MOVIMENTO

MST reivindica terras para 65 mil famílias e políticas públicas durante Festa da Colheita do Arroz

“Aquisições de alimentos da agricultura familiar pelo governo estão de volta”, afirmou ministro do Desenvolvimento Agrário na abertura da colheita em assentamento pioneiro do RS
Por Gilson Camargo e Igor Sperotto (fotos) / Publicado em 17 de março de 2023

Festa de abertura da colheita do arroz agroecológico em Viamão reuniu autoridades, militantes da reforma agrária e assentados

Foto: Igor Sperotto

A 20ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico, promovida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Grupo Gestor do Arroz Orgânico, levou cerca de 4 mil apoiadores da reforma agrária ao Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, nesta sexta-feira, 17.

Iniciado em 1989, o assentamento é pioneiro da reforma agrária no estado. No local vivem 375 famílias, que têm como base de produção a agroecologia.

Além de assentados de todas as regiões do estado, o evento reuniu lideranças, autoridades e apoiadores da política de reforma agrária, inclusive de outros países, como Cuba, Guatemala, Argentina e Venezuela.

“Estou colocando em debate um modelo de Reforma Agrária que seja de ocupação por agrovilas, com infraestrutura de luz e internet, com agroindústrias e cooperativas que possam desenvolver a terra”, afirmou o ministro

Foto: Igor Sperotto

Pela manhã, o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Paulo Teixeira e os presidentes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do RS (Consea RS), Juliano Sá, e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, acompanharam de perto a abertura simbólica da colheita da safra 2022/2023 de arroz. A safra é estimada em 16,1 mil toneladas, a maior produção desde 2019.

Entre os visitantes estava a especialista em alimentação saudável, Bela Gil. Filha do músico Gilberto Gil, ministro da Cultura de Lula de 2003 a 2008, Bela afirmou durante a mesa temática Direito Humano e a Alimentação, que não é possível democratizar a alimentação saudável sem reforma agrária.

“Enquanto o agronegócio ficou lucrando e exportando soja, agricultores a agricultoras familiares distribuíram solidariedade com a comida, mobilizando as nossas redes, as cozinhas comunitárias e solidárias e as hortas comunitárias”, destacou a culinarista.

Sob o sol forte, a cerca de 8 quilômetros da sede do assentamento, os convidados – incluindo delegações de governos da América Latina interessados no modelo de produção agroecológica do MST – subiram em colheitadeiras que percorreram uma pequena quadra fazendo a colheita do arroz que foi descarregado em caminhões para ser ensacado.

“Os agricultores dos assentamentos da reforma agrária no Rio Grande do Sul já estão em uma fase de transição ecológica, já produzem bioinsumos, não se utilizam de venenos, mostram que a cultura agroecológica é sustentável sem o uso desses venenos. E são os maiores produtores de arroz agroecológico do continente e do Brasil”, destacou Paulo Teixeira em uma coletiva sob uma tenda armada no meio da lavoura.

Aquisição de alimentos colheita

Unidade de Bioinsumos Ana Primavesi foi inaugurada durante o evento

Foto: Igor Sperotto

O ministro anunciou a retomada dos programas de aquisição de alimentos da reforma agrária. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) terá valores reajustados pelo Ministério da Educação depois de seis anos e destinará R$ 5,5 bilhões que para alimentar cerca de 40 milhões de estudantes da educação básica pública.

Já o Programa Nacional de Aquisição de Alimentos (PAA), criado por Lula para a compra da produção da agricultura familiar, foi transformado em “Alimenta Brasil” e esvaziado nos últimos anos.

“O Brasil tem 33 milhões de pessoas passando fome. Estão faltando produtos que sempre estiveram na mesa dos brasileiros, como o arroz que nós acabamos de colher”. (Paulo Teixeira)

A ONG Fian Brasil, organização de direitos humanos que trabalha por alimentação e nutrição adequadas, aponta que o orçamento do antigo PAA despencou nos últimos 10 anos: passou de R$ 923 milhões em 2012, maior nível da história (dos quais foram aplicados R$ 586 milhões), para R$ 101 milhões em 2021, dos quais foram executados apenas R$ 58,9 milhões.

Em 2022, o valor empenhado pelo governo federal foi de R$ 2 milhões, o que representa apenas 1% do orçamento previsto para o programa para aquele ano.

“Esse é o momento em que o setor público vai comprar da agricultura familiar para distribuir nas entidades assistenciais do Brasil produtos da mais alta qualidade. Para nós, este assentamento é um exemplo de reforma agrária, mas também de uma agroecologia que vai mostrando o caminho de uma agricultura regenerativa que abandona os venenos”, frisou Teixeira.

O ministro mencionou a “obsessão do governo Lula para que cada brasileiro volte a fazer três refeições por dia” para reforçar que haverá uma a retomada dos programas de aquisição de alimentos.

“Voltaram as políticas para a agricultura familiar para enfrentar a crise de alimentos. O Brasil tem 33 milhões de pessoas passando fome. Estão faltando produtos que sempre estiveram na mesa dos brasileiros, como o arroz que nós acabamos de colher”, disse.

