MOVIMENTO

Movimento de luta contra a Aids repudia Bolsonaro

Campanha #EuNãoSouDespesa, promovida pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), reúne depoimentos de ativistas contra o estigma, o preconceito e a discriminação
Por Gilson Camargo / Publicado em 7 de fevereiro de 2020

Moysés Toniolo, da Articulação Nacional de Luta contra a Aids (Anaids)

Imagem: Reprodução

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Moysés Toniolo, da Articulação Nacional de Luta contra a Aids (Anaids)

As declarações preconceituosas que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez na quarta-feira, 5, ao defender o programa de prevenção à gravidez na adolescência de Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, provocaram indignação entre representantes dos movimentos de luta contra a Aids no país, que se mobilizaram para rebater a tentativa de discriminação contra essa população. Segundo a estimativa do movimento, quase 1 milhão de brasileiros são soropositivos.

Para reforçar a estranha proposta de Damares, que ao invés de investir em políticas sérias de saúde e prevenção optou pela descabida ideia de forçar a abstinência sexual aos jovens, Bolsonaro declarou a apoiadores junto ao cercadinho em frente ao Palácio da Alvorada que uma pessoa com HIV representaria “uma despesa para todos no Brasil”.

Em resposta, o Movimento de Luta Contra a Aids, representado pela Articulação Nacional de Luta contra a Aids (Anaids), Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+Brasil), Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP), Rede Nacional de Mulheres Travestis e Transexuais e Homens Trans vivendo e convivendo com HIV/ Aids (RNTTHP) e Grupo de Apoio à Prevenção da Aids (Gapa/RS), entre outros, divulgou nas redes sociais declarações de repúdio às provocações do presidente.

Na continuidade da manifestação grosseira, Bolsonaro ainda disse, referindo-se ao ex-assessor do general João Figueiredo no período da ditadura militar e se tornou seu apoiador após ser afastado da Rede Globo: “o próprio Alexandre Garcia fala que a esposa dele, que é obstetra, atendeu uma mulher que começou com o primeiro filho com doze anos de idade, (teve) o outro com 15 e no terceiro já estava com HIV. A gente quer ajudar a combater. Uma pessoa com HIV, além de um problema sério para ela, é uma despesa para todos no Brasil”, disparou. Garcia, também notório por declarações grosseiras, chegou a afirmar em uma palestra que gostaria de mandar os brasileiros para o Japão e entregar o país aos japoneses.

Políticas de saúde para o enfrentamento à epidemia de aids não devem ser de governos ou partidos

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Em nota de repúdio à fala de Bolsonaro, o Movimento de Luta Contra a Aids destacou que a resposta brasileira à epidemia de aids deve ser uma política de Estado, não uma política de governos ou partidos, e que deve estar ancorada nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e na garantia dos direitos humanos, com reconhecimento e destaque internacional. “Expressamos nossa repulsa para a abordagem desrespeitosa, superficial e preconceituosa dispensada às pessoas que vivem com HIV/aids”.

Ao lembrar que as declarações de Bolsonaro ofendem e rotulam quase 1 milhão de cidadãos e cidadãs soropositivos, além de seus familiares, amigos e entorno social, as entidades afirmam que não se pode tolerar “que depois de décadas de conquistas e de luta contra a discriminação, discursos ancorados em preceitos equivocados e preconceituosos, potencializem estigmas e processos de exclusão sociais ainda presentes no cotidiano das pessoas que vivem com HIV/aids no Brasil. Acreditamos que estas manifestações, panfletárias, são estratégias adotadas pelo governo para desviar a atenção da população de questões e problemas emergentes que o país vive”.

Para o movimento social, “o exemplo ilustrativo apresentado pelo presidente, evidencia a falta de programas e de políticas públicas de educação sexual, voltadas a adolescentes e jovens, articuladas com ações de prevenção e que considerem os contextos de vulnerabilidade social dos adolescentes e jovens brasileiros. “Mas isto se contradiz nas ações do governo brasileiro, que investe em ações com mera valoração moral, sem evidência científica”, aponta o comunicado.

O grupo finaliza o documentou com a promessa de ampliar a mobilização pela garantia de direitos e de políticas públicas inclusivas, plurais, fundamentadas em evidências científicas e construídas com participação social. “Somente com engajamento social conseguiremos impedir que o obscurantismo e ideias fundamentalistas predominem. A saúde é direito de todos e dever do Estado. As pessoas que vivem com HIV/aids exigem respeito!”, ressalta.

#EuNãoSouDespesa

A campanha #EuNãoSouDespesa, promovida pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), reúne depoimentos de ativistas, estudantes, aposentados, jornalistas, assistentes sociais, advogados, médicos, atores e diversos outros cidadãos e cidadãs que defendem o Sistema Único de Saúde (SUS), contra o estigma, o preconceito e a discriminação.

“Ninguém é despesa. Nós pagamos impostos e esse dinheiro é revertido para a Saúde. Há várias décadas lutamos contra os estigmas, preconceitos e discriminação e não aceitamos mais rótulos”, afirma Heliana Moura, assistente social da Rede Mulheres Vivendo com HIV/Aids

Imagem: Twitter/ Reprodução

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Para Alexandre Telles, integrante do movimento de defesa do SUS, “somos todos pagantes de impostos caros. Somos contribuintes e não somos tratados de maneira digna pelo governo. Precisamos do SUS a todo vapor, porque pessoas são salvas por esse sistema. Estamos falando de vidas. Vamos repensar o que é despesa”.

“Sou brasileiro como todos os outros e nada que recebo do Estado recebo de graça. Tudo é pago pelos impostos que recolho todos os dias em qualquer coisa que compro neste país”, declarou em vídeo publicado nas redes sociais Carlos Alberto Duarte, representante do Grupo de Apoio à Prevenção da Aids (Gapa/RS).

“É meu direito e seu dever me respeitar”, lembra Elsom Santana, representante da Rede Jovem Rio.

Lysmaria Pinheiro, representante da Associação Brasileira de Redução de Danos (Aborda) e da Articulação Nacional de Saúde e Direitos Humanos (ANSDH), repudia tentativa de estigmatizar portadores de HIV como pessoas improdutivas e lembra que o país é referência mundial no enfrentamento à epidemia.

“Nosso tratamento de HIV/Aids no Brasil é referência mundial e não pode acabar. Muitas pessoas como eu, que vivem com HIV/Aids, têm uma vida normal e não geram despesas. Eu trabalho, pago meus impostos, gero trabalho e ajudo o outro. Vamos dizer não ao preconceito e à discriminação”, conclama.

“Eu não sou despesa. Eu sou receita. Sou receita humana, social, física, política, econômica. Eu produzo, eu faço a diferença. Esse planeta é meu, essa sociedade é minha, como é sua e como é de todos”, completa Marco Aurélio Tavares Bastos, jornalista e conselheiro gestor do Centro de Treinamento e Referência DST/Aids – SP.

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