OPINIÃO

Quem são os terroristas?

Por Moisés Mendes / Publicado em 10 de janeiro de 2023

Quem são os terroristas

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Mais de 1.500 famílias passam a lidar com um drama que ativistas de extrema direita acharam que não experimentariam. Há muita gente presa como terrorista.

Mesmo que o crime de terrorismo, nessas circunstâncias, não exista no Brasil, o preso pelas ações criminosas em Brasília é, pelo conceito internacional, um terrorista.

No documento em defesa da democracia, emitido na segunda-feira, os presidentes dos três poderes condenam os atos terroristas do domingo.

Está escrito no documento que os três poderes encaram os fatos como “atos terroristas”. Juristas dirão que são ações contra as instituições e contra a democracia, mas não são atos terroristas.

Mas o documento é assinado pela ministra Rosa Weber, presidente do Supremo. Para a presidente do STF, os presos são terroristas.

Mas quem é essa gente? Ninguém sabe ao certo. Pelas dificuldades enfrentadas pelo jornalismo, a imprensa raramente conseguia conversar com
quem estava acampado.

Sabia-se muito dos caminhoneiros e pouco dos que se aglomeraram perto dos quartéis.

São na maioria parentes de militares e de donos de clubes de tiros? São servidores públicos aposentados? Militares da reserva?

Circulam pela internet fotos de alguns dos flagrados em Brasília, postadas pelos próprios ativistas.

O ex-governador Ricardo Coutinho, da Paraíba, viu a ex-mulher, a jornalista Pâmela Bório, com um filho de 12 anos do casal em meio aos manifestantes. Coutinho quer agora a guarda da criança.

Famílias que já sabiam do radicalismo de parentes viram muitos deles invadindo os prédios. As fotos mostradas são de gente de todas as áreas, de fisioterapeuta a comerciante, de artista plástico a vereador e fazendeiro.

Mas uma constatação é inquietante. Muitos negros e pobres estavam entre os invasores de Brasília. Eles apareciam em imagens panorâmicas e nas filas dos que seriam presos.

As imagens instigam os que buscam o entendimento do que aconteceu desde a formação dos acampamentos e dos bloqueios em estradas.

A maioria dos bolsonaristas (que o Datafolha estima hoje em 25% do eleitorado hoje) é de classe média alta e de ricos.

O Datafolha informa que entre quem ganha mais de 10 salários mínimos, 40% votam em Bolsonaro e 13% votam em Lula.

Entre os mais pobres (até dois salários mínimos), 40% são petistas 21% são bolsonaristas.

Lula tem o dobro do eleitorado entre os mais pobres. Os pobres bolsonaristas que foram a Brasília terão de explicar, nos depoimentos à polícia, o que estavam fazendo ali.

Só os depoimentos vão esclarecer se estavam na cidade naquele domingo, e só naquele dia, por causa daquela mobilização, ou se são militantes ativos da extrema direita.

É provável que entre os 1.500 presos existam muitos gaiatos, ou gente usada como “massa de manobra”, como disse Lula no encontro com os governadores.

São criminosos, mas como gaiatos avulsos, sem vínculos orgânicos com o fascismo organizado.

Em outra turma, quase sempre oculta, estão os extremistas do primeiro time do bolsonarismo, que talvez nunca venham a ser presos. A maioria não será.

Os bolsonaristas que financiaram o gabinete do ódio, as fábricas de fake news das milícias digitais e agora os atos de Brasília poderão escapar.

E sobrará para os manés negros usados por golpistas para invadir os prédios dos três poderes ao lado de manés e patriotas brancos e profissionais. Desses últimos, poucos podem ter sido presos. O desafio agora passa pelo entendimento de quem destes negros e pobres é ou não protagonista nesta história.

Os amadores, entre os quais muitos idosos, caíram na armadilha da extrema direita dos patriotas ricos e de classe média.

Não deixam de ser gaiatos e massa de manobra, mas agora também são terroristas.

 

Moisés Mendes é jornalista. Escreve quinzenalmente para o Extra Classe.

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