MOVIMENTO

MP ataca sindicatos para passar reforma

Juristas afirmam que a Medida Provisória 873/2019 é inconstitucional, o texto é confuso e tem como objetivo enfraquecer resistência do movimento sindical contra a reforma da Previdência
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 6 de março de 2019
"Acreditam que, dessa forma, irão minar a nossa organização e força para enfrentar essa proposta de reforma da Previdência que mantém privilégios e empobrece o trabalhador", diz em nota Wagner Freitas, presidente da CUT

Foto: CUT/Divulgação

“Acreditam que, dessa forma, irão minar a nossa organização e força para enfrentar essa proposta de reforma da Previdência que mantém privilégios e empobrece o trabalhador”, diz em nota Wagner Freitas, presidente da CUT

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Publicada na véspera do feriadão do Carnaval, no dia 1º de março, a Medida Provisória 873/2019 do governo Bolsonaro altera regras para dificultar a manutenção do movimento sindical. Com força de lei, a ação já está em vigor e precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias, caso contrário perde validade. Juristas apontam inconstitucionalidade.

A MP, assinada por Jair Bolsonaro e o ministro da Economia Paulo Guedes, impede desconto em folha da Contribuição Sindical para a manutenção dos sindicatos brasileiros, definindo como método exclusivo boletos individuais para que cada um dos trabalhadores das mais variadas categorias no país possam realizar o pagamento para o custeio de suas entidades de classe.

Para Nasser Ahmad Alan, doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFP) e diretor do Instituto de Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra), a decisão do governo federal tem que ser analisada em dois aspectos: o político e o jurídico.

Foto: Arquivo pessoal

Nasser Ahmad Alan, doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFP) e diretor do Instituto de Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra)

Foto: Arquivo pessoal

Do ponto de vista político, diz Ahmad Alan, é mais uma ação que vem em uma sequência desde a reforma trabalhista do governo Temer para fragilizar o movimento sindical. No jurídico, o advogado é categórico ao apontar a inconstitucionalidade da MP 873. “Não há exercício interpretativo jurídico, hermenêutica, que permita dar caráter de urgência (o que é necessário para que o governo emita uma MP)”, afirma. Ahmad Alan diz ainda ser um absurdo que o governo Bolsonaro tente alterar por uma MP um texto de 80 anos. “Não há o menor cabimento, não faz sentido nenhum, a não ser criar formas de tentar estrangular financeiramente os sindicatos”, registra.

Foto: Arquivo Pessoal

José Eymard Loguercio, da LBS Advogados

Foto: Arquivo Pessoal

José Eymard Loguercio, da LBS Advogados, escritório que presta consultoria jurídica para a CUT Nacional, Federação dos Bancários do Rio Grande do Sul e sindicatos de Bancários de quase todo o pais, corrobora com a opinião de Alan. “Não há  urgência nem relevância nesta material a justificar uma medida provisória que suprime a apreciação prévia do Congresso Nacional e, portanto, produz  efeitos na data de sua publicação”, declara.

Concretamente, para Ahmad Alan, se pelo menos nas próximas duas semanas a MP 873 se manter, as entidades sindicais de todo o Brasil irão amargar uma arrecadação muito menor sem receber a Contribuição Sindical. “Já estará cumprindo parte do objetivo, criar embaraço para os sindicatos”, fala.  Ele afirma, no entanto, que, “se nada de estranho acontecer”, o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá acolher e deferir uma das series de pedidos de liminar de inconstitucionalidade. Ele ainda registra algo que lhe salta aos olhos: “além de inconstitucional, o conteúdo da MP é muito mal redigido”. Para o diretor da Declatra, no que concerne a Contribuição Sindical, a MP de Bolsonaro pode até atingir de imediato seus objetivos, a que pese a discussão judicial ao seu redor.

