OPINIÃO

Triste e feias cidades

MÁRIO MAESTRI / Publicado em 29 de dezembro de 1998

Em seu magistral “Sobrados & mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento urbano”, de 1936, Gilberto Freyre escreveu páginas luminares sobre os antigos sobrados brasileiros, vetustos registros do modo de viver, de pensar e de sentir dos tempos da Colônia e do Império, quando as residências e as cidades brasileiras funcionavam apoiadas no trabalho escravizado.

A partir dos anos 1960, cresceu a produção nacional sobre a história da escravidão, tema anteriormente descurado pela nossa historiografia. Paradoxalmente, o mesmo não ocorreu no relativo às investigações sobre as relações entre a escravidão e a arquitetura brasileiras, sugeridas por Gilberto Freyre. Tal fato deveu-se em parte ao tradicional descaso brasileiro com a história da arquitetura urbana.

Nos anos 40, quando as ciências sociais nacionais estruturaram-se em forma autônoma, o desenvolvimentismo transformou-se na estratégia econômica e social dominante no Brasil e impôs-se como ideologia hegemônica. As grandes e modernas construções em concreto e a fundação de Brasília constituíram verdadeiras materializações desse projeto.

Nos centros das grandes cidades, era como se cada velho casarão abatido para dar lugar a um moderno arranha-céu racional-funcionalista, prefigurasse o futuro radioso do qual o Brasil aproximava-se, a passos de gigante. As elites dos pequenos centros urbanos sentiam-se à margem do progresso enquanto não cravavam um prédio de apartamentos junto à tradicional praça da igreja.

Fora algumas meritórias exceções, pouco espaço abriu-se para disciplinas e reflexões sobre a história das moradias e das cidades brasileiras. Em geral, essas disciplinas foram menosprezadas nas escolas de Arquitetura. A proposta do estudo do que se destruía era vista quase como um posicionamento anti-nacional. Os cursos de história não abordaram sistematicamente essas questões.

A fome demolidora ensejada pelo ativismo construtor e pela especulação imobiliária reduziu a preservação do patrimônio arquitetônico urbano à manutenção de monumentos isolados, quanto muito. A não ser em casos excepcionais – Ouro Preto, Olinda, etc. – jamais houve uma preservação integrada de conjuntos arquitetônicos e do meio que os produziram. E mesmo ali onde se promoveu um amplo programa de preservação, protegeu-se apenas o considerado como histórica e arquitetonicamente excelente. Em Salvador, repetindo-se uma velha discriminação, restaurou-se o Pelourinho, na ‘cidade alta’, e abandonou-se, ao deus-dará, os magníficos sobrados da ‘cidade baixa’.

Nos centros de nossas grandes cidades, temos, hoje, uma ou outra residência colonial ou neoclássica, tombadas por seu valor histórico singular ou por haver visto nascer ou morrer algum prócer nacional, perdida no meio de imensos e despersonalizados edifícios de moradia e de escritórios. É o máximo que fazem nossas autoridades.

Quando deste verdadeiro estupro arquitetônico urbano, chegou-se ao requinte de demolir prédios preservando-se, exibicionisticamente, a fachada, como se o respeito aos restos da vítima desculpasse o crime. Em Porto Alegre, na rua Duque de Caxias, com Gal. João Manuel, temos um caso como este que registra a existência, no passado, de uma bela residência de porão elevado, com a fachada de azulejos.

O descalabro em que se encontra o acervo arquitetônico urbano foi querido e organizado ‘pelas forças vivas da nação’. Não foi um ‘acidente de percurso’, um desastre ocorrido devido ao ‘descaso das autoridade públicas e culturais’. Hoje, o patrimônio arquitetônico nacional encontra-se essencialmente comprometido e nossas cidades parecem-se, cada vez mais, umas às outras, na sua agressiva feiura e violência.

