OPINIÃO

Os massacres da concentração fundiária

Publicado em 9 de março de 2017

O período que corresponde à restauração do poder civil no país, de 1985 a 2016, coincide com o acirramento da violência contra lideranças dos movimentos sociais no campo. É sobre esse universo dominado pelo poder econômico – que patrocina ações de milícias privadas e de forças policiais em ataques armados, emboscadas, envenenamento da água e pulverização de agrotóxicos sobre comunidades e aldeias, e execuções sumárias, em regiões onde invariavelmente impera a impunidade – que trata a reportagem de capa desta edição.

Nessas três décadas de democracia quase 2 mil homens e mulheres foram assassinados devido à militância pela reforma agrária, defesa dos direitos de indígenas, trabalhadores rurais e ribeirinhos e de projetos de uso sustentável do solo e das reservas naturais, etc.

Levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) demonstra que, paralelamente a essa violência, a área ocupada pelo latifúndio cresceu 375% no país por meio de grilagem e estrangeirização de terras. Retroagindo a 1964, a CPT revela que em todas as regiões do país houve mais de 2,5 mil execuções de camponeses, ribeirinhos, militantes dos movimentos dos atingidos por barragens, sem-terras, quilombolas, indígenas, ambientalistas e defensores dos direitos humanos, entre outros.

Mais recentemente, os assassinatos motivados por conflitos agrários duplicaram em 2015 e triplicaram em 2016. Thiago Valentim, da coordenação da Pastoral da Terra, relaciona que os principais fatores para o aumento dos conflitos são a impunidade específica à questão agrária, o sucateamento dos órgãos governamentais e falta de políticas de Estado voltadas para a democratização da terra. Ou seja, quando os governos não agem, os movimentos sociais batem de frente com o latifúndio, em uma guerra sangrenta e desigual.

O assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em 1988, os massacres de Eldorado dos Carajás e Corumbiara, em meados da década de 1990, e as execuções da missionária norte-americana Dorothy Stang, em 2005, e da ambientalista Nilce Magalhães, em 2016, entre centenas de outros casos de violência contra lideranças dos movimentos sociais do campo, estão relacionados à expansão do agronegócio, ao avanço das grandes corporações no campo, além da construção das obras de infraestrutura sobre o território de comunidades tradicionais. Também tem a ver com as desigualdades rurais e a concentração fundiária: afinal, menos de 1% dos grandes proprietários de terras no país detém 45% de toda a área rural, enquanto pequenos agricultores – aqueles com menos de 10 hectares – ocupam menos de 2,3% da área rural. O relatório Terrenos da Desigualdade – Terra, agricultura e as desigualdades no Brasil rural, organizado pela Oxfam Brasil, aponta ainda que 23 países são detentores de terras em território nacional.

Boa leitura!

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