Greve de fome: ativistas estão cada vez mais debilitados
Foto: Adilvanie Spezia/MPA e Rede Soberania
Completou neste sábado, 18, o décimo-nono dia da greve de fome realizada por sete pessoas em Brasília com o objetivo de fazer o Supremo Tribunal Federal (STF) incluir em sua pauta a discussão da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 54, que questiona a constitucionalidade da prisão de condenados em Segunda Instância. No último dia 7, os grevistas levaram até a Corte onze pedidos de audiências destinados a todos os ministros do STF. O Supremo é o lugar onde a liberdade do ex-presidente Lula pode ser debatida e deliberada imediatamente, com o resultado do julgamento também das ADCs 43 e 44, que da mesma forma questionam a prisão em segunda instância. Além de Lula, a declaração de inconstitucionalidade da prisão em Segunda Instância pode beneficiar mais de 150 mil presos no país.
Vilmar Pacífico, Jaime Amorim e Zonália Santos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Rafaela Alves e Frei Sérgio Görgen, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Luiz Gonzaga, o Gegê, da Central dos Movimentos Populares (CMP), e Leonardo Armando (do Levante Popular da Juventude), por orientação médica, passaram a usar nesse sábado camas hospitalares e cadeiras de roda. Entre os grevistas há os que já perderam 10 kg no período do protesto. Glicemia, que é o açúcar no sangue, tem tido alterações constante, assim como tem ocorrido frequentes quedas da pressão arterial e da temperatura corporal, fatores que tem deixado a equipe de saúde da greve de fome em alerta permanente.
“Os grevistas estão cada vez mais debilitados, vulneráveis a qualquer tipo de infecção viral ou bacteriana, pois a imunidade em todos eles, está bastante baixa”, explica a médica de Família e Comunidade, Maria da Paz Feitosa Sousa, que integra a equipe de saúde da greve de fome. “As dores musculares tem aumentado de forma constante. Ontem mesmo, todo os grevistas receberam cuidados como acupuntura, por conta destas dores”, relata o Dr. Ronald Wolff. “Conseguimos reverter a questão da pressão e a partir de agora, mais ainda, a imunidade deles ficara mais baixa, então aumenta o risco de infecções, por esta questão estamos restringindo ainda mais o contato físico com muitas pessoas”, lembra a profissional.
A equipe saúde da greve de fome é composta por profissionais da Rede de Médicos e Médicas Populares, fitoterapeutas, psicólogos, massagistas, massoterapeutas, acupunturistas, fisioterapeutas e reikianos.
Foto: Adilvanie Spezia/MPA e Rede Soberania
Até o momento apenas os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes receberam os ativistas. A ministra Carmen Lucia, em audiência solicitada pela sociedade civil, recebeu o ator Osmar Prado e o prêmio Nobel da Paz de 1980, o argentino Adolfo Perez Esquivel, que levaram junto Frei Sergio Görgen. Na ocasião, a presidente do Supremo firmou compromisso público de receber os manifestantes. Já o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, respondeu através de sua chefe de gabinete ao coordenador nacional do MST, João Pedro Stédile, que não teria como encaixar a conversa em sua agenda. Stédile pediu que ela relatasse ao magistrado que antes de ser nomeado para o STF, Fachin tinha tempo para procurar o MST e que o apoio da organização o ajudou a chegar onde está.
Tentativas de repressão
Atos que vem sendo considerado por parlamentares de oposição um atentado contra a democracia têm marcado a iniciativa tomada pelos sete militantes em greve de fome. No dia em que em solidariedade aos grevistas, indígenas das etnias Guarani e Kaiowá, parlamentares e demais manifestantes foram acompanhar os pedidos de audiência, houve o impedimento da comitiva entrar no STF, um órgão público, e protocolar os documentos.
Só depois de muita negociação os grevistas acompanhados do médico e de 11 parlamentares conseguiram os pedidos de audiência. Mas antes disto, já no primeiro dia em que foi declarado o estado de greve de fome, os manifestantes chegaram a ser agredidos pela polícia do judiciário enquanto respondiam à imprensa sobre os motivos e objetivos do seu protesto.
Sobre a medida adotada pelo Supremo Tribunal Federal em barrar a entrada e o protocolo dos documentos solicitando as audiências, o Deputado Federal e líder da bancada do PT na Câmara, Paulo Pimenta denuncia, “é um absurdo que sete cidadão brasileiros se dirijam ao Supremo Tribunal Federal para protocolar um documento solicitando uma audiência e sejam recebidos com um aparato policial montado, e que num primeiro momento, argumenta que sequer os parlamentares teriam autorização para entrar no Supremo Tribunal Federal, isso revela um Estado de Exceção”.
Atos religiosos
Foto: Adilvanie Spezia/MPA e Rede Soberania
O ministro Edson Fachin é um dos mais cobrados da corte não só pelos militantes em greve e as entidades que integram o movimento. No dia 12 passado uma celebração religiosa foi realizada em frente à casa de Fachin com a presença dos grevistas. Com forte formação mística em sua história de militância, de fato, várias celebrações e visitas de religiosos tem marcado esses dias dos protagonistas da greve de fome.
