MOVIMENTO

A Justiça do Trabalho é a vilã da vez

Servidores do judiciário, procuradores, magistrados, advogados, movimentos social e sindical fizeram ato nesta segunda, 21, contra a extinção da Justiça do Trabalho cogitada pelo presidente Jair Bolsonaro
Por Stela Pastore / Publicado em 21 de janeiro de 2019

Foto: Igor Sperotto

Na capital gaúcha, manifestação ocorreu na frente da Justiça do Trabalho

Foto: Igor Sperotto

O ato foi organizado pela Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat) e ocorreu em mais de 40 cidades do país, dentre elas, Manaus, Belém, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília e Cuiabá.

Em Porto Alegre, durante duas horas, representantes de organizações se manifestaram contrárias a quebra do sistema de proteção ao trabalho e a celeridade com que a Proposta de Emenda Constitucional 300 tramita do Congresso Nacional. Um novo protesto nacional está marcado para 5 de fevereiro, em Brasília, organizado pela Associação Nacional dos Magistrado da Justiça do Trabalho (Anamatra).

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Carolina Gralha, presidente da Amatra: A Justiça do Trabalho é patrimônio constitucional da sociedade

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“A Justiça do Trabalho é a vilã da vez”, registrou a presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (Amatra), Carolina Gralha. “É nesta casa que se resolvem greves, demissões, que se trata de trabalho infantil, trabalho escravo e todas as questões dos trabalhadores e empregadores. A Justiça do Trabalho é patrimônio constitucional da sociedade.  Não é ‘cara demais’. Não está aqui para lucro”.  Em 2017, a Justiça trabalhista arrecadou R$ 3,5 bilhões entre Imposto de Renda, INSS e outros, totalizando 18,2% da despesa orçamentária. Também foram pagos R$ 27 bilhões aos reclamantes, valores que retornam para a economia.

“Participar desse ato representa a defesa intransigente da Justiça do Trabalho que presta serviços há mais de 70 anos e vai continuar”, afirmou a presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), desembargadora Vânia Cunha Mattos, convidando para um abraço ao prédio, encerrando o protesto na avenida Praia de Belas.

“Não vamos aceitar pacificamente este processo de destruição dos direitos sociais em curso, iniciado no golpe de 2016. Este governo vai sofrer as consequências jurídicas dos seus atos porque levaremos a todas as cortes. Vamos defender a sociedade e os trabalhadores até as últimas consequências”, declarou o presidente da Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas (Agetra), João Vicente Araújo. “O fascismo não tolera direitos sociais e estamos em meio a um projeto fascista”, resumiu.

Os magistrados reforçam a ilegalidade das medidas previstas pelo governo. “Qualquer tentativa de eliminação, fatiamento ou retirada do contexto especializado e autônomo da Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e demais estruturas, representa rompimento com o Estado Democrático de Direito”, registram os dirigentes da Abrat.

Desmonte do sistema de proteção

O presidente da Central Única dos Trabalhadores, Claudir Néspolo, enfatizou que o atual governo não gosta de trabalhadores e quer o desmonte do sistema trabalhista e laboral do país.  Informou que após a Reforma Trabalhista de 2017, as ações trabalhistas reduziram em 40%. “Isso não ocorreu pela redução de ocorrências, mas pelas regras restritivas que engessam o trabalhador.   “É a Justiça do Trabalho que equilibra as forças quando o capital estica suas unhas para tirar a pele dos trabalhadores”, ilustrou.

“Estamos aqui como cidadãos, defendendo uma parte importante da Justiça. O Ministério do Trabalho foi fatiado vergonhosamente para reduzir a fiscalização e normatização. Extinguir a Justiça do Trabalho é um crime de lesa pátria, porque é o último bastião da cidadania. Resistir é imprescindível para existir”, enfatizou a Conselheira Nacional da OAB, Maria Cristina Carrion.

Intimidação aos manifestantes

Foto: Igor Sperotto

Vânia Mattos, presidente do TRT4: defesa intransigente da Justiça do Trabalho

Foto: Igor Sperotto

A presidente do TRT da 4ª região descumpriu a orientação do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro João Batista Brito Pereira que, por meio de ofício, desaconselhava os servidores a participarem dos atos. “Expresso a vossa  Excelência a inconveniência e inoportunidade de dar apoio  institucional e a participação dos exercentes de cargos de direção nesses eventos”, diz  o documento.

