MOVIMENTO

A dança de rua que chega a Paris como esporte olímpico

Na edição deste ano, em Paris, na França, será a vez da estreia do breaking. O fato já repercute nas comunidades gaúchas onde a dança de rua ganha novo estímulo
Por Ernani Campello (c/ fotos de Igor Sperotto) / Publicado em 1 de abril de 2024

A dança de rua que chega a Paris como esporte olímpico

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Na velocidade do mundo globalizado, o esporte se modifica em busca da atenção das novas gerações. Os Jogos Olímpicos, principal evento poliesportivo do mundo, acompanham essa tendência proporcionando o ingresso de novas modalidades, como surfe, skate e escalada. Na edição deste ano, em Paris, na França, na esteira do sucesso dessas modalidades, será a vez da estreia do breaking. O fato já repercute nas comunidades gaúchas onde a dança de rua ganha novo estímulo.

Das ruas de Nova Iorque ao maior palco dos esportes, o breaking é um estilo de dança urbana que se originou no bairro nova-iorquino do Bronx, na década de 1970, quando foi criado pelas comunidades negra e latina com o objetivo de pacificar disputas na região. Na década de 1980, espalhou-se pelo mundo. No Brasil, foram incorporados novos elementos à dança, que, muitos anos depois, passou também a ser considerada uma modalidade esportiva. É uma forma de esporte que combina dança urbana com movimentos do atletismo e ações acrobáticas. A dança breaking é um dos quatro pilares da cultura hip hop, junto com o MC (mestre de cerimônia), o DJ e a arte em grafite.

A presidenta da Federação Gaúcha de Breaking, Claudisséia Santos – também conhecida como Céia –, acredita que a vitrine dos Jogos Olímpicos irá impulsionar a modalidade no estado. A poucos meses da Olimpíada, b-boys b-girls, como são chamados seus praticantes, já sentem o legado olímpico no aumento da demanda por apresentações. “Acredito que realmente o breaking vai ter a possibilidade de um reconhecimento real da sua importância na cultura hip hop e dentro do âmbito olímpico”, afirma b-girl Céia, 42 anos, mandatária da FGBRS.  “O legado que ficará da Olimpíada é a organização da modalidade em federações e a possibilidade da busca de políticas públicas de fomento também através das leis de incentivo ao esporte”, explica Céia.

O Rio Grande do Sul será o primeiro estado brasileiro a ter um espaço público de treinamento e escolinha de breaking. A Federação Gaúcha está recebendo da prefeitura de Porto Alegre a cedência, por tempo indeterminado, de um espaço que está se transformando em uma Casa de Cultura e economia solidária, sendo um lugar para a comunidade encontrar acolhimento, representatividade e atividades que unem arte, esporte e geração de emprego. “Será o Pavilhão Eco Sustentável da cultura hip hop e dos esportes radicais, no distrito industrial da Restinga, onde desenvolveremos uma escolinha de breaking, mas também outras modalidades esportivas, oficinas de arte e atividades profissionalizantes”, explica Céia. “Estamos aguardando também uma emenda parlamentar de R$ 160 mil da deputada Reginete Bispo (PT) para iniciar as oficinas e as aulas do projeto ainda neste semestre”, conclui Céia, que, em 2012, no Chile, foi a primeira representante do breaking brasileiro em competição internacional.

A Seleção Brasileira não tem nenhum atleta do Rio Grande do Sul, mas o técnico Vinícius Manzon Reis, de 35 anos, o b-boy Books, é gaúcho de Santa Maria. “Acredito que o maior benefício que a Olimpíada trará será a visibilidade e o potencial de quebrar o estigma associado ao breaking por ser parte de uma cultura periférica”, acredita Books. “Embora seja essencialmente uma expressão cultural e artística, com ênfase na dança, essa nova visão esportiva traz uma nova forma de viver para os competidores e as pessoas envolvidas nessa cultura, com mais dignidade, respeito e, certamente, maior reconhecimento, uma vez que agora é um esporte olímpico”, acrescenta o técnico.

Em relação às possibilidades de representantes brasileiros nas disputas do breaking em Paris, Books explica que, no ano passado, seis atletas (3 B-boys e 3 B-girls) estavam na disputa pela pontuação olímpica, mas no momento apenas Leony Pinheiro segue com boas chances de obter classificação. O profissional de Santa Maria desenvolve o projeto Protocolo N6S, o qual visa treinar fisicamente dançarinos/atletas, seja para as Olimpíadas ou competições culturais. “Atualmente, o projeto conta com 200 atletas de todo o Brasil, com orientações de treinos técnicos, físicos e táticos”, explica Reis, acrescentando que o programa é totalmente gratuito. “Sermos vistos agora como atletas nos traz um grande reconhecimento e respeito em relação ao nosso treinamento diário”, conclui o técnico da Seleção Brasileira.

