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Comissão da Câmara vota projetos que proíbem união homoafetiva

Bancada evangélica faz lobby para aprovar série de projetos do PL relatada por pastor que quer incluir no Código Penal o veto à união entre pessoas de mesmo sexo
Por Gilson Camargo / Publicado em 19 de setembro de 2023
Comissão da Câmara vota projeto que proíbe união homoafetiva

Foto: Arquivo Pessoal

Especialista em direitos LGBT, a advogada Cíntia Cecílio (D) formalizou sua união homoafetiva em cartório em 2022

Foto: Arquivo Pessoal

Uma decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que há uma década representou o mais importante passo para a inclusão e a igualdade de gênero no Brasil está ameaçada por um conjunto de projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados e “proíbem” a união homoafetiva.

São nove projetos sobre o tema que tramitam em conjunto na Câmara, a maioria de autoria de deputados do Partido Liberal (PL), e foram relatados como uma única proposição. O relator é um dos mais fervorosos lobistas da bancada evangélica na Câmara, o deputado federal Pastor Eurico (PL-PE). Na justificativa, o relator afirma que o casamento “representa uma realidade objetiva e atemporal, que tem como ponto de partida e finalidade a procriação, o que exclui a união entre pessoas do mesmo sexo”.

O texto será votado nesta terça-feira, 19, na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados. O projeto afronta a Resolução 175/2013 publicada no dia 14 de maio daquele ano pelo do CNJ, determinando o fim da discriminação ao tornar obrigatória a aceitação e registro dos casamentos homoafetivos pelos cartórios de todo o país.

A articulação da bancada evangélica para avançar a proposta gerou ração da comunidade LGBT, que considera a medida inconstitucional e um ataque à cidadania. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como núcleo familiar.

Antes da decisão do CNJ, em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia equiparado as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como núcleo familiar.

A articulação dos parlamentares para aprovar o PL gerou reação da comunidade LGBT no Brasil, que considera a medida inconstitucional e um ataque à cidadania.

Na prática, o texto final que será analisado na Comissão pretende incluir no Artigo 1.521 do Código Civil o seguinte trecho: “Nos termos constitucionais, nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar.”

Atualmente, o Artigo 1.521 enumera os casos em que o casamento não é permitido, como nos casos de união de pais com filhos ou de pessoas já casadas.

De acordo com a Central de Informações do Registro Civil, que concentra dados nacionais de nascimentos, casamentos e óbitos, desde 2013 mais de 3 mil casais formalizaram a união homoafetiva.

De acordo com a advogada Cíntia Cecílio, especialista em direitos LGBTQIA+, mesmo que a matéria seja aprovada e sancionada na forma de Lei, isso não permite decisões retroativas, ou seja, é impossível anular as uniões estáveis celebradas desde que o CNJ publicou a resolução. Segundo ela, também existe o princípio da vedação ao retrocesso, com finalidade de proteger esses direitos. A advogada, que vivem em Brasília e se casou em cartório com sua companheira no final de 2022, considera que o projeto é um retrocesso e “expressa o preconceito e a homofobia” dos seus autores.

Distorção do texto constitucional

Comissão da Câmara vota projeto que proíbe união homoafetiva

Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Para o relator, o pastor e deputado Eurico, do PL “finalidade de procriação exclui a união homoafetiva”

Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Na justificativa, o relator do texto, deputado federal Pastor Eurico (PL-PE), recorreu ao argumento da reprodução ao afirmar que o casamento “representa uma realidade objetiva e atemporal, que tem como ponto de partida e finalidade a procriação, o que exclui a união entre pessoas do mesmo sexo”.

Eurico usou o parágrafo 3º do Artigo 226 da Constituição para embasar seus argumentos. O texto diz que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

Em uma interpretação atravessada do dispositivo constitucional, o pastor pernambucano afirma que “resta claro que a própria Constituição mitiga a possibilidade de casamento ou união entre pessoas do mesmo sexo”.

Ele também critica a decisão do STF que reconheceu a união homoafetiva por interferência na prerrogativa do parlamento de aprovar e alterar a legislação.

“Mais uma vez, a Corte Constitucional brasileira usurpou a competência do Congresso Nacional, exercendo atividade legiferante (poder de estabelecer leis) incompatível com suas funções típicas”, argumenta.

Ataque à igualdade e à cidadania

A tentativa de vetar a união homoafetiva foi duramente criticada por organizações e representantes de direitos humanos e da comunidade LGBTI+.

“Na nossa avaliação, a proposta é manifestamente inconstitucional, pois infringe princípios do Estado Brasileiro, como a igualdade. Entendemos que setores da política estão retomando esse tema, que já está consolidado em diversos entendimentos judiciais, com a finalidade de estimular discursos conservadores para criar algum capital político para atores da extrema direita que foi derrotada nas urnas”, aponta Caio Klein, coordenador da ong Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade, uma das mais antigas organizações LGBT de Porto Alegre.

Comissão da Câmara vota projeto que proíbe união homoafetiva

Foto: Vinicius Loures / Câmara dos Deputados

“O reconhecimento do casamento homoafetivo é um caminho sem volta”, afirma Toni Reis, presidente da Aliança Nacional LGBT

Foto: Vinicius Loures / Câmara dos Deputados

O presidente da Aliança Nacional LGBT, Toni Reis, um dos autores da ação que originou a decisão do STF a favor do casamento homoafetivo, acredita que o projeto não deve prosperar no Congresso Nacional.

Para ele, a iniciativa “gera discurso de ódio, porque eles não querem que nós existamos como cidadãos e cidadãs”.

Sobre o argumento usado pelo relator, Toni Reis lembrou que o Supremo considerou que os artigos 3º e 5º da Constituição se sobressaem ao Artigo 226.

“Esse Artigo 226 está contradizendo o Artigo 5º, que diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Então, o Supremo se ateve ao Artigo 5ª que é uma cláusula pétrea”, afirmou.

As cláusulas pétreas são os artigos da Constituição que não podem ser alterados nem mesmo por proposta de emenda à Constituição (PEC).

Toni Reis acrescentou que o projeto é um ataque à cidadania no Brasil.

O também presidente da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (Abrafh) lembrou ainda que será lançada nesta terça-feira, 19, a Frente Parlamentar Mista por cidadania e direitos LGBTI+ no Congresso Nacional com o apoio de 262 deputados ou senadores.

“O reconhecimento do casamento homoafetivo é um caminho sem volta”, conclui.

O Grupo Estruturação – LGBT+, de Brasília promoveu um ato de repúdio contra o projeto de lei pela manhã, em frente ao anexo II da Câmara dos Deputados.

O presidente do grupo, Michel Platini, ressalta a importância da manutenção do direito.

“Com o reconhecimento das uniões homoafetivas, a população LGBT+ passou a ter acesso aos direitos civis, que agora estão sob ameaça. É fundamental que a sociedade brasileira compreenda a relevância dessas conquistas e se una para proteger os direitos e a dignidade de todos os seus cidadãos, independentemente da orientação sexual”, ressalta.

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