Passaram para manifestar seu apoio missionários colombianos e freis Franciscanos que participaram de um recente seminário da Rede de Igrejas e Mineração na América Latina. Outra visita religiosa foi a do bispo católico Dom Limacêdo Antônio da Silva. Recém nomeado pelo Papa Francisco como bispo auxiliar de Olinda – PE, Dom Limacêdo afirmou “o que está em jogo é a vida destes companheiros e companheiras e negar a vida é egoísmo”. O prelado ainda destacou a participação das mulheres neste ato extremo de manifestação, onde o indivíduo põe a sua vida a serviço de uma causa, “vocês são fonte da esperança, são a fonte da vida”.
Mas não só o catolicismo tem dado o tom. Um ato Inter-religioso foi realizado em solidariedade aos povos de matriz africana e pelos direitos de realização de suas expressões religiosas, com a presença de mais de 20 matrizes religiosas e espirituais, que se uniram aos povos indígenas em apoio também aos sete militantes em greve e fome quando estes completaram dez dias de seu protesto.
Saúde começa a preocupar
Segundo a literatura médica, o corpo humano consegue aguentar, em média, 20 dias em greve de fome sem nenhuma intervenção médica. Especialistas dizem que um dos paliativos médicos é colocar uma sonda gástrica para garantir ao corpo um mínimo de energia.
O médico Ronald Wollf, da Rede Nacional de Médicos Populares, que acompanha o protesto que está sendo realizado desde o 31 de julho passado, informou que desde o terceiro dia sem ingestão de alimentos, só água e soro, os grevistas entraram em um período delicado com dores de cabeça, ansiedade, insônia, desidratação e sintomas relacionados a fadiga.
“Uma greve de fome, dependendo da pessoa, pode causar alguns problemas uns bem sérios, mas como médico precisamos preservar a saúde orgânica, física e emocional. Estamos os monitorando de forma laboratorial e clínica, pois os primeiros dias são bastante delicados, eles estão cansados, sonolentos, a fome é bastante grande e isso os deixa ansiosos. Esse conjunto de sintomas exige bastante cuidado neste momento, em especial o emocional”, segundo explica Wollf.
No décimo-segundo dia sem comer e os sintomas clínicos se agravaram ainda mais. Nesta fase a equipe médica demonstrou preocupação especial com a saúde física e mental de Luiz Gonzaga (Gegê), Frei Sergio Görgen, Jaime Amorim, Zonália Santos, Vilmar Pacífico e Rafaela Alves. Com a mesma intensidade a equipe passou a monitorar o jovem Leonardo Soares, que iniciou o protesto uma semana após os outros integrantes, pois passou a apresenta sinais de fraqueza e debilidade física.
Conforme a Médica de Família e Comunidade, Maria da Paz Feitosa de Sousa, a pressão arterial tem alterado muito e precisa de monitoramento 24 horas por dia, pois está cada vez mais difícil de controlar. “Outro fator bastante preocupante é a hipoglicemia, os picos têm sido cada vez mais frequentes e com valores bastante baixos, o que aponta uma criticidade do quadro médico”, explica Maria da Paz.
Visivelmente mais magros, as dores musculares, segundo Ronaldo Wollf passaram a fazer parte do cotidiano dos grevistas. “Aqui é preciso considerar que o coração, estomago e intestino também são músculos e tem se agravado, assim como a fadiga, o cansaço e as dores de cabeça. Alguns já apresentam indisposição para os alongamentos matinais, para suprir essa demanda os grevistas passaram pelo atendimento de um fisioterapeuta, o objetivo é ativar a circulação e prevenir contraturas, fadiga e dores musculares. Percebemos o aumento na irritabilidade, ansiedade e sonolência dos manifestantes e a perda de peso tem sido constante”, relata o médico.
Indagado sobre uma possível intervenção dos médicos caso a situação entre em um desfecho que possa levar à morte de um integrante do movimento, Wollf diz que a intervenção será feita quando necessária, mas lembra que a palavra final é sempre da pessoa atendida. “Nós temos entre a gente um acordo, mas se um deles dizer que vai dar continuidade a sua greve, nós vamos ter que ficar para resguardar ao máximo a vida.
Dependendo do ânimo de Rafaela Alves, a jovem camponesa do MPA, Ronald Wollf e Maria da Paz ainda terão muito trabalho pela frente. Ela denunciou a demora do Supremo Tribunal Federal e da justiça brasileira, “o preço da lentidão da Justiça será ver corpos velados em frente ao STF, e nós dissemos isso ao Ministro (Lewandowski)”. O recado soou como um alerta, pois durante um ato inter-religioso a grevista Zonália, passou mal e preciso receber atendimento médico ainda no local pela equipe médica que acompanha a Greve de Fome por Justiça no STF.