OPINIÃO

Prevenção à violência na escola com base em evidências

Por Marcos Rolim / Publicado em 12 de maio de 2023

Prevenção de violência

Foto: Imagem criada com os recursos da inteligência artificial DALL-E

Foto: Imagem criada com os recursos da inteligência artificial DALL-E

Como já tive a oportunidade de dizer neste espaço, ataques a escolas e creches são eventos muito raros, mesmo nos Estados Unidos, onde eles acontecem com maior frequência. O fato é que, quando ocorrem, produzem tragédias que nos dilaceram, que disseminam o medo e que desafiam a compreensão. Infelizmente, o Brasil passou a conviver com essa dor e com esse medo, especialmente após o massacre de Blumenau. O que pode ser feito?

Primeiro, há que se assegurar medidas de prevenção. Para que elas sejam eficazes, é preciso saber o que encontraram os estudos sobre esse fenômeno.

Há uma grande quantidade de pesquisas a respeito envolvendo os mais variados fatores e circunstâncias, desde o perfil dos perpetradores e das vítimas, passando pelo tipo de escola e de comunidade em que as tragédias ocorrem, além de outros temas, como o papel da cobertura da mídia nesses eventos, a relação dos jovens com armas de fogo e sua exposição precoce à violência.

Sem conhecer esses estudos, eventuais respostas tendem a repetir receitas ineficazes ou mesmo a agravar o problema da violência na escola.

Os estudos internacionais têm demonstrado que os perpetradores são homens jovens, brancos, quase sempre adolescentes, alunos ou ex-alunos da escola atacada, que tomam a decisão de perpetrar os ataques em dinâmicas de vingança e busca por reconhecimento.

É comum que os perpetradores tenham sido marginalizados, humilhados ou atingidos por algum tipo de violência que os desestabilizou, razão pela qual se dá muita importância em todo o mundo às políticas de prevenção ao bullying e ao cyberbullying. Experiências de vitimização por violência doméstica, direta ou indireta, também costumam estar presentes na trajetória dos responsáveis pelos ataques.

Os perpetradores costumam interagir em fóruns on-line com outros jovens que enfrentam problemas semelhantes, o que reforça as dinâmicas de ódio e o rancor contra a escola, seus colegas e professores. Nesse tipo de interação em “câmaras de eco”, há variáveis importantes sobre valores e processos culturais, em que dois temas se destacam: misoginia e glorificação das armas de fogo.

Há nesse ponto, provavelmente, ressentimentos de natureza amorosa e sexual nesses jovens, muitos deles “Incels” (sigla em inglês para “celibatários involuntários”), o que se articula como projeção fálica com as armas de fogo. Com as armas, afinal, eles serão “potentes” e finalmente notados, rompendo-se, assim, o ciclo de isolamento social, invisibilidade e nulificação. Não por acaso, aliás, a maioria das vítimas dos ataques às escolas é do sexo feminino.

Sabe-se, também, que a forma como a mídia tradicional e as redes sociais divulgam ataques às escolas podem estimular novos ataques. O chamado “efeito contágio” ou “efeito imitação” (copycat effect) já foi identificado em vários estudos, sendo que, em muitos ataques, os perpetradores agem com o objetivo de “superar a marca” de massacres anteriores, tratando os assassinos como ícones.

No caso do menino de 13 anos que matou uma professora em São Paulo, a inspiração veio dos massacres de Columbine nos Estados Unidos (1999) e de Suzano, em São Paulo (2019). Por isso, não se deve divulgar o nome dos perpetradores e muito menos suas fotos ou vídeos de suas ações, porque é esse tipo de publicidade que eles buscam.

Pelo contrário, o esforço de divulgação deve se concentrar nas vítimas e na dor dos familiares, amigos e colegas, com os atentados sendo descritos como atos de covardia. Depois de ignorar por muito tempo esse tipo de recomendação, alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil passaram a adotar essa conduta.

Diante do absurdo e sem atenção às evidências, o senso comum imagina que os perpetradores sejam loucos, o que não corresponde à verdade, ainda que alguns deles sofram com depressão ou outros transtornos.

A identificação dos perpetradores com os doentes mentais, entretanto, reforça o estigma social sobre as pessoas com sofrimento psíquico que, em sua esmagadora maioria, nunca serão autoras de atos violentos.

Há, por certo, um processo de adoecimento social que prepara os atentados, mas ele diz respeito aos mesmos processos de radicalização que afetam, já há algum tempo, milhões de pessoas no Brasil dispostas a legitimar atos de violência, incluindo atentados terroristas e golpes de Estado, para alcançar objetivos políticos.

Há algumas medidas que podem auxiliar a prevenção de ataques a escolas, entre elas medidas arquitetônicas para o efetivo controle sobre o acesso aos prédios. O desafio mais importante a superar, contudo, é o de melhorar o “clima escolar”, vale dizer: tornar a escola um ambiente mais acolhedor e inclusivo, capaz de prevenir o tipo de violência cotidiana e, muitas vezes, invisível entre os alunos.

Em 2019, coordenei o processo de construção do Protocolo de Prevenção à Violência nas Escolas (Previne) para a Comissão de Educação da Câmara Municipal de Porto Alegre, em um trabalho solicitado pelo então vereador Mauro Zacher (PDT). O protocolo, baseado nas evidências disponíveis sobre prevenção, sistematiza medidas práticas e exequíveis e segue disponível para auxiliar as escolas e os gestores interessados.

Marcos Rolim é jornalista, doutor em Sociologia. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

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