OPINIÃO

A atualidade da luta do discurso

Por Marco Weissheimer / Publicado em 11 de março de 2022

Ilustração: Fabio Edy Alves sobre imagens de FreePik

Ilustração: Fabio Edy Alves sobre imagens de FreePik

O Brasil segue submetido a uma aliança liberal conservadora retrógrada,
susten­tada principalmente pelo setor fi­nanceiro,
pelo agronegócio e pelo extrativismo predatório

Fredric Jameson, crítico literário, teórico marxista e pesquisador das lógicas que animam (ou desanimam) a cultura contemporânea, publicou em 1991 o livro Postmodernism, or, The Cultural Logic of Late Capitalism (“Pós-modernismo ou a lógica cultural do capitalismo tardio”). Nesta obra, entre outras coisas, ele critica o relativismo epistêmico e cultural, resultante de algumas visões batizadas de “pós-modernas”, e fala da colonização da esfera cultural e do pensamento de um modo mais amplo por um novo capitalismo corporativista organizado. Diante deste cenário, na época marcado pela ascensão dos discursos pró-globalização, Jameson defende a necessidade de empreender uma luta do discurso para ressignificar antigas palavras, adaptando-as aos novos tempos.

Em uma entrevista concedida à Folha de S.Paulo, em maio de 2000, Jameson definiu assim a agenda dessa “luta do discurso”:

“Para se ter uma visão da sociedade é preciso haver uma identificação das forças implicadas. As antigas palavras para isso, como luta de classes, polarização, nacionalização, etc., ainda são verdadeiras. Ainda há divisão de classes sociais e assim por diante. O que talvez tenhamos que pensar é numa nova forma de dizer isso. Para mobilizar as pessoas, elas precisam identificar as forças que as estão oprimindo (…) Não é suficiente dizer a verdade às pessoas, mas achar maneiras de apresentá-la de forma excitante, de forma a animar as pessoas”.

E acrescenta:

“As pessoas perguntam se vamos desistir de noções clássicas como luta de classes e outras. Não se trata de desistir, mas sim de ser capaz de projetar esses conceitos de uma outra forma e mostrar que essas lutas existem desde o início do capitalismo. Temos de encontrar termos contemporâneos para mostrar à sociedade o que está acontecendo. Isso é o que chamo de luta do discurso”.

Passaram-se mais de 30 anos, a globalização neoliberal “saiu de moda” e, principalmente, após a eclosão da epidemia de covid-19, o papel do Estado como espaço regulador da economia, da segurança sanitária e da sociedade voltou com força nos países apontados como os mais desenvolvidos do planeta. Já o Brasil segue submetido a uma aliança liberal conservadora retrógrada, sustentada principalmente pelo setor financeiro, pelo agronegócio e pelo extrativismo predatório, que não só sustentam Bolsonaro no poder, como se locupletam com ele, “passando a boiada” sobre o meio ambiente, sobre os povos indígenas, comunidades tradicionais, populações de periferia e todo mundo que vive do seu próprio trabalho (os que ainda têm trabalho).

Há uma expressão que fincou raízes nos meios de comunicação e nas diferentes plataformas das chamadas redes sociais, gerando alguns milhões de reais de riqueza para essas empresas midiáticas, que aponta, na minha opinião, para a atualidade do diagnóstico feito por Jameson em 1991: “O agro é pop”. As peças de propaganda com esse slogan inundam os meios de comunicação dia e noite, das mais variadas formas. Os mesmos meios de comunicação produzem reportagens sobre o desmatamento criminoso da Amazônia e de outras áreas verdes do país, sobre o avanço da mineração, da pecuária e da monocultura de soja sobre áreas de preservação ambiental e territórios indígenas. Nos intervalos, “o agro é pop”. E essas coisas são apresentadas como absolutamente dissociadas.

“O agro é pop” é apenas um exemplo. Há muitos outros. Há uma impregnação profunda na sociedade de ideias que, na verdade, não são ideias, mas dissociação de ideias, alienação, fragmentos de realidade vendidos como totalidades que escondem uma lógica de destruição da vida, dos bens comuns. Nós, aqui no Rio Grande do Sul, vivemos uma situação ainda mais agravada, na medida em que o governo do estado e a prefeitura da capital estão na mão de representantes dessa aliança conservadora retrógrada e obscurantista, por mais que aqui ela possa parecer mais “civilizada”. Então, entre as várias lutas que esse cenário demanda, a luta do discurso proposta por Jameson parece ser uma das prioritárias. Para conectar o que está separado, para expor o que está escondido em mil camadas de propaganda.

Marco Weissheimer é jornalista. Escreve mensalmente o Extra Classe.

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