OPINIÃO

Não há mágica em educação

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 5 de agosto de 2021

Não há mágica em educação

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Havia prometido escrever sobre ensino domiciliar. Mas no Brasil atual há assuntos mais urgentes e relevantes. Não que o homeschooling não seja necessário discutir, considerando que se trata de uma negação da educação enquanto processo social. A educação é uma das áreas mais atingidas pela pandemia e, muito se deve ao atual governo que desacelerou a agenda de políticas públicas para educação básica e reduziu os investimentos necessários e previstos.

Um discurso orquestrado afirma que a educação, a aprendizagem e o futuro da geração atual estariam comprometidos porque as escolas e universidades estão fechadas e o retorno presencial precisa ser imediato. Primeiro, as instituições escolares estão funcionando com o distanciamento social recomendado pelas ciências da saúde e OMS, assim como tantos outros serviços; o impacto na aprendizagem e na vida não é só da covid-19, mas, também, oriundo das desigualdades sociais e tecnológicas, do aumento da pobreza, da fome, do desemprego, da negação do direito à educação, da falta de investimentos em educação.

Impactos reversíveis

Esses impactos não são irreversíveis. Para enfrentá-los, são necessárias políticas públicas, reforço escolar e apoio integral aos estudantes e famílias prejudicadas. As ciências da educação, como a pedagogia e a psicopedagogia, as ciências do desenvolvimento humano, a psicologia e a ciência cognitiva, as neurociências e as artes, precisam ser mobilizadas para orientarem as escolas.

A educação é um processo coletivo a longo prazo, sem datas pré-fixadas ou prazo de validade, como um produto ou ciclo produtivo. A educação é processo complexo, cujos resultados dependem do bom funcionamento de um conjunto de instituições de cada sociedade e de um longo tempo de desenvolvimento. Ela precisa, também, estar assentada em um projeto de país; e não se desenvolve em sociedade em que as disparidades de renda são elevadas e inexista oportunidades iguais para todos.

Necessidades dos estudantes

Um bom sistema de ensino precisa ser construído a partir das necessidades dos estudantes, por educadores bem preparados e valorizados e em sociedades que contribuam para o prazer de ensinar e aprender. Porém, a educação não acontece somente na escola. O conceito de que a escola é uma espécie de “bunker”, no meio do bairro, de uma cidade, está ruindo. A escola precisa andar pela cidade. Quem educa uma criança é toda a cidade. A visão de que é a escola que vai educar é uma ideia do século passado, diz António Nóvoa.

Como  ex-reitor da Universidade de Lisboa e consultor da Unesco, Nóvoa afirma que a “escola pública brasileira é, de forma geral, um escândalo” , apontando duas causas: primeiro, a falta de compromisso social e político com a educação de qualidade para todos e, em segundo, o modelo de formação de professores com uma jornada de trabalho segmentada em várias escolas. Isto ocorre só no Brasil. E faz um alerta: “é na escola pública que se ganha ou se perde um país”.

As cartolas dos especialistas

As reformas educacionais surgem, no Brasil, da cartola de alguns especialistas e se apresentam descontextualizadas da realidade objetiva dos estudantes. A educação sempre será impactada pelas comunidades sociais, pela economia, pela política, pelas tecnologias e, inclusive, pela própria ignorância. A experiência finlandesa para desenvolver sistemas públicos de ensino para todos os estudantes é simples: sempre pergunte se a política ou reforma que planeja iniciar será boa para crianças ou professores. Se hesitar em responder, não a faça. Reformular currículos é um processo lento e complexo. Acelerá-lo, mais ainda em contextos de crise, é o mesmo que arruiná-los.

Para Fernando Cássio (UFABC) as reformas em curso no Brasil respondem ao “ideal de centralização curricular dos grupos que a sustentam, ensejando um maior controle sobre o trabalho pedagógico via materiais didáticos e avaliação em larga escala” e, correspondem, também, a uma política substancialmente mais barata do que as iniciativas relacionadas à efetiva valorização do trabalho docente ou a melhoria das condições materiais das escolas. A opção pela BNCC e o novo ensino médio é econômica. Exigirá menos investimentos.

Bem público e equidade

Ter mais liberdade para planejar e escolher seus estudos não implica reduzir a oferta de disciplinas. O reconhecido sistema educacional da Finlândia possibilita escolhas, mas exige que os estudantes cursem 18 disciplinas básicas obrigatórias, enquanto nossa BNCC e novo ensino médio estabelecem apenas duas: português e matemática.

A educação deve ser concebida como bem público e necessidade fundamental para o desenvolvimento de uma nação. Não temos outra opção a não ser aceitar a proposta de que qualquer criança – recebendo as oportunidades, escolas com condições e apoio adequado – possa avançar para níveis mais altos de educação.

Equidade na educação significa que todos os estudantes devem ter acesso à educação de alta qualidade, independentemente de onde moram, de quem são seus pais ou da escola que frequentam.

Educação é para gente e precisamos ter, não apenas escolas, mas famílias e sociedades que se constituam em espaços de formação, cuidado, proteção de todas as crianças, adolescentes e jovens. O direito à educação não pode ser reduzido ao direito à aprendizagem, passando a concebê-la apenas como escolarização. Educação é projeto coletivo e não pode ser fragmentado e transformado em um projeto individual, como propõem as reformas baseadas na ideologia meritocrática.

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