A dança de rua que chega a Paris como esporte olímpico

Foto: Igor Sperotto

O Grupo Restinga Crew desenvolve, há 22 anos, um projeto social de breaking com crianças e jovens da comunidade

Foto: Igor Sperotto

No extremo sul de Porto Alegre, o Grupo Restinga Crew desenvolve, há 22 anos, um projeto social de breaking com crianças e jovens da comunidade. O grupo é referência na dança periférica de rua que virou esporte olímpico, com convites para apresentações frequentes em todo o estado e cinco Prêmios Açorianos de Dança. Nos fundos da sua casa no bairro Restinga, Júlio Cesar Oliveira, o b-boy Julinho, tem um estúdio onde ministra aulas e atividades para mais de 40 crianças e jovens da comunidade. A dança é a ferramenta que ele utiliza para transformar a realidade de jovens da comunidade em um trabalho social e artístico que não existiria se não fosse a sua persistência.

“As dificuldades já foram maiores e ter uma sede própria ajudou muito”, reconhece, entre uma dança e outra, o incansável Julinho, que está otimista quanto ao crescimento da modalidade como reflexo da inclusão no programa olímpico. “A repercussão deve aumentar, mas a forma e as regras do breaking não mudaram com a oficialização como esporte olímpico”, explica. Mais do que esporte, dança, arte ou cultura, Julinho entende que o breaking é uma questão de transformação social. “Primeiro, ele transformou a minha vida, pois me criei numa comunidade periférica onde a realidade é muito próxima com a criminalidade, o tráfico e a dificuldade social e financeira”, afirma o idealizador do projeto. “O breaking, junto com a cultura hip hop, me direcionou, pois foi uma transformação e um lazer que me ocuparam para eu não me perder”, lembra o arte-educador de 38 anos. “Depois, virou trabalho e uma ferramenta para ajudar a minha comunidade”, acrescenta, olhando para os jovens treinando em seu estúdio.

A diretora administrativa do Restinga Crew, Yanka Carvalho, 27 anos, espera que a presença nos Jogos Olímpicos fomente mais projetos e financiamentos para a modalidade. Ela acredita que “a cultura hip hop precisa se profissionalizar e buscar conhecimento”. O grupo da Restinga está atrás de recursos com cachês de apresentações e verbas públicas através de projetos nas leis de incentivo para desenvolver as atividades. “Fiz o curso de produção cultural do projeto Restinga Mais e aplico esses conhecimentos em prol dos nossos projetos”, conclui Yanka. Aos 20 anos, a b-girl e bailarina Alexia Palma da Mota concorda, pois, segundo ela, “o artista precisa se qualificar e buscar informações para ser valorizado”.

A dança de rua que chega a Paris como esporte olímpico

Foto: Igor Sperotto

O Restinga Crew é referência na dança periférica de rua, que virou esporte olímpico, com convites para apresentações frequentes em todo o estado, e cinco Prêmios Açorianos de Dança

Foto: Igor Sperotto

Grafiteiro profissional, Jonílson da Silva Santos, o Tody, de 28 anos, ainda vê preconceitos em relação à modalidade. “Comecei a dançar aos 14 anos na minha cidade. Vim para Porto Alegre para crescer no breaking e acho que está mudando a visão das pessoas, pois agora somos atletas”, afirma Tody. Ele realizava um projeto de inclusão social através do breaking em Igrejinha, mas optou pela mudança para a capital gaúcha, onde acredita que há mais oportunidades para o desenvolvimento da cultura hip hop. “A gente precisa de apoio e mais recursos para treinos e campeonatos, mas agora acredito que vá melhorar”, conclui.

O Restinga Crew também é uma porta de esperança para Klaiton da Silva Leria, de 17 anos. Ele sonhava em ser jogador de futebol, mas, após algumas frustrações no “esporte das multidões”, encontrou amparo no breaking. “Sempre quis ser jogador de futebol, mas faltaram oportunidades e acabei chegando ao grupo por indicação de um primo”, conta o ex-atleta das categorias de base do Esporte Clube São José. “Estou feliz. Isso aqui é uma bênção, pois eu era muito revoltado pela falta de oportunidades e aqui encontrei uma família”, alegra-se Klaiton.

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