* Mário Maestro é historiador e professor da UPF

A verdadeira história da expedição de Cabral

CÁSSIO GLAVÃO BESSA *

Comprei na Feira do Livro o grande sucesso de vendas desta, que é o primeiro livro da Coleção Terra Brasilis, da Editora Objetiva, escrito pelo jornalista Eduardo Bueno, mais conhecido como Peninha. Fiz a leitura e escrevi este comentário crítico a respeito da obra, que agora exponho neste espaço. Começo dizendo que o autor pretende vender uma ilusão ao leitor, quando apresenta o seu título, estampado na bela capa da obra, “A viagem do descobrimento – a verdadeira história da expedição de Cabral”. Creio que o Peninha apresenta uma versão da viagem deste navegador até a “Terra de Vera Cruz”, apresentando detalhes e curiosidades até muito interessantes. Agora, acho que é muita pretensão deste querer afirmar que a “verdadeira história” será apresentada em seu livro, como se até então as histórias escritas tenham contado uma ficção. Sabemos que para se aproximar da verdade histórica, há que se ter muita seriedade e estudo. Sem falar de que este debate sobre achar uma verdade histórica é um tanto quanto polêmico, pois trabalha com diferentes posicionamentos ideológicos e até metodológicos.

Desde o início do livro, o autor faz uma narração da viagem de Cabral, assim como a justificativa portuguesa para as navegações, mas sem contextualizá-la na conjuntura européia da época, onde se dava a transição do feudalismo para o capitalismo. Não amarra os fatos e a história de Portugal com esta realidade continental. O problema não é o enfoque que dá ao país lusitano como se fosse o centro do mundo, mas a desconsideração e a desconexão com os vizinhos europeus. As amarrações que faz com a história econômica, política e social do Velho Mundo são pífias. Isto nos mostra uma noção primária e factual de processo histórico. É uma história rica em detalhamentos, curiosidades etimológicas e na caracterização de indivíduos. Além disso, outro problema da obra é que o autor escreve muitos fatos ou mesmo atos de personagens históricos sem citar a fonte que embasa tais afirmações. Um exemplo disto se lê na página 78 do livro, onde o autor escreve: “a verdade é que Afonso V decepcionou-se com a África. Havia escravos, havia malagueta e havia ouro da Guiné. Mas nada parecia ser em quantidade suficiente para agradar o monarca”(?!). Afirmações como esta me parecem muito mais de suposições literárias do que históricas. Além da falta de citações em muitas partes de sua narrativa, podemos também questionar a desatualização de sua pesquisa bibliográfica, pois em sua bibliografia comentada, aparecem muitos livros, dos quais afirma ter lido, mas parece desconhecer a historiografia dos últimos 20 anos. Apenas para citar algumas obras mais recentes sobre o tema, o livro De Ceuta a Timor, de Luís Felipe Thomaz, assim como também A História do Novo Mundo, de Carmen Bernand são ótimos. Poderia citar ainda o historiador Sanjay Subrahmanyam, ou mesmo Jorge Couto. Também me parece estranho o fato do autor ter extraído boa parte de suas gravuras do livro História da Colonização Portuguesa do Brasil, de Carlos Malheiro Dias (Litografia Nacional, Porto, 1926), sem ter comentado este fato na sua bibliografia, apesar de citada a obra.

Apesar destas críticas feitas até aqui, não quero desmerecer o livro como um todo. Primeiro porque ele nos apresenta uma versão da descoberta de Cabral através de uma linguagem atrativa, e de fácil leitura ao leigo. Um dos problemas que muitas vezes os historiadores têm, é de escreverem seus livros e compêndios apenas ao iniciado no assunto, como que só os intelectuais ou acadêmicos pudessem ter acesso à leitura histórica. O fato do autor, Eduardo Bueno, ser jornalista, é uma vantagem para tal fim. Esta é, na verdade, uma lacuna para os historiadores. Ou se faz estes livros para estudiosos, ou se escrevem nossos terríveis e temíveis livros didáticos, destinados aos estudantes de primeiro e segundo graus, e que têm a preocupação de resumir e esquematizar a matéria. Também quero dizer que a apresentação do livro é muito boa, com um material gráfico e impressão de primeira qualidade.

Para finalizar, acredito que a obra tem seus méritos, mas peca por não ter sido explícito em sua proposta, de escrever uma versão da história para o público em geral, sem o compromisso da cientificidade, mas ressaltando aspectos pitorescos e detalhados da viagem de Cabral. Sem dúvida um livro fácil de vender, como o Seleções do Reader’s Digest, que aliás é um dos textos citados na bibliografia. Creio que pode-se aprender na leitura de tal obra, só tendo o cuidado de saber seus limites, não caracterizando-a como “a verdadeira história da expedição de Cabral”.

* Cássio Galvão Bessa é professor de história nos Colégios Bom Conselho e
Dom Bosco, em Porto Alegre, e diretor do Sinpro/RS.

