalva que dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e do Ministério da Saúde estimam que 693 crianças indígenas até 5 anos morreram entre janeiro e novembro de 2013. Para o presidente do Cimi e bispo do Xingu, Erwin Kräutler, o poder público age com descaso em relação à política indigenista e à vida dos povos indígenas. Considera que a paralisação dos procedimentos demarcatórios pelo governo federal acirra conflitos em diversos estados, aumentando a violência e ameaças de morte contra os índios e suas lideranças.
O Cimi aponta que apenas uma terra indígena foi homologada pelo atual governo, a Terra Indígena Kayabi, no Pará – e que a média entre os anos 1995 e 2010 foi de 18 homologações, contra 10 por ano de 2003 a 2010. Kräutler responsabiliza o governo federal pela “trágica realidade vivida pelos povos indígenas” e lembra, que pela Constituição Federal, o Estado brasileiro deveria ter identificado, demarcado e retirado os não índios de todos os territórios tradicionais indígenas até 1993.

Foto: Wilson Dias - Agência Brasil
Índios durante manifestação na Praça dos Três Poderes em maio passado
Foto: Wilson Dias - Agência Brasil
Das 1.047 áreas reivindicadas por povos indígenas, 38% foram regularizadas, cerca de um terço estão em processo de regularização e em 32% nem a demarcação foi iniciada. Das áreas regularizadas, 98,75% são na Amazônia Legal. Dos 896.917 indígenas, 554.081 vivem em regiões do país que têm somente 1,25% da extensão das terras indígenas regularizadas. O Cimi afirma que ao menos 30 processos demarcatórios relativos a áreas já identificadas pela Funai não têm pendência administrativa ou judicial que impeçam a homologação da reserva. Mesmo assim, não são concluídos.
Em 12 casos, a homologação depende apenas de publicação, pelo Ministério da Justiça, de Portaria Declaratória, 17 áreas aguardam homologação presidencial e cinco processos aguardam aprovação da presidente da Funai, Maria Augusta Assirati. “A vida dos povos indígenas está vinculada à terra. É na sua terra ancestral que ‘o índio é’. O governo federal tem que, urgentemente, saldar esta dívida histórica com os povos indígenas. Este é o único modo de propiciar as condições fundamentais para a sobrevivência física e cultural desses povos”, alerta Cleber Buzatto, Secretário Executivo do Cimi. (Com informações do Cimi e ABr)
Íntegra do Relatório sobre a violência contra os povos indígenas.