MOVIMENTO

Marcha do MTST e frente popular contra a fome mobiliza mais de 20 mil pessoas em São Paulo

Depois de ocupar a Bolsa de Valores e acampar em frente à mansão de Flávio Bolsonaro, em setembro, movimento alerta que o país tem 9% de famintos e mais de 100 milhões em situação de insegurança alimentar
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 13 de novembro de 2021

Concentração e marcha até a Sé reuniram milhares de manifestantes na capital paulista – movimento ocorreu em outros seis estados

Foto: Marcelo Menna Barreto

A segunda etapa da Campanha contra a Fome e a Alta dos Preços promovida pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e pela Frente Povo Sem Medo foi marcada neste sábado, 13, por uma marcha que reuniu mais de 20 mil pessoas em São Paulo.

Após concentração, a partir das 13h, na estação Paraíso (Linha 1) do metrô, a caminhada percorreu quatro quilômetros da capital paulista e culminou na praça da Sé. No ato, a presença de Guilherme Boulos, liderança nacioal do MTST e ex-candidato à presidência da República em 2018, e o padre Julio Lancelotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo. Padre Julio conduziu junto a outras lideranças religiosas um ato ecumênico para encerrar a atividade.

Outras marchas da campanha também foram realizadas neste sábado em Aracaju (SE), Ceilândia (DF), Goiânia (GO) Maceió (AL), Porto Alegre (RS) e Rio de Janeiro (RJ).

Julio Lancelotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua, durante ato ecumênico na Praça da Sé

Foto: Marcelo Menna Barreto

Sobre o contexto da marcha, os últimos números estatísticos registram que 9% da população passa fome no Brasil e que cerca de 55% se encontram em algum grau de insegurança alimentar.

Tereza Campello, ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo de Dilma Rousseff (PT), em recente entrevista ao Extra Classe disse que a dimensão dessa tragédia hoje deve ser muito maior. “Temos dados somente de dezembro de 2020, quando ainda existia o auxílio emergencial no valor de R$ 300,00”, disse. Ela ainda lembrou que, até o novo valor de R$ 150,00 do auxílio, “passamos praticamente quatro meses sem nenhum suporte do governo”.

Fome avança com pandemia e Bolsonaro

Boulos, da liderança nacional do MTST: “Milhões estão indo dormir à noite com fome todos os dias, situação que poderia ser evitada se o presidente não fosse Bolsonaro, com sua política genocida”

Foto: Marcelo Menna Barreto

Tereza se refere ao levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). O trabalho apontou que nos últimos dois anos a fome avançou no Brasil como em nenhum outro governo.

A situação foi agravada pela pandemia e pelas ações demoradas e desencontradas da gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante a crise.

Um paralelo com a última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativa aos dois últimos anos do governo Temer (MDB-SP), estimava que 10,3 milhões de brasileiros residiam em domicílios com insegurança alimentar grave entre 2017 e 2018.

Desse período até 2020, dois primeiros anos do governo Bolsonaro, a quantidade de pessoas passando fome no território nacional aumentou em 8,8 milhões.

Além do indicativo de que 19,1 milhões de brasileiros estavam passando fome em dezembro de 2020, o estudo apontou que cerca de 116,8 milhões estavam em algum grau de insegurança alimentar – leve, moderado ou grave.

Insegurança alimentar é a situação em que uma pessoa não tem acesso pleno a alimentos.

Segundo os dados da Rede Penssan, os brasileiros nessa condição correspondem a mais de duas vezes a população da Argentina, de 45,3 milhões de pessoas.

A terceira inflação mais alta do G-20

Mais da metade da população não tem acesso pleno a alimentos: duas vezes a população da Argentina

Foto: Marcelo Menna Barreto

Levantamento da Trading Economics, plataforma que analisa os dados históricos e as projeções de quase 200 países, registra que a inflação do Brasil é a terceira mais alta entre as nações do G-20. Na frente, apenas Argentina e Turquia. A plataforma leva em consideração a inflação acumulada em 12 meses.

O alto índice da inflação no país incentivou campanhas como a do MTST e da Frente Povo Sem Medo, como o movimento que espalhou cartazes com o termo “Bolsocaro”.

Em todas, o protesto contra a disparada nos preços nos postos de gasolinas e supermercados. Especialmente porque, mesmo sendo os preços iguais para todos, ela acaba penalizando mais os segmentos vulneráveis da população – trabalhadores de baixa renda.

Para se ter uma ideia, em um ano de pandemia, de março de 2020 a fevereiro de 2021, a inflação sentida pelas famílias brasileiras mais pobres foi de 6,75%. Já para as famílias mais ricas, a inflação ficou em 3,43% no mesmo período.

O impacto foi medido pelo indicador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de inflação por faixa de renda.

A justificativa é o fato dos mais pobres gastarem cerca de 25% do seu orçamento com alimentos, enquanto os mais ricos despendem menos de 10% da remuneração do trabalho.  Outro fator para essa disparidade foi a redução em parte dos serviços consumidos pelas famílias mais ricas.

A campanha e a questão da habitação

A primeira fase da campanha contra a Fome e a Alta dos Preços ocorreu em setembro. De acordo com Rud Rafael, integrante da coordenação nacional do MTST, o movimento conta “com atos simbólicos para denunciar a Fome, a alta dos preços e os responsáveis, quem lucra com isso”.

Na ocasião, o MTST e a Frente Povo Sem Medo ocuparam parte da Bolsa de Valores de São Paulo e realizaram um acampamento em frente à mansão de R$ 6 milhões do senador Flavio Bolsonaro (Patriota-RJ) em Brasília.

O ato que confrontou o filho 01 do presidente da República também denunciou, diz Rud, que, enquanto uns com rendas obscuras conseguem moradias em zonas nobres, o déficit habitacional no Brasil aumentou de 5,657 milhões, em 2016, para 5,877 milhões, em 2019.

Essa é a conclusão do estudo Déficit Habitacional e Inadequação de Moradias no Brasil, feito pela Fundação João Pinheiro (FJP).

Sobre os números da questão habitacional, no entanto, Rud pontua: “O desafio é a atualização dos dados sem o Censo que Bolsonaro não promoveu. Além de não atualizar dados, ele (Bolsonaro) muda a metodologia de alguns indicadores para camuflar a dimensão real dos problemas. Isso acontece não só com a questão da moradia, mas com o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) recentemente”, conclui.

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