Ahmad Alan diz que as questões atinentes às mensalidades sindicais, a taxa de assistência sindical por Convenção Coletiva e a taxa Confederativa, prevista no Inciso 4, artigo 8° da Constituição, não fica claro na MP 873. “Sou tranquilo em dizer que, se não está expresso que a cobrança dessas questões deve ser via boleto, fica claro que o que vale é a Assembleia dos trabalhadores e os estatutos das entidades”,  afirma. Ahmad Alan acredita, no entanto, que a ideia que originou a MP 873 era mais pretensiosa do que o que foi expresso no seu texto. “É obvio que eles queriam boletos para tudo. A ideia, na real, em minha opinião, era fazer todo o movimento sindical ficar correndo atrás desse problema e deixar tranquilamente a reforma da Previdência passar sem maiores interferências”, conclui.

Sobre o alegado “ativismo judicial que tem contraditado o legislativo e permitido cobrança” das contribuições para as entidades sindicais dito por Rogério Marinho, secretário de Previdência e Trabalho do governo federal, em rede social para justificar a MP, José Eymard do LBS Advogados diz: “O tema das contribuições foi recentemente submetido ao Congresso Nacional, que culminou na chamada Reforma Trabalhista e foi também objeto de julgamento STF, cujo acórdão ainda foi sequer publicado”.

José Eymard vai mais longe. “De fato, as modificações trazidas pela MP implicam em flagrante violação de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, as convenções 87, 98 e 144, e reforçam esse entendimento várias decisões proferidas pelo Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Foto: Agencia Brasil

Estratégia de Guedes e Bolsonaro é estrangular sindicatos financeiramente para dificultar resistência à reforma da Previdência, afirmam sindicatos

Foto: Agencia Brasil


Movimento sindical reage

Todas as principais centrais sindicais do Brasil reagiram com vigor à publicação da MP 873/2019 e mobilizaram seu departamentos jurídicos para questionar o ato. Para a CUT, a MP quer aniquilar atuação sindical. “Essa medida absurda, antidemocrática e inconstitucional visa a retirar das entidades que legitimamente representam a classe trabalhadora os recursos que ainda lhes restam após a infame reforma trabalhista. Acreditam que, dessa forma, irão minar a nossa organização e força para enfrentar essa proposta de reforma da Previdência que mantém privilégios e empobrece o trabalhador”, diz a entidade em nota assinada por seu presidente, Vagner Freitas.

A União Geral dos Trabalhadores (UGT) classificou a iniciativa de “golpe constitucional” e criticou o fato de a MP ter sido publicada sem alarde às vésperas do Carnaval. “A Medida Provisória 873, publicada no escurinho do Carnaval, altera as regras da constituição sindical e é inconstitucional”, diz também em nota o presidente Ricardo Patah.

Em nota intitulada “Não ao AI 5 Sindical, Miguel Torres, presidente da Força Sindical, disse “é importante lembrar que desde o início deste governo, a Força Sindical buscou o diálogo democrático e a negociação, mas, infelizmente, na calada da noite o governo edita está nefasta MP demonstrando autoritarismo, despreparo e indisposição para o diálogo”.

Receita de bolo

Com a histórica experiência chilena, capitaneada por jovens economistas formados nos cursos de pós-graduação da Universidade de Chicago, de fato o que está acontecendo no Brasil não é nenhuma novidade. Esses profissionais, que contaram com Paulo Guedes como um de seus consultores, aplicaram reformas estruturais de cunho neoliberal que foi pioneiro, mas apresenta reflexos negativos na vida da população do país andino. Hoje, se na macroeconomia o Chile aparece bem nos cenários, na micro, sujeita a maioria da sua população a baixos salários e um sistema de aposentadoria que está explodindo.

Esse sistema que teve José Piñera, irmão do atual presidente Sebástian Piñera, à frente inaugurou o chamado “Estado subsidiário” que gerou nos anos 1980 a privatização de todos os aspectos da vida social do Chile. O primeira “obstáculo” atacado por José Piñera, então ministro do Trabalho da ditadura Pinochet foi a questão trabalhista, que foi concluída em 1980 com uma reforma que praticamente acabou com o poder do movimento sindical chileno, enfraquecendo-o com a eliminação das negociações coletivas e posteriormente, retirando direitos trabalhistas, incluindo o direito de greve, ainda hoje fortemente limitado no Chile, assim como o direito de associação.

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