OPINIÃO

A guerra das facções

Por Moisés Mendes / Publicado em 13 de maio de 2021

Fotos: Nelson Teich - Marcello Casal Jr/ Agência Brasil, Eduardo Pazuello - Valter Campanato/Agência Brasil, Fabio Wajngarten - Marcelo Camargo/Agência Brasil , Jair Bolsonaro - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil, Luiz Henrique Mandetta - Marcello Casal Jr/Agência Brasil, Carlos Bolsonaro - Caio César/Agência Brasil

Fotos: Nelson Teich - Marcello Casal Jr/ Agência Brasil, Eduardo Pazuello - Valter Campanato/Agência Brasil, Fabio Wajngarten - Marcelo Camargo/Agência Brasil , Jair Bolsonaro - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil, Luiz Henrique Mandetta - Marcello Casal Jr/Agência Brasil, Carlos Bolsonaro - Caio César/Agência Brasil

Os depoimentos na CPI da Pandemia não estão expondo apenas as omissões e as ações deliberadas do governo, todas decisivas para a propagação do coronavírus. A CPI nos apresenta também aos interesses, às facções e aos personagens mobilizados pela pandemia.

Já é possível fazer um resumo. A guerra da cloroquina não é somente uma controvérsia médica ou científica. E a guerra das vacinas vai muito além das questões que envolvem as pesquisas, a produção e as negociações de Brasília com os laboratórios.

A cloroquina e as vacinas mobilizam grupos que se digladiam dentro e fora do governo. Os depoimentos de Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação de Bolsonaro, e dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich expõem essas facções.

São mais do que alas em confronto. Wajngarten deixou claro que fazia lobby pela vacina da Pfizer. E Mandetta e Teich apresentaram evidências de que há dentro do governo lobistas explicitados e descarados pela cloroquina.

Os ex-ministros foram derrotados nessa guerra. E Wajngarten foi expelido do governo, apesar dos fortes vínculos com a família Bolsonaro, porque deve ter feito algum movimento em falso.

As vacinas e a cloroquina mobilizam negociantes profissionais e amadores. A partir da briga pela partilha de negócios bilionários, formaram-se as facções.

Os grupos que se aliam e ao mesmo tempo se enfrentam na defesa da Pfizer, da Sputnik e de outras vacinas envolvem os grandes lobistas e os espertalhões interessados nas migalhas. Mas nem sempre eles mostram a cara.

Por que o governo tentava comprar a vacina indiana Covaxin, enquanto esnobava uma oferta da Pfizer, mesmo que a vacina da Índia fosse mais cara?

Por que tentaram comprar uma vacina com prazo de validade próximo do vencimento e rejeitada pela Anvisa? Alguém de dentro do governo, articulado com alguém de fora, negociou a compra da vacina.

Enquanto isso, Wajngarten pressionava para que as negociações com a Pfizer fossem desemperradas. Por que um secretário de Comunicação se meteu nas negociações?

Por que grupos bem organizados fracassaram na tentativa de montar no Brasil uma estrutura de importação (e também de produção) da Sputnik? O que deu errado com a vacina russa, que chegou a buscar a proteção de gente grande ligada ao Centrão, que abririam portas no Planalto e na Anvisa?

São perguntas que se acumulam sem promessa imediata de resposta. Talvez a CPI não responda o que nem o jornalismo conseguiu responder até agora: por que o Exército foi empurrado por Bolsonaro para a tarefa de provocar os laboratórios que produzem cloroquina?

Se os grandes fabricantes são parceiros políticos do bolsonarismo, o que deu errado entre Bolsonaro e os empresários que levou o governo a determinar o aumento da produção de cloroquina num laboratório das Forças Armadas?

Por que Bolsonaro não escuta o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, um contra-almirante, respeitado no meio militar, que não entende a propaganda da cloroquina pelo governo?

O que explica que até Carluxo, um vereador inoperante do Rio, faça lobby aberto pela cloroquina em Brasília? Como um tenente do Exército foi escalado por Bolsonaro para tentar mudar, dentro do Palácio do Planalto, a bula da cloroquina e permitir seu uso contra a covid-19?

São guerras que envolvem bilhões e ultrapassam os debates diversionistas em torno de questões só aparentemente técnicas. O depoimento de Wajngarten revela as relações espúrias que talvez só venham a ser bem identificadas, investigadas e punidas quando Bolsonaro e seus cúmplices já estiverem fora do poder.

Os depoimentos na CPI do Genocídio vão esclarecendo muitas coisas. É provável que o governo Bolsonaro tenha atraído muito mais vigaristas do que fascistas.

Os fascistas são vigaristas que se aperfeiçoaram para se aproximar da família e dos que estão no entorno.

O contrário também deve ter acontecido: alguns fascistas viraram vigaristas para que estejam adequados ao caráter do bolsonarismo.

Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe

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