OPINIÃO

Manifesto desolímpico

Por Fraga / Publicado em 17 de agosto de 2021

Arte: Rafael Sica

Arte: Rafael Sica

Se dependesse de nós, acomodados e assentados, as transmissões dos jogos olímpicos em Tóquio ficariam sem audiência: assistir esforços atléticos é algo exaustivo. Nosso pódio favorito é o sofá de três lugares.

Nós, os apáticos e letárgicos, não pisamos em pistas, evitamos tatames e piscinas, e mantemos distância segura de quadras, campos, estádios. E os recordes que quebramos são todos de imobilidade, uma categoria ausente no Livro Guinness, infelizmente.

Quanto aos cronômetros, nós, os estáticos e estacionários, sabemos que existem – por ouvir falar. Jamais nos sujeitaríamos, porém, à escravidão das cronometragens. Perseguir décimos, centésimos ou milésimos de segundo é para quem não sabe aproveitar seu tempo.

Nós, os inativos e inertes, não levantamos peso, a não ser o do nosso próprio corpo, e apenas em caso de última necessidade. À inércia e à inatividade, erguemos altares em nossas mentes, e a elas fazemos oferendas do nosso jeito, de braços cruzados.

Ginástica, essa inadmissível autotortura muscular, não combina com a nossa filosofia de vida, que é viver e filosofar. Para nós, indolentes e imóveis, ginastas são pessoas que desvirtuam o conceito latino do dolce far niente. Plácidos e flácidos, academias nunca verão nenhum de nós.

Porque nós, os lentos e letárgicos, somos avessos ao atletismo e suas modalidades de corridas e saltos, um assédio imoral à anatomia humana. Se for para enfrentar desafios e obstáculos, que seja o de levantar da cama, essa arriscada faina diária. E nem por isso almejamos medalhas.

Nós, os molengas e moloides, somos incompatíveis com treinos, exercícios, partidas, provas, competições, tudo aquilo que exija intensa movimentação e consequente transpiração. A gente acredita, por feliz experiência própria, que glândulas sudoríparas atrofiadas não fazem mal a ninguém.

Nós, os morosos e vagarosos, seguimos os preceitos naturais da evolução. Juntos com o bicho-preguiça, as tartarugas e os jabutis, e os caracóis e caramujos, representamos uma alternativa à velocidade e ao esforço dominantes na sociedade atual. O que seria da quietude sem nós, os ociosos e preguiçosos?

Enfim, o que nós, os sedentários e sossegados, mais gostamos nas olimpíadas é o intervalo de quatro anos entre um evento e outro.­­

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