Reforma da Previdência – o que muda para os professores?

LUCIANE LOURDES WEBBER TOSS *

Publicada no Diário Oficial da União no dia 17/12/98 a Emenda Constitucional n? 20 traz alterações importantes para os segurados do regime geral de previdência social.

Para quem começa a contribuir – Para os segurados que ingressarem no INSS a partir da promulgação, as regras são simples: extinção das aposentadorias proporcionais, aposentadoria por tempo de contribuição aos 30 anos para mulheres e 35 anos para homens diminuindo-se em cinco anos para professores de educação infantil, ensino médio e fundamental (25 anos para as professoras e 30 anos para os professores), aposentadoria por idade aos 60 anos para mulheres e 65 anos para os homens, acrescendo-se 5 anos para a compulsória (que pode ser proposta pelo empregador).

Aposentadoria por tempo de contribuição – Comum – Os segurados que já contribuíam para o regime geral (INSS) na data da promulgação há regras de transição, que, em todos os casos criam a obrigatoriedade de idade mínima: 53 anos para homens e 48 anos para mulheres.

Na aposentadoria proporcional, ou seja, aquela categoria que prevê contagem de todo o tempo trabalhado, sem distinção de atividade, chamada de comum, onde o tempo de serviço para obtenção do benefício proporcional é de 25 anos e 30 anos para homens (sendo integrais os tempos de serviço que contarem com 30 anos no caso de mulheres e 35 no caso de homens), é necessário que o beneficiário, além da idade mínima, contribua com o chamado pedágio, que neste caso é de 40%. Estes 40% serão acrescido ao tempo faltante para atingir o tempo mínimo. Por exemplo: uma trabalhadora que tem 22 anos de tempo de serviço, faltando 3 para completar 25, deverá acrescer a estes 3 anos mais 40% de tempo, assim deverá trabalhar, ainda, 4 anos, 2 meses e 12 dias.

Para as aposentadorias integrais a alteração será o conceito de tempo de serviço para tempo de contribuição, ou seja, o trabalhador que optar pela aposentadoria integral deverá completar idade mínima (53 anos para homens e 48 anos para mulheres) e contribuir por 35 anos – homens e 30 mulheres. O tempo de serviço registrado até a data da promulgação será automaticamente convertido em tempo de contribuição. A partir da promulgação o tempo de contribuição deverá ser comprovado, caso o INSS não possua registros das mesmas.

É importante esclarecer que o divulgado pedágio de 20% para aposentadorias integrais é necessário somente para os servidores públicos. Os trabalhadores da iniciativa privada não precisam cumprir nenhum tempo adicional aos 30 anos para mulheres e 35 para homens. A única imposição é a idade mínima da transição.

Aposentadoria por tempo de contribuição – Professores – A alteração mais prejudicial à categoria dos professores é a extinção da aposentadoria com menor tempo de contribuição (25 anos para professoras e 30 anos para professores) no terceiro grau. A partir da promulgação da reforma, os professores do ensino superior e de cursos livres tornam-se trabalhadores com atividade não sujeita a condições especiais, ou a grosso modo, serão considerados trabalhadores “comuns”. O tempo de contribuição necessária passa a ser de 30 anos para mulheres e 35 anos para homens.

Nas regras de transição, os professores do ensino superior (e dos demais níveis de ensino) terão a prerrogativa de acrescer ao tempo de magistério 17% no caso dos homens e 20% no caso das mulheres se desejarem aposentar-se integral ou proporcionalmente.

Neste caso há duas exigências: idade mínima (53 anos, se homem e 48 anos, se mulher) e contar somente tempo de efetivo exercício do magistério.

Para os professores do ensino médio e fundamental foi mantida a aposentadoria por tempo de contribuição aos 25 anos para professoras e 30 anos para os professores. Neste caso, a lei não prevê idade mínima.

Regras anteriores e direito adquirido – Há um princípio basilar no Direito, qual seja, a Irretroatividade da Lei. A lei não pode retroagir em prejuízo dos cidadãos. Sendo assim, todas as regras anteriores devem ser observadas caso algum beneficiário deseje ingressar com pedido de aposentadoria considerando uma data anterior a da promulgação. Teoricamente, neste caso, as regras de transição não precisam ser respeitadas.

Mas, como o INSS não tem respeitado este princípio, há possibilidade do direito adquirido ser desrespeitado. Neste caso, o único caminho é o ajuizamento de ação judicial.