“Quando a gente fala em alimentação saudável, a gente precisa começar a saber de onde vem os alimentos que consumimos e a forma como eles são produzidos. Nós estamos morrendo pela boca, seja pela falta de alimentos ou pelo consumo de alimentos de má qualidade, como os ultraprocessados. O número de pessoas morrendo hoje no Brasil porque está comendo mal é maior do que o das vítimas de homicídios”. (Bela Gil)

Trabalho escravo

Questionado sobre as denúncias de trabalho escravo que se intensificaram no Rio Grande do Sul em setores do agronegócio, inclusive no cultivo de arroz, o ministro afirmou que o que aumentou foi a fiscalização.

“Na verdade, o trabalho escravo começou a ser descoberto no Brasil agora em janeiro com a volta do presidente Lula e com a volta dos órgãos de fiscalização, as delegacias regionais do trabalho, as polícias, mas não foi só no Rio Grande. Quem explora o trabalho escravo será desarticulado. O trabalho análogo ao trabalho escravo é muito triste, é inaceitável”, disse.

Reforma agrária

Ato simbólico iniciou a colheita da safra de arroz agroecológico, a maior desde 2019

Foto: Igor Sperotto

Sobre desapropriações de terras improdutivas e demarcações para a reforma agrária, Teixeira afirmou que “podemos esperar que todas as famílias vinculadas a todos os movimentos voltarão a ser assentadas”.

Segundo ele, há uma estratégia em discussão “dentro do governo, de arrecadação de áreas e debate sobre que modelo de reforma agrária nós queremos”.

Esse modelo em discussão com os movimentos sociais prevê mais estrutura para as famílias de produtores.

“Criamos um grupo de mediação de conflitos no Incra voltará a fazer um trabalho de arrecadação de terras, mas isso tudo quem tem que anunciar é o presidente da República. O certo é que a sugestão que vamos levar a ele abrange todos os movimentos e todos aqueles que estejam em acampamentos”, sinalizou Teixeira na coletiva.

Mais tarde, em um ato político na sede do assentamento, o ministro foi mais incisivo.

“Estou colocando em debate um modelo de Reforma Agrária que seja de ocupação por agrovilas, com infraestrutura de luz e internet, com agroindústrias e cooperativas que possam desenvolver a terra. Nós queremos educação no campo e remodelar os créditos para que os mais pobres acessem, que contemplem as cooperativas e desenvolvam agroindústrias no campo”.

Ritmo lento colheita

Arroz livre de agrotóxicos e transgenia produzido nos assentamentos é referência na América Latina

Foto: Igor Sperotto

O coordenador nacional do MST, João Pedro Stédile, ressaltou que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ainda é ocupado pelo engenheiro Cesar Aldrighi, que assumiu a autarquia provisoriamente em janeiro e poderá ser mantido por Lula. “Tudo ainda está parado”.

“Recém estão sendo montadas as secretarias do MDA e temos ainda um presidente do Incra interino. Esperamos que nos próximos meses (a política de governo para a reforma agrária) comece a andar”, criticou Stédile.

O líder nacional do MST também demonstrou pouco entusiasmo com o anúncio do ministro sobre a retomada da aquisição de alimentos da agricultura familiar pelo governo.

“A maior parte da produção de alimentos nós já entregamos para a merenda escolar. O que nós queremos é, no geral, que o governo reative na Conab o PAA e o Plano de Compra Antecipada de alimentos que é o maior impulsionador da produção de alimentos para todo o Brasil e para toda a agricultura familiar. Nossas duas bandeiras são essas, o PAA e o Pnae”, demarcou.

“Estamos diante de dois modelos filosóficos. O da morte, que usa agrotóxicos que nos envenenam e destroém a natureza. O outro é um modelo da vida, baseado na agroecologia e na defesa da natureza”. (João Pedro Stédile)

Reivindicações

A direção nacional do MST reivindica o assentamento imediato das 65 mil famílias acampadas no país, que vivem nesta situação há mais de 10 anos.

Em um documento entregue ao ministro do MDA, o movimento pede ainda a constituição de políticas públicas para as 500 mil famílias que já estão assentadas, com garantia de crédito estrutural e assistência técnica para organizar a produção de alimentos e impulsionar o desenvolvimento.

Os Sem Terra também cobram investimentos em educação do campo, especialmente por meio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera).

Durante o ato, foram assinados três contratos do crédito Apoio Inicial, destinados ao enfrentamento da estiagem no estado.

Também foi entregue a proposta do primeiro projeto do PAA para contemplar 5,6 mil famílias de 27 entidades populares de Porto Alegre, envolvendo 12 cooperativas do MST e mais de 1 mil famílias assentadas, além de demandas de dois projetos estruturantes da cadeia produtiva do arroz agroecológico, expressos na unidade de beneficiamento de sementes e na indústria do arroz parboilizado.

Um dos projetos, assinado no encontro entre a Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap) e o Banco do Brasil, destina R$ 3,7 milhões para a ampliação e reestruturação da unidade de secagem e armazenamento do arroz da cooperativa em Eldorado do Sul. O recurso é oriundo do Pronaf Agroindústria, com juros de 6% ao ano e prazo de sete anos para pagamento. colheita, colheita, colheita, colheita, colheita, colheita

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