MOVIMENTO

Assentamentos pioneiros do MST completam 40 anos

Acampamentos Macali e Brilhante, em Ronda Alta, no Norte do RS, referências da luta pela reforma agrária
Por Gilson Camargo* / Publicado em 10 de setembro de 2019
Festa lotou o salão da comunidade Macali II, em Ronda Alta

Festa lotou o salão da comunidade Macali II, em Ronda Alta

Foto: Leandro Molina/ MST

A região Norte do Rio Grande do Sul é conhecida por lutas históricas pela conquista da terra. As ocupações Macali e Brilhante têm um papel importante no contexto do movimento pela reforma agrária que levou à organização do MST em 1984. Durante a ditadura militar, famílias que tinham sido expulsas das terras indígenas de Nonoai organizaram as primeiras mobilizações sociais depois de muita repressão. Assentados das duas comunidades, apoiadores e lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) celebraram no sábado, 7, os 40 anos desses dois assentamentos. Macali e Brilhante são um marco histórico do movimento – depois da Fazenda Annoni, ocupada na metade da década de 1980. “Em 1985, quando a Annoni foi ocupada, o tema central era o direito à terra e o direito a produzir. Era claro o enfrentamento dos sem-terra contra o latifúndio improdutivo. Hoje o grande embate é o que e como produzir. Permanece a grande questão da concentração da terra, que não foi resolvida, mas também entram outros pontos como a necessidade de uma alimentação saudável em contraponto à produção de comida com veneno e insumos agrícolas, que é o resultado do agronegócio. O acampamento que estamos oferecendo à juventude servirá para debates como este”, informa Cedenir de Oliveira, dirigente nacional do MST para o Rio Grande do Sul.

Dusnelda Pinheiro: “Chegaram os policiais e nos disseram: ‘vocês têm 24 horas para sair daqui, para desocupar’. Nós dissemos não!”

Dusnelda Pinheiro: “Chegaram os policiais e nos disseram: ‘vocês têm 24 horas para sair daqui, para desocupar’. Nós dissemos não!”

Foto: Catiana de Medeiros/MST

As festividades iniciaram com uma mística que lembrou a história das ocupações e também homenageou as famílias assentadas nas glebas e aliados da época. Ao meio dia teve almoço, seguido de tribuna popular e reunião dançante.

De acordo com o MST, em 1979, as famílias remanescentes das terras indígenas de Nonoai começaram a se organizar para ocupar as fazendas Macali e Brilhante. Essas glebas possuíam contrato irregular com o estado, pois eram terras públicas e não poderiam ser arrendadas.

Depois de algumas ocupações malsucedidas, com o auxílio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), de sindicatos, estudantes, servidores públicos da Secretaria de Agricultura, entre outras entidades, os camponeses passam a se organizar para uma ação na Macali. Na madrugada do dia 6 para o dia 7 de setembro daquele ano, 110 famílias ocuparam a fazenda. Já dia 25 de setembro, outro grupo, de cerca de 70 camponeses, ocupou as terras da Brilhante. Era o início da retomada da luta pela terra no país após os anos de chumbo.

Anoldo e Dineta Vieira fizeram parte dessa luta e foram assentados na Brilhante

Anoldo e Dineta Vieira fizeram parte dessa luta e foram assentados na Brilhante

Foto: Catiana de Medeiros/MST

Dusnelda Pinheiro, assentada na Macali, lembra da época com carinho. Apesar do sofrimento, de ter sido expulsa das terras indígenas junto com seu marido Lauro Pinheiro, o casal foi em busca de soluções. “Nós estávamos em quatro famílias junto com o sogro. O meu marido começou a participar das reuniões para a ocupação e se organizar”, relata. Ela destaca o papel das mulheres na ocupação na Macali. “Chegaram os policiais e nos disseram: ‘vocês têm 24 horas para sair daqui, para desocupar’. E aí nós mulheres falamos: nós não temos para onde ir, não vamos desocupar”, conta, lembrando que a decisão de enfrentar os militares foi tomada porque “sabíamos da força das mulheres”.

Anoldo Gonçalves Vieira, assentado da comunidade Brilhante, relata sobre a sua participação na ocupação. “A gente sabia que eram um latifúndio as terras do Dalmolin e o que ele pagava pelo arrendamento naquela época era uma vergonha. Então, a luta foi assim: nós ficamos um ano acampados, fizemos lavourão, para depois pegar a terra. E estamos hoje comemorando os 40 anos da Macali e Brilhante. Aqui, comida nós temos, deu para criar os filhos, deu para dar um estudo. Então se Deus quiser, até morrer nós estamos aí”, exulta.

Símbolo da resistência e da luta pela reforma agrária

Mística abordou a violência do Estado e o papel das mulheres para o sucesso das ocupações

Mística abordou a violência do Estado e o papel das mulheres para o sucesso das ocupações

Foto: Leandro Molina/ MST

Os dois assentamentos são simbólicos da capacidade de resistência do movimento dos sem-terra. Por isso, é imprescindível comemorar essas quatro décadas de lutas desses que são territórios precursores do movimento e que enfrentaram uma época de violências e repressão por parte do Estado, destaca Isaías Vedovatto, dirigente estadual do MST/RS. “Essa comemoração é importante para voltarmos para trás e olharmos na história, para poder agir, retomar, reanimar, para seguir em frente em um processo de organização, de luta, de mobilização”, aponta.

Cleto dos Santos foi um dos homenageados na festa por ser um dos apoiadores das ocupações Macali e Brilhante. Ele reforçou seu posicionamento em relação aos sem-terra. “Somos aqueles que estarão sempre juntos com os trabalhadores”, disse. “A ocupação da Macali e da Brilhante faz parte da longa história do nosso povo”, afirma João Pedro Stédile, integrante da coordenação nacional do MST. Stédile destaca que essa luta foi fundamental para todo movimento brasileiro e gerou frutos para a sociedade e enfatiza a importância daquela região na luta pela terra no país. “Graças essa luta, Ronda Alta se tornou a capital da Reforma Agrária no Brasil”, ilustra.

*Com informações do MST.

Confira a seguir galeria de fotos exclusivas especialmente cedidas ao Extra Classe pelo repórter fotográfico Roberto Santos, um dos pioneiros na cobertura do movimento dos trabalhadores sem-terra. 

 

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