OPINIÃO

Enfrentamento da violência sexual contra crianças requer ações contínuas para além do 18 de maio

Por Jean Von Hohendorff / Publicado em 17 de maio de 2023

Enfrentamento da violência sexual contra crianças requer ações contínuas

Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil

Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil

O dia nacional de enfrentamento ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes é uma data que surgiu a partir de um caso ocorrido em 18 de maio de 1973, no qual uma menina de 8 anos foi sequestrada e, dias depois, seu corpo foi encontrado com indícios de violência sexual.

A data se estende por todo o mês com campanhas, cursos e palestras, mobilizando profissionais das redes de proteção, mas ainda há um longo caminho para que realmente possamos proteger crianças e adolescentes.

Pouco adianta termos ações durante o mês se no restante do ano somos contrários ao que, efetivamente, pode diminuir o número de casos e auxiliar vítimas.

A maior parte dos casos de violência sexual contra crianças ocorre no ambiente doméstico e a pessoa agressora possui vínculo de confiança e afeto com a vítima.

Mesmo a família, que deveria ser um contexto de proteção, pode oferecer risco. Existem diferentes formas de violência sexual, incluindo aquelas sem contato físico e, mesmo quando ocorre o contato, muitas crianças não reconhecem o ocorrido como violência.

Isso porque a pessoa agressora tende a dizer que se trata de uma experiência “normal”, “especial” ou a criança fica confusa ou amedrontada diante do que está acontecendo, o que dificulta pedidos de ajuda.

Se a violência ocorre em casa e frequentemente a pessoas agressora é parte da família e diz para a criança que o que está acontecendo é normal, como a criança pode saber que está sendo vítima de uma violência?

Onde as crianças podem obter informações e perceberem que o que acontece com elas em casa é errado?

É na escola que as crianças possuem vínculos para além da família e pessoas de confiança que podem ajudá-la.

O que as pessoas agressoras mais querem é que as crianças não tenham acesso à informação, pois assim o caminho ficará livre para que elas cometam violências. Infelizmente, nem todas as famílias são protetivas.

Estratégias para facilitar pedidos de ajuda de vítimas e prevenir novos casos passam necessariamente pela educação sexual nas escolas. Sem ela a criança fica sem informações e isso interessa apenas às pessoas agressoras.

É necessário romper com discursos falsos sobre educação sexual e saber do que realmente se trata.

Precisamos que toda a comunidade escolar reveja suas crenças pessoais e seja formada para o trabalho com educação sexual, bem como para saber como proceder em casos de suspeita ou confirmação de violência.

A educação sexual pode ser definida como a abordagem de temas relacionadas ao desenvolvimento físico, higiene corporal, relacionamentos, métodos contraceptivos e doenças sexualmente transmissíveis de acordo com a idade e o desenvolvimento infantil e adolescente.

Há temas que devem ser abordados com crianças e outros com adolescentes. Não se pensa, por exemplo, em falar sobre métodos contraceptivos na pré-escola. É necessário que saibamos o que é a educação sexual e não nos deixemos levar por discursos distorcidos, não verdadeiros e sensacionalistas.

Toda a comunidade escolar deve estar preparada para a intervenção em casos de violência. Diante da suspeita ou da confirmação, é obrigatória a notificação conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “Art. 13.  Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.”

É comum que pessoas, principalmente professoras, tenham dúvidas e receios acerca da notificação. Isso acontece, em parte, pelo desconhecimento sobre o assunto e pela falta de articulação dos serviços de proteção. É imprescindível que as escolas trabalhem em parceria com os Conselhos Tutelares para o enfrentamento da violência.

A Lei 13.431/2017 e o seu Decreto (9.063/2018) indicam que pessoas profissionais devem realizar escutas especializadas, ou seja, acolher relatos de violência, identificar sinais e oferecer ajuda, bem como realizar os encaminhamentos necessários.

O Decreto indica que: “Art. 11. Na hipótese de o profissional da educação identificar ou a criança ou adolescente revelar atos de violência, inclusive no ambiente escolar, ele deverá: I – acolher a criança ou o adolescente; II – informar à criança ou ao adolescente, ou ao responsável ou à pessoa de referência, sobre direitos, procedimentos de comunicação à autoridade policial e ao conselho tutelar; III – encaminhar a criança ou o adolescente, quando couber, para atendimento emergencial em órgão do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência; e IV – comunicar o Conselho Tutelar”.

É imprescindível o preparo profissional para identificação e manejo de situações de violência. A comunidade escolar precisa estar em constante formação para que efetive seu papel protetivo. Veja a seguir dicas de materiais.

Jean Von Hohendorff é professor e pesquisador na Atitus Educação, psicólogo, mestre e doutor em Psicologia

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