Recomendações – Todo cuidado é pouco no encaminhamento da aposentadoria. O beneficiário deve procurar um técnico que faça cálculos demonstrativos de todas as possibilidades e apontar a mais vantajosa. Devem ser consideradas a legislação anterior à promulgação e a nova legislação.

No caso dos professores cuja base é representada pelo Sinpro/RS este serviço está disponível na sede em Porto Alegre e nas delegacias de Lajeado, Bento Gonçalves e Pelotas.

As pessoas que tiverem dúvidas sobre sua condição atual também devem procurar um advogado para obter informações precisas. Os professores que estão contribuindo como autônomos devem procurar o serviço de atendimento em seus sindicatos e verificar as vantagens desta contribuições.

* Luciane Lourdes Webber Toss é advogada, assessora jurídica do Sinpro/RS.

Educação Pública em todos os níveis

Adeli Sell *

A vitória das forças populares no Estado é a mais importante conquista dos lutadores sociais e a consolidação desta vitória depende da capacidade de resposta positiva e propositiva aos desafios de mudança da cultura política e de colocar em curso um novo projeto de desenvolvimento. Essa mudança passa pela inversão de prioridades e pela efetiva valorização do serviço e dos servidores públicos.

Em vista disso, a política de educação em um novo governo democrático e popular é fundamental porque representa compromisso com o pleno acesso a um direito universal. No governo Olívio Dutra, a educação pública em todos os níveis é prioridade. Nossa política terá de responder desde as lacunas da educação pré-escolar, passando pela municipalização do ensino de 1? a 4? série, qualificação do ensino de 1? e 2? graus, até a criação da universidade pública estadual.

Concretizar uma política de educação exige equacionar três eixos de trabalho: questões pedagógicas, administrativas e funcionais, cada um com problemas específicos e interdependentes. No aspecto pedagógico, é preciso discutir métodos não apenas em relação aos diferentes níveis de ensino mas também quanto às diversas modalidades – técnico, regular, supletivo e especial.

A secretaria de Educação – no contexto da Administração Direta do Estado – é um órgão complexo por suas finalidades e proporções. Em primeiro lugar, é preciso se considerar a pertinência de abrigar sob a Educação a Subsecretaria de Desporto.

Em segundo lugar, os órgãos da Administração Indireta vinculados à Secretaria, Fundação Liberato Salzano e Fundação de Atendimento ao Deficiente e ao Superdotado no RS (Faders) exigem articulação de diretrizes. Em terceiro lugar, é necessário considerar o amplo espectro de quadros intermediários entre o secretário e o professor na sala de aula, todos co-responsáveis na implantação e implementação da política.

No âmbito administrativo, o primeiro compromisso é inaugurar uma nova relação com o funcionalismo, através da gestão democrática e participativa. Isso exige uma política de recursos humanos capaz de promover a qualificação dos trabalhadores e a racionalização administrativa.

E, na área funcional, há três problemas cruciais: a defasagem salarial, as arbitrárias alterações no plano de carreira realizadas pelo governo anterior e os diferentes vínculos funcionais decorrentes do projeto “Estado Mínimo”.

O atendimento às demandas da educação com vistas à geração de um novo projeto de desenvolvimento sócio-econômico para o Estado exige metas de curto, médio e longo prazos. Sua viabilização dependerá de nossa capacidade de firmar um pacto de governabilidade com os trabalhadores envolvidos. A qualidade de respostas viáveis de imediato determinará a medida de sustentação desse pacto. Daí o caráter fundamental na definição de metas e sua articulação com as demais políticas públicas.

Frente a estas questões, há critérios que precisam ser levados em consideração para o desenvolvimento de um bom trabalho. Os quadros intermediários são tão importantes quanto o secretário da Educação: Diretoria Geral, Pedagógica, de Ensino Especializado, de Recursos Humanos e Administrativa, entre outras.

As Delegacias de Ensino adquirem importância tanto pela exigência legal de municipalização do ensino de 1? a 4? série, quanto pelas diretrizes do plano de governo de implantação do orçamento participativo no Estado via Conselhos Regionais de Desenvolvimento. Outra instância de suma importância é o Conselho Estadual de Educação. Eis aí as premissas para um bom governo na área de educação.

* Adeli Sell é professor e vereador pelo PT em Porto Alegre.

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