OPINIÃO

A infância sequestrada pelo fascismo

Por Moisés Mendes / Publicado em 18 de abril de 2023

Imagem: Reprodução

“Bolsonaro sabia o que fazia no poder, a partir do que aconteceu na Alemanha. Sabe o que deve continuar fazendo fora dele”

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Uma loja do Barra Shopping, na zona sul de Porto Alegre, vende chaveiros com miniaturas de plástico de revólveres, granadas e munições.

São armas coloridas aparentemente singelas e inocentes e estão expostas para que todos vejam e ao alcance das crianças.

O badulaque bélico tenta passar a ideia de brinquedo de adulto. Mesmo que a arminha para usar nas chaves seja quase do tamanho de um celular. É o chaveirão do armamentismo.

Já na cidade de Jataí, em Goiás, uma escola de tiros recebia crianças de menos de 10 anos para cursos com armas de pressão, que não matam, mas podem ferir e cegar.

Ao final do treinamento, as performances eram reconhecidas com medalhas e certificados, em eventos com a presença de pais e parentes.

O Ministério Público mandou parar com o curso para crianças e adolescentes. Mas não há muito o que fazer, porque não haveria como tipificar como crime a liberação de uma arma de pressão a uma criança de oito anos num clube de tiro.

O delito só poderia ser identificado se houvesse um acidente. É o que diz e repete o Brasil em que todo mundo agora é jurista.

Assim como não há crime algum na venda de chaveiros com miniaturas de armas de plástico, mesmo que expostas perto do corredor de um shopping.

E assim as crianças vão sendo atraídas para a hipnose armamentista, enquanto adolescentes são chamados para a militância do nazismo.

Passados os quatro anos de governo de extrema direita, esse é um dos saldos a lamentar. Disseminou-se por toda parte a pregação fascista que seduz crianças e jovens.

Casos recentes de menores apreendidos por atentados ou ameaças a escolas mostram uma conexão provada com o comportamento dos adultos da casa e do entorno.

Um jovem de 14 anos, de Maquiné, no litoral gaúcho, que preparava um ataque a uma escola, teria ideias nazistas porque os pais colecionavam material de exaltação de Hitler e do nazismo.

Está na origem do nazismo, na Alemanha, a formação de jovens com boa base ideológica. Isso acontece muito antes de Hitler chegar ao poder em 1933.

Entidades da juventude hitlerista formaram militantes nazistas que ajudaram, quando adultos, a disseminar a violência pelo país durante mais de duas décadas, até o final da guerra.

Hitler ensinava jovens perto do serviço militar a serem violentos como nazistas. Mas ensinava também crianças a pensarem como nazistas a partir dos 10 anos de idade.

A organização que as acolhia era a Deutsches Jungvolk, Juventude Alemã. O nazismo tinha uma estrutura para formar jovens, meninos e meninas, com cabeças criminosas, a partir de um lastro teórico sólido.

Ainda não chegamos no Brasil às informações que poderão nos levar ao que vinha sendo feito de forma organizada aqui, na mesma direção. Não com a estrutura do nazismo, mas com sua inspiração.

Está provado que a vocação para a violência, uma marca do bolsonarismo, vinha e vem se propagando entre as crianças brasileiras. Mesmo que de forma improvisada, é o que acontece.

Há imagens que a internet repete à exaustão, de Bolsonaro com grupos de crianças, fazendo arminha com os dedos. Há muitas fotos e vídeos do sujeito com crianças no colo, ao lado dos pais, também simulando que os dedos são revólveres.

Bolsonaro sabia o que fazia no poder, a partir do que aconteceu na Alemanha. Sabe o que deve continuar fazendo fora dele.

O fascismo verde-amarelo será perene, se contagiar as crianças e assim assegurar sua renovação constante.

A classe média e os ricos brasileiros elegeram e sustentaram esse modelo de liderança por quatro anos, E quase o reelegeram, apesar da sua postura como aberração humana, ou talvez exatamente por isso.

O fracasso do extremismo na eleição de outubro interrompeu um processo que hoje poderia ser acelerado. Os pais de crianças e jovens treinados para o fascismo tiveram suas bases abaladas.

Mas eles não se entregam. Repete-se no Brasil o que acontece nos Estados Unidos de Trump e ocorre na Hungria de Viktor Órban, na Polônia de Andrzej Duda, na França de Marine Le Pen, na Itália de Giorgia Meloni.

Estando ou não no poder, a extrema direita se organiza ou se rearticula, como se dá agora aqui, com investimento na renovação.

O fascismo pensa nas crianças e nos jovens porque aposta no longo prazo, tirando proveito da apatia e da inação dos democratas.

Crianças com armas em clubes de tiro e adolescentes que matam em escolas não podem ser vistos como casos avulsos e deslocados da realidade.

A infância violentada pelo extremismo é emissária dos que usam os próprios filhos para atacar não só inimigos políticos reais e imaginários, mas a escola, a ciência, o conhecimento e as liberdades. fascismo

Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe.

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