MOVIMENTO

Curso da Smed que reproduz estereótipos racistas causa indignação

Conteúdo ofertado na plataforma EducaPoa a novos nomeados da Secretaria de Educação estaria propagando racismo, preconceito e intolerância
Por Gilson Camargo / Publicado em 31 de janeiro de 2024
Curso da Smed que reproduz estereótipos racistas causa indignação

Foto: Cristina Beck/ Divulgação

“É inaceitável que dentro da plataforma de educação da prefeitura trabalhem um curso com conceitos inexistentes, levem à desinformação e criem estigmas na nossa sociedade”, protestou a deputada Bruna Rodrigues (PCdoB)

Foto: Cristina Beck/ Divulgação

Um conteúdo ofertado a 400 professores recém-nomeados pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) está provocando revolta e indignação entre professores e demais profissionais da educação, entidades de trabalhadores e lideranças do movimento negro na capital gaúcha.

O material disponibilizado no EducaPoa, uma plataforma restrita dos servidores e voltada para o aperfeiçoamento e qualificação profissional do funcionalismo, teria um conteúdo que reforça conceitos rejeitados pelo movimento negro, como a ideia de “racismo reverso”, o que provocou a reação dos movimentos sociais.

A Smed informou em nota que  os trechos que receberam críticas foram alterados e esclareceu que o conceito de “racismo reverso” aparecia no conteúdo como forma de problematização e não com o propósito de legitimação.

A Associação dos Trabalhadores em Educação (Atempa) publicou nota de repúdio ao curso da Smed, afirmando que um dos textos apresentados “enfatiza a falácia do racismo reverso”.

De acordo com a entidade, o conteúdo ressalta, “entre outros absurdos, a inverídica afirmação” de que “o racismo reverso ou racismo inverso é uma expressão usada para designar a existência de minorias éticas contra grupos étnicos dominantes”.

Um exemplo de racismo reverso mencionado pelo conteúdo seria “o preconceito de negros em relação aos brancos”, o que provocou indignação na categoria e em lideranças do movimento negro.

A representação dos educadores e demais trabalhadores em educação da capital esclarece que quando uma pessoa branca sofre algum tipo de agressão verbal relacionada à sua cor, ela não pode dizer que sofreu racismo reverso. “O racismo é única e exclusivamente direcionado a pessoa negra”, esclarece.

“A pessoa branca, nesse caso, sofreu um preconceito, uma discriminação ou uma injúria racial que está relacionada a ofensas contra a honra da vítima. Racismo é um crime histórico que foi criado pelo ódio à etnia negra e que matou e continua a matar milhares de pessoas negras em todo o mundo”, explica o comunicado.

Para Jaqueline Franco, diretora da Atempa, é inaceitável e criminoso que um curso abrigado pelo EducaPOA contenha uma definição de um conceito inexistente.

“Ainda mais com exemplificação, fazendo referência à população negra. Esse comportamento só faz afrontar a população negra da cidade e demonstra o racismo institucional presente de forma explícita na administração municipal. Propagar em um curso de recepção a novos servidores um conteúdo deste porte é inadmissível”, destacou a dirigente.

O Coletivo Educação para as Relações Étnico Raciais (Erer-POA), da rede pública municipal de educação também se manifestou.

“A Secretaria de Educação de Porto Alegre está oferecendo um curso de recepção às mais de 400 novas nomeações de professoras e professores da rede municipal com um conceito que além de não existir, criminaliza e relativiza a luta das pessoas negras e indígenas de nossa cidade. É absurdo que dentro da plataforma de educação da prefeitura de Porto Alegre, o EducaPOA, se trabalhe conceitos inexistentes que levam à desinformação e criam estigmas na nossa sociedade”, afirmou em uma rede social a deputada estadual Bruna Rodrigues (PcdoB-RS).

“Consideramos que a nossa rede possui professores e coletivos qualificados para as mais diversas ações pedagógicas e promoções educativas e que a mantenedora precisa qualificar suas práticas aprendendo com seus professores”, afirma o coletivo em nota.

No seu comunicado, a Atemp reitera que, ao adotar o falso discurso de existência do racismo reverso, a prefeitura da capital ajuda a propagar e aguçar ainda mais o preconceito e a intolerância. Para a entidade, acreditar na existência do racismo reverso equivale a crer que o racismo pode, de alguma forma, ser aceitável.

“É urgente desconstruir essa falsa existência de racismo reverso, que é, na verdade, uma expressão usada para negar a estrutura racista e faz parte do mesmo repertório de expressões como “o pior racista é o próprio negro”, “o negro é racista contra o próprio negro”.

Afirmações como essas, conclui a Atempa, “são usadas por quem prefere confundir e encobrir o verdadeiro e necessário debate racismo, preconceito e intolerância”.

Posicionamento da Smed

Em nota, a Smed afirma que o conceito de “rascismo reverso” é problematizado no curso, mas em nenhum momento é legitimado no material.

“Em relação ao questionado, a Smed considera de extrema importância a presença no ambiente escolar da pauta do combate ao racismo. Nesse sentido, o Curso para Ingressantes traz a temática para que seja abordada junto dos novos profissionais da rede, no intuito de prepará-los e orientá-los para o trabalho em sala de aula. Nesse contexto, o curso busca para além de reforçar a importância de uma educação anti-racista, apresentar termos que poderão ser apresentados aos professores no cotidiano”, afirma o comunicado.

A Smed informou que os trechos criticados foram alterados. “Cabe ressaltar que o conceito de “racismo reverso” não foi apresentado como legítimo em nenhum dos materiais disponibilizados pela Smed, todavia os trechos que foram apontados como dúbios foram alterados para garantir uma melhor interpretação da pauta. Destacamos ainda que os materiais produzidos são baseados na legislação vigente, como a lei nº 7.716/89 que define os crimes de Racismo no Brasil, que é amplamente difundida nos mesmos”.

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