OPINIÃO

O que não aparece no mapa de Ana Moser

Por Moisés Mendes / Publicado em 13 de dezembro de 2022

Imagem: Reprodução

“A catarinense Ana Moser acomodou o mapa ao seu lado ao dar um depoimento em vídeo sobre sua amiga e colega de seleção de vôlei Isabel Salgado”

Imagem: Reprodução

O mapa ao lado de Ana Moser pode não fazer sentido para a maioria dos brasileiros. Mas é identificado com facilidade por quem mora no Sul e por muitos dos moradores do Sudeste.

A catarinense Ana Moser acomodou o mapa ao seu lado ao dar um depoimento em vídeo sobre sua amiga e colega de seleção de vôlei Isabel Salgado.

Poucos devem ter prestado atenção na imagem que mostra a orla de Santa Catarina, porque o importante era a fala recente de Ana sobre a morte de uma atleta exemplar.

As duas se destacaram não só como craques, mas por uma virtude comum: militaram juntas pela democracia e pelas boas causas da humanidade.

Isabel e Ana desmentem a tese de quem acha que esporte e ativismo político, em seu mais amplo sentido, não se misturam.
Misturam-se, sim. Atletas completos não são pessoas alheias às dores coletivas, às desigualdades, aos preconceitos, às guerras e à realidade dos seus países e do mundo.

A copa provou mais uma vez a força dessa militância com manifestações de seleções, e até individualmente, de jogadores em defesa das liberdades e das diferenças e contra o racismo e a xenofobia.
Mas por que falar do mapa de SC agora? Porque o Estado de Ana Moser passou a ser a expressão do Brasil que caminha na direção contrária ao da caminhada que ela faz e que Isabel fazia.

Santa Catarina é notícia porque foi ali que se formaram alguns dos mais furiosos grupos de contestação da eleição no Brasil. Foi onde mais bloquearam estradas.

São catarinenses alguns dos mais ativos líderes empresariais de extrema direita do país, entre os quais estão os investigados pelo Supremo por se articularem para atentar contra a democracia.

Às vésperas do Natal, a militância associada ao anticomunismo ameaça excluir de shoppings e espaços públicos de Santa Catarina qualquer Papai Noel que esteja, como sempre esteve, vestido de vermelho.

O ódio aconselha que o Papai Noel catarinense deve se vestir de azul ou verde. Idosos que reforçam rendas no fim do ano como Papai Noel são insultados nas redes sociais, se não trocarem a cor da roupa.

Exaltadores de todo tipo de perseguição temem o vermelho do comunismo. Mas a ameaça real no Estado são as quadrilhas organizadas de neonazistas.

O encontro festivo de uma dessas facções foi interrompido pela polícia em novembro em um sítio de São Pedro de Alcântara.

Há células de extremistas racistas identificadas há muito tempo no Estado, com a participação de membros do Sul do país.

O ex-militar Rüdiger Wilfred Hans Von Pescatore, preso na Alemanha como recrutador de pessoas para grupos de fascistas e nazistas, tinha negócios em Pomerode e Blumenau e frequentava Santa Catarina.

O clube de tiro frequentado pela família Bolsonaro (e até por Adélio Bispo, preso por dar a facada em Bolsonaro) fica em Santa Catarina.

As redes sociais vangloriaram-se durante o ano com a fake news de que Santa Catarina é o Estado mais armado do Brasil e, por isso, um dos menos violentos. É mentira. SC é o terceiro ou quarto Estado que mais tem armas.

Em novembro, o ministro Luis Roberto Barroso, a família e amigos foram expulsos por uma turba de um restaurante em Porto Belo.

Refugiaram-se numa casa, foram cercados e tiveram que fugir de Santa Catarina às 4h da madrugada. Um grupo expulsou da cidade, como nos faroestes, um ministro da mais alta Corte do país.

Esse é hoje o Estado de Ana Moser, que prefere exibir o mapa de uma Santa Catarina idílica, litorânea, mesmo que Blumenau, sua terra, nem apareça na imagem.

É esse também o Estado estigmatizado, não por textos como o que vocês estão lendo agora ou por notícias que se repetem sobre o crescimento de redutos de extrema direita.

Santa Catarina foi estigmatizada pelo que passou a ser como origem de fatos constrangedores. O extremismo arruinou a imagem do Estado em que milhões de brasileiros gostariam de morar.

Foram os extremistas que estigmatizam a terra de Anita Garibaldi, Cruz e Sousa, Antonieta de Barros, Juarez Machado, Chica Pelega, Clair Castilhos, Guga Kuerten, Vera Fischer, Irma Brunetto, Kerexu Yxapyry, Luci Choinoski, Fernando Scherer, Salim Miguel, Cristóvão Tezza e Ana Moser.

Santa Catarina merece voltar a ser mais do que uma bela orla. Ana Moser sabe que seu Estado é bem mais do que aquela tira no mapa.
Mas não deve se sentir à vontade para, nas atuais circunstâncias, mostrá-lo por inteiro.

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