O jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil (TV) e o ex-juiz Sergio MoroFoto: Reprodução/Web
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Justiceiros, tiranos, ditadores eleitos e outros assemelhados gostariam que o jornalismo estivesse morto e enterrado. Mas o jornalismo sobrevive também às custas das loucuras deles e dos que desejam que suas ações fiquem encobertas.
Só que agora é diferente. O jornalismo do século 21 não estará mais apenas sob o controle das grandes corporações. O desvendamento da verdadeira face da Lava-Jato é produto do novo jornalismo sem donos. Caíram as máscaras de um juiz, de procuradores, da porção impune do sistema Judiciário e da própria imprensa.
Sergio Moro e sua turma de Curitiba sempre foram protegidos pela mídia tradicional. O ex-juiz contribuiu para que uma crise política derrubasse uma presidente eleita, encarcerou Lula e virou ministro da extrema direita do governo dominado por uma família com fortes indícios de ligações com milicianos.
Moro, o procurador Deltan Dallagnol e seus subalternos nunca seriam mostrados como são por esse jornalismo de compadrio. Ficamos sabendo como se articulavam para agir à margem da lei porque o jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil, um jornal à margem do sistema das grandes corporações, devassou o silêncio em relação a uma operação moralista destinada a caçar corruptos (desde que fossem da esquerda ou ligados à esquerda) a qualquer custo.
Sabe-se agora que um juiz e um procurador subvertiam as leis e os códigos de conduta do Ministério Público e da magistratura para pegar Lula. Mas antes, muito antes, sabia-se que Sergio Moro assinou ordens para 115 prisões preventivas e 227 conduções coercitivas. Está no balanço da Lava-Jato divulgado mês passado.
Suspeitos foram presos por quase dois anos, até que delatassem os comparsas. Sim, foram 115 presos sem condenação. Nem em países em guerra civil a ‘justiça’ age com tanto poder de tortura. Lula foi um dos 227 detidos e levados a depoimentos sob coerção. Ele a maioria sem nunca terem se negado a depor.
Sergio Moro grampeou telefones ilegalmente, entre os quais o da presidente da República depois golpeada pelos que são agora seus parceiros de governo.
Moro e Dallagnol acertaram os passos da operação Lava-Jato, quando o juiz não deveria se envolver com isso. Suspeitava-se que os dois montaram a condenação de Lula no caso do tríplex. Sabe-se agora que não tinham provas.
Moro desafiou o ministro Teori Zavascki e afrontou todo o Supremo. Permitiu o vazamento de delações de Antonio Palocci poucos dias antes da eleição do ano passado. Emitiu nota de apoio a manifestações pró-golpistas. Agiu em férias para evitar a concessão de habeas corpus para Lula. Grampeou os telefones dos advogados de Lula.
Por que Moro veio até aqui impunemente? Porque as esquerdas não tiveram força suficiente para denunciá-lo com alguma consequência, os ditos liberais ficaram calados (com raras exceções), a corregedoria da Justiça se fez de morta e a imprensa encobriu o conluio.
O Intercept quebra o acerto entre Judiciário, empresários, políticos e imprensa. Mas não está sozinho. Veículos que não existem como negócio interrompem o domínio quase absoluto da imprensa hegemônica. O Extra Classe é um deles.
Os jornais definidos como alternativos (não há um nome melhor para defini-los) expõem as farsas. Produzem conteúdos sobre ataques a direitos sociais e dão visibilidade a índios, negros, gays, torturados, mulheres, pobres e todos os que a grande imprensa ignora há muito tempo.
Alguns dirão que Folha e Globo enfrentam Bolsonaro. Decidiram-se pelo enfrentamento porque temem que ele cumpra o que prometeu. Que iria matar à míngua, sem anúncios do governo, todos os que considera inimigo.
Mas, num paradoxo, Bolsonaro deu sobrevida ao jornalismo da grande imprensa, ao apresentar-se como algoz de quem ajudou a criá-lo e depois o abandonou na estrada. Globo e Folha tentam desvendar os laços de Bolsonaro com as milícias porque precisam manter o inimigo atento.
A cobertura do que ainda virá não depende mais da grande imprensa. Não será pelas corporações que ficaremos sabendo das pressões para que o Supremo evite a libertação de Lula. Nem das consequências da reforma da previdência. E muito menos dos conluios que tentarão evitar o fim da Lava-Jato como operação ilegal.
O novo jornalismo reafirmou suas feições com os vazamentos das conversas e dos delitos de Curitiba. Não há jornalismo neutro. O que temos agora, com o caso de Curitiba, é um banquete oferecido pelo bom jornalismo. Haverá cada vez mais, cotidianamente, o jornalismo que tenta esconder e o jornalismo que se esforça para revelar quem são as figuras dos pântanos. Sergio Moro é apenas uma delas.
Moisés Mendes é jornalista. Escreve quinzenalmente para o Extra Classe.