“Estamos absolutamente conectados com o direito de reunião, que não pode jamais ser obstado, sob qualquer pretexto, ou mesmo penalizado, sob pena de no futuro não podermos realizar atos dessa envergadura e importância. Igualmente estamos atentos e preocupados com a asfixia, com alta intensidade, do movimento sindical, o que vitimiza o espaço democrático, porque reduz ou anula até o poder reivindicatório indispensável para o avanço social”, declarou em nota a presidente da Abrat, Alessandra Camarano.

“A Abrat atua na defesa intransigente do arcabouço legislativo nacional e internacional, que garantem a dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da efetividade do direito do trabalho na economia e na sociedade”, diz a nota, observando que o sistema trabalhista sofre ataque, diário, persistente e insistente.

A instituição denuncia ainda os danos profundos da PEC 300. “Seu conteúdo viola normas e regride conquistas da classe trabalhadora, aumentando a jornada de trabalho para dez horas diárias;  impede e limita a busca de direitos na Justiça do Trabalho, com a alteração do prazo prescricional de cinco anos para dois anos e de dois anos após o encerramento do contrato de trabalho para três meses”, alerta. A PEC 300, corrói a Justiça do Trabalho, em suas entranhas ao também, tornar obrigatória a submissão à Comissão de Conciliação Prévia, minando a atuação da instituição até seu completo desaparecimento”, registra em nota.

Para a advogada Luciane Toss, a PEC 300 pode aniquilar completamente a possibilidade das questões trabalhistas  chegarem ao Judiciário. “Defender o trabalho é defender a democracia”, afirmou.

Forte mobilização nacional

Foto: Igor Sperotto

Mobilização tem o apoio das centrais sindicais

Foto: Igor Sperotto

A Associação Juízes para a Democracia (AJD), divulgou um dossiê em 15 de janeiro rebatendo manifestações do Presidente da República, quanto à intenção de acabar com a Justiça do Trabalho. Porém, em visita informal ao presidente do TST, Bolsonaro teria voltado atrás.

“Isto é parte da estratégia política para fragilizar a mobilização social. Não acreditamos nisso. As ações demonstram, como já fez ao extinguir o Ministério do Trabalho no primeiro dia, mesmo dizendo que não faria”, relembra o presidente da Agetra. A Medida Provisória 870 da reforma administrativa emitida em 1º de janeiro, dividiu as atribuições da pasta do Trabalho entre os ministérios da Economia, da Justiça e da Cidadania. A Federação Nacional dos Advogados (Fenadv) entrou com liminar no STF questionando a extinção da pasta, ação que deve ser analisada pelo relator ministro Ricardo Lewandowski, a partir 1º de fevereiro, quando retornam as atividades.

Foram registradas 100 mil denúncias no Ministério Público do Trabalho em 2018, oito mil só no RS. Para o procurador do MPT, Vitor Laitano, fatiar o Ministério do Trabalho é um absurdo. “Onde não há fiscalização, há exploração”.

Bons empregadores protegidos

“O bom empresário quer que a Justiça permaneça firme e forte, porque ele se protege”, afirmou a advogada Lídia Herzberg, defensora dos empregadores, presente na manifestação. “O conflito capital e trabalho sempre vai existir. O governo deve se preocupar em gerar empregos, cobrar impostos, fiscalizar as empresas, fazer o seu papel. A Justiça faz o papel dela e muito bem feito com rapidez, celeridade e apoio da população”.

“Uma gangue organizada de rapinagem das nossas riquezas e direitos sociais governa o país. Só quem não é sério quer o fim da Justiça do Trabalho. Convidamos as patronais que defendem trabalho decente que se somem. Emprego e direitos devem andar juntos, não é uma coisa ou outra”, defendeu a dirigente da Federação Nacional dos Trabalhadores no Judiciário Federal e do Ministério Público da União, Mara Weber.

“O Brasil tem um dos menores salários do mundo. Precisamos de mais justiça do trabalho, mais salários dignos”, defendeu Clóvis Schuch, da Associação Latino-Americana dos Juízes do Trabalho, falando das ofensivas do capital sobre os direitos trabalhistas em várias partes do mundo.

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