MOVIMENTO

Movimento antirracista completa 10 anos e afirma que democracia não chegou na periferia

Coletivo Quilombação surgiu sob inspiração de um dos maiores intelectuais brasileiros, que se debruçou sobre o estudo das relações étnico-raciais
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 14 de dezembro de 2023
Movimento antirracista completa 10 anos e afirma que democracia não chegou na periferia

Foto: Paulo Pinto/ Agência Brasil

Movimento reivindica revogação do decreto que privatiza presídios, implantação de uma reforma tributária antirracista e estímulo fiscal a arranjos produtivos das periferias entre outras medidas que contemple a população negra e as periferias

Foto: Paulo Pinto/ Agência Brasil

A democracia não chegou na periferia. Este é um dos principais slogans do Quilombação, coletivo de ativistas antirracistas que completa 10 anos nesta quinta-feira, 14.

O grupo que iniciou em São Paulo e tem hoje ramificações por todo o país, remonta o movimento Quilombagem, definido pelo professor Clóvis Moura (1925-2003), que luta pelo reposicionamento dos negros como personagens fundamentais na transformação da sociedade brasileira.

“Quando a gente pega, por exemplo, nos anos anteriores, que se falava ‘ah, a democracia está em perigo, a democracia está ameaçada, a democracia isso e aquilo’ – de fato, houve risco – mas, para as favelas essa democracia que diziam ameaçada ainda nem chegou”, afirma Marcelo Cavanha.

Um dos coordenadores políticos do Quilombação e coordenador da Central Única das Favelas (Cufa), centro de São Paulo, Cavanha aponta, no seu entendimento, que as “periferias e as favelas ainda vivem no AI-5”, um dos piores momentos da ditadura cívico-militar no Brasil.

Ele vai mais longe, “a questão é que o processo de redemocratização de 1984, com a Constituição de 1988, para as periferias e favelas até hoje não chegou”.

Movimento antirracista completa 10 anos e afirma que democracia não chegou na periferia

Foto: Acervo Pessoal

“Periferias e as favelas ainda vivem no AI-5″, aponta Marcelo Cavanha, da Cufa

Foto: Acervo Pessoal

Garantias constitucionais não chegaram

A base para a afirmação de Cavanha é a constatação de que boa parte do que a Constituição Federal de 1988 garante para os cidadãos brasileiros ainda não chegou de fato para as periferias.

“Tivemos avanço? Lógico. Tivemos avanço, mas está muito longe do ideal. E isso passa pela violência policial, isso passa pela questão de moradia, pela questão de saneamento básico, pela questão de saúde, pela questão de educação; passa por tudo isso”, enumera.

Um exemplo da violência policial que costuma ser mais letal nas periferias vem do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP).

Na quarta-feira, 13, o TJSP decidiu que policiais militares não são mais obrigados a usar câmeras corporais em ações de resposta a ataques contra agentes de forças de segurança.

Essa definição sepultou de uma vez a liminar de primeira instância que havia tornado o uso de câmeras obrigatório em meio à chamada Operação Escudo, no litoral paulista, quando 28 pessoas de comunidades foram mortas pela polícia depois do assassinato do PM Patrick Bastos Reis.

A liminar foi derrubada horas depois pelo presidente do TJSP, o desembargador Ricardo Anafer, e confirmada agora pelo Órgão Especial da corte.

Seminário critica conciliação de interesses com especuladores

Seminário do Quilombação realizado em São Paulo no final de semana passado reafirmou uma carta pública do coletivo que será enviada a diversos órgãos públicos e autoridades do país.

No documento, as lideranças presentes criticam a reforma trabalhista do período em que Michel Temer (MDB) ocupou o governo e a “contrarreforma” previdenciária aprovada no governo de Jair Bolsonaro (PL).

A carta pública afirma ainda que questões importantes para a luta antirracista não estão encerradas no atual governo Lula.

Reforma tributária antirracista

“Há setores do governo que tentam conciliar uma política social com a manutenção dos interesses do grande capital especulativo. A não ruptura com uma política que busca a todo custo o equilíbrio fiscal faz com que o orçamento do Ministério da Igualdade Racial para 2024 seja de ridículos 200 milhões de reais (o menor de todos)”, descreve a carta.

Para o Quilombação, é necessária a revogação imediata do Decreto 11.498/23 que possibilita a privatização de presídio, uma Reforma Tributária antirracista que tribute os mais ricos, o patrimônio e crie mecanismos de estímulo fiscal a arranjos produtivos comunitários da população negra; e direitos trabalhistas e previdenciários para todos os trabalhadores de aplicativos e trabalhadoras domésticas e a revisão do orçamento federal de 2024.

Mapa das Periferias

Uma plataforma para subsidiar políticas públicas para as periferias das cidades brasileiras foi lançada na quarta-feira, 13, pelo Ministério das Cidades Periferias.

Chamada de Mapa das Periferias, a iniciativa contempla dados e estatísticas consolidadas sobre as mais diversas vulnerabilidades socioeconômicas dessas localidades.

Em um primeiro momento, a medida abrange periferias de capitais e regiões metropolitanas.

A ideia do ministério é atingir a totalidade do país em 2024 com a identificação de organizações coletivas e suas atuações nas periferias para auxiliar em políticas públicas.

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