OPINIÃO

Globalização, novas tecnologias e mudanças no mundo do trabalho

Angelo dal cin / Publicado em 9 de junho de 1997

A Globalização, embora não seja um fenômeno recente, assume, no final deste milênio, proporções nunca vistas antes. O Império Romano, de forma sangrenta, dominou vastas regiões. Portugal, Espanha e Inglaterra, ao ocuparem o Continente Americano e outras regiões do mundo, não o fizeram com menos violência, com o extermínio, por exemplo, de milhões de indígenas. Escravizaram e mataram em nome do progresso. Durante longos anos, os economistas destas pátrias-mãe se locupletaram com as nossas riquezas naturais e exploraram nossa mão-de-obra.

Hoje, a perversidade do processo econômico não é diferente. A globalização, que é a internacionalização absoluta da economia, vem acompanhada do que se convencionou chamar de mundialização que, em linhas gerais, pode ser compreendida como a internacionalização cultural. Assinale-se que tal cultura baseia-se nos princípios do individualismo e da competitividade desenfreada, ignorando qualquer ética humana de solidariedade e respeito à vida. Isto é, uma cultura que corresponde à natureza do modelo econômico em questão.

Amparado pelo desenvolvimento da informática e da sua capacidade de processar e distribuir informações e dados em todo o planeta, este processo adquire uma velocidade incalculável. A informática, associada às novas tecnologias no campo das comunicações, rompe as fronteiras nacionais com facilidade e rapidez, transformando o mundo numa aldeia conectada por uma infinidade de minúsculos circuitos eletrônicos. Aparentemente, poderíamos pensar que este fenômeno determinaria uma democratização dos bens da humanidade. O que se verifica é exatamente o contrário, é a concentração da riqueza e do conforto entre um pequeno grupo e a exclusão da maioria absoluta da população. O Estado Nacional, tal qual foi concebido até meados deste século, tende a desaparecer e, ao que tudo indica, estamos bem perto das ficções futuristas de autores como Aldous Huxley (“Admirável mundo novo”) e George Orwel (“A revolução dos bichos”, “1984”), que anteviram a divisão do planeta em grandes blocos econômicos e políticos em disputa permanente.

A par disso, a robotização nos setores primário, secundário e terciário – agricultura, indústria e setor de serviços, respectivamente -, desencadeia um processo de eliminação de postos de trabalho, sem que o Estado e o mercado manifestem a mínima preocupação com os excluídos. O descaso com os excluídos prende-se, principalmente à lógica da globalização, que elege a competição e não a colaboração. As empresas necessitam aplicar novas tecnologias, minimizar custos, maximizar lucros, para novamente investir em mais produtividade e enfrentar a concorrência. Neste sentido, nas empresas, não “sobram” recursos para investir no bem-estar de toda a população.

Ora, até aqui nada de errado. Numa concepção clássica, não compete às empresas, ao mercado, à assistência aos carentes. Esta função seria prerrogativa do Estado, que se encarregaria de estender os benefícios sociais ou parte deles à toda a população. Mas a idéia de Estado de Bem-estar Social há muito foi abandonada e esta talvez seja a distinção fundamental entre os liberais clássicos e os neoliberais contemporâneos. Para os primeiros, quem deveria planejar e intervir no sentido de universalizar os benefícios dos avanços tecnológicos a tantos, seria o Estado. Porém, para os segundos, o Estado deve ser mínimo e a sorte de cada um deve ser decidida pela sua competência, isto é, pela sua capacidade de competir no mercado. O mercado torna-se, assim, quase que um ente mitológico, capaz de oferecer a melhor solução.

Os liberais contemporâneos ou os neoliberais, como queiram, portanto, defendem a privatização de tudo. O tudo, está sublinhado, exatamente para desmitificar a afirmação de que o Estado necessita se desvencilhar das suas empresas (Companhia Siderúrgica Nacional, Vale do Rio Doce, CRT, CEEE) para se fixar no atendimento das tradicionais políticas públicas: Saúde, Educação, Segurança. Somente os mais desavisados podem aceitar isso como verdade. É uma grande mentira, pois quem quiser assistência médica, além de contribuir para a previdência pública está sendo forçado a pagar por um plano privado.

Com a Educação ocorre o mesmo. Se, na década de 60, quase 80% dos universitários, estudavam nas escolas públicas, hoje pouco mais de 20% não precisam pagar pelo mesmo curso superior. Os professores das escolas públicas, em geral, recebem um salário miserável e, muitos CPM’s, já contratam professores para suprir os que o governo não contrata.

Quando o Governo propõe que empresas adotem escolas, estamos a meio caminho andado para a privatização das instituições públicas de ensino, que oferecem um mínimo de vagas em relação à oferta da rede particular. A precariedade do setor policial, também caracterizado por baixos salários, formação técnica mínima e carência de equipamentos , obriga os empresários e cidadãos em geral a contratarem sua própria segurança.

Como vemos, tudo está sendo privatizado. Só terão educação, saúde e segurança, aqueles que puderem pagar por isso. Qual será, então, o papel do Estado – e o destino dos cidadãos – após a entrega de tudo aos grandes grupos econômicos, que controlam o capital neste mundo globalizado?

Mas, isso tudo não é nada. No mundo do trabalho, a automação e a competição impõem a qualidade total como paradigmas essenciais. O discurso da qualidade de vida deixou de ser defendido pelos liberais nos últimos 15 anos, e foi substituído pela qualidade total. Apregoa-se a competitividade, o individualismo e a qualidade de vida, só para alguns apenas.

A terceirização, que agora passa a ser utilizada também pelo Governo Federal nos serviços públicos, já é norma no setor industrial há alguns anos. A desregulamentação da economia muda também a feição do Estado e a sua organização funcional. A reforma administrativa neoliberal tem este caráter, quando o governo propõe a redução ou mesmo o fim de direitos sociais consagrados aos trabalhadores (regras para aposentadoria, estabilidade do funcionalismo público, trabalho sem contrato formal em carteira). Isso altera profundamente as características da classe trabalhadora. A organização sindical, tal qual foi construída e organizada até aqui, está em colapso. Uma empresa que ocupava 2.000 trabalhadores, hoje opera com 500 e sua capacidade produtiva até aumentou. Surgem os micro e pequenos empresários, terceirizados e submetidos aos interesses dos grandes empresários. Emerge a sociedade sem empregos, preconizada pelo fórum da liberdade, recentemente organizado em Porto Alegre.

As negociações salariais, passarão a ser por local de trabalho ou individualmente pelos prestadores de serviço. Os pequenos e micro empresários, muitas vezes assumirão ares de patrão, mas nas condições impostas, não terão condições de pagar aos seus funcionários, como faria uma grande empresa. A desregulamentação da legislação trabalhista será a legalização na superestrutura jurídica daquilo que já acontece na base das relações concretas do mundo do trabalho. Disso tudo, resta, no mínimo, um questionamento humanístico: é ético que se condene multidões de seres humanos à exclusão miserável, quando a sociedade dispõe de tecnologia fabulosa para produzir bens com sofisticação e em abundância? Não estaria na hora de substituirmos a discussão do emprego ou desemprego pela divisão da riqueza produzida pela humanidade?

* Palestra apresentada no III Fórum Estadual de Educação – Educação: uma questão de qualidade social (Lajeado, 8-10/maio/97).

** Angelo Dal cin é sociólogo, especialista em Ecologia Humana, professor na Unisinos, coordenador de Comunicação Social na Diretoria Colegiada do Sinpro/RS.

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