OPINIÃO

Para entender a guerra entre Rússia e Ucrânia é preciso ir além da narrativa da Otan

Por Marcos A. Pedlowski / Publicado em 5 de julho de 2023
Para entender a guerra entre Rússia e Ucrânia é preciso ir além da narrativa da Otan

Foto: Reprodução/Sergei Loznitsa

Cena do documentário Maïdan: Protestos na Ucrânia, de Sergei Loznitsa (2014)

Foto: Reprodução/Sergei Loznitsa

O atual conflito militar envolvendo a Federação Russa e a Ucrânia tem sido apresentado pela mídia ocidental a partir de um reducionismo proposital que atribui aos envolvidos uma dicotomia de mocinho e bandido digna de um velho faroeste produzido por algum estúdio de Hollywood. Nessa versão reducionista, cabe aos ucranianos serem os mocinhos e aos russos o papel de bandidos.

Entretanto, a coisa não é tão simples, mesmo porque o que ocorre neste momento na região Leste da Ucrânia é parte de um conflito geopolítico que começou com a fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em dezembro de 1991.

No contexto do colapso da URSS, o então presidente Mikhail Gorbachev teria acordo com o então secretário de Estado norte-americano, James Baker o compromisso da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) não avançar “nem uma polegada em direção ao Leste da Europa”.

O problema é que enquanto os russos viram e aceitaram o desmantelamento do chamado Pacto de Varsóvia, a aliança militar que girava em torno da URSS e os governantes dos países pertencentes à Otan começaram um avanço consistente em direção ao Leste europeu. Fora desse avanço ficaram poucos países que pertenceram ao Pacto de Varsóvia, sendo a Ucrânia o maior e mais relevante em termos de geopolítica.

A Ucrânia, por sua vez, se destaca não apenas por ser um celeiro agrícola, mas também por ter importantes reservas minerais, incluindo minério de ferro, manganês, titânio, grafite, cobalto e lítio.

Mas, além disso, há o fato da proximidade territorial com a Federação Russa, que permite um ataque nuclear em poucos minutos desde Kiev até Moscou. Além disso, ainda teria que ser levado em conta a forte presença majoritária de russos étnicos nas províncias do Leste ucraniano, a começar pela Crimeia.

Por todas essas características, a Rússia sempre considerou como inaceitável a possibilidade da Ucrânia ser integrada à Otan. No entanto, a oposição russa só serviu para aumentar as interferências feitas pelos países ocidentais na estrutura política da Ucrânia.

O ponto mais contencioso desse processo ocorreu em 2014, quando eclodiu a revolta popular que hoje é conhecida como a “revolta da Praça Maidan”. Naquele processo, simpatizantes de uma futura adesão à União Europeia derrubaram, em fevereiro, o presidente democraticamente eleito Viktor Yanukovych, que se opunha a esse processo em nome da manutenção dos laços históricos com a Rússia.

A queda de Yanukovych e a instalação de um governo pró-ocidente teve como desdobramento direto um levante nas providências do Leste, especialmente em Lugansk e Donetski, onde a população de origem russa era majoritária.

Um ponto culminante desse levante foi a anexação da Crimeia, onde o governo central da Federação Russa realizou um plebiscito para decidir com qual país a população gostaria de estar ligada. Nesse plebiscito, a decisão foi praticamente unânime em prol da Rússia, cujo governo realizou rapidamente o processo de assimilação da Crimeia.

O que se seguiu a esses desenvolvimentos foi o início de um conflito bélico localizado no Leste da Ucrânia, principalmente em Donetski e Lugansk, e que contrapôs forças ucranianas a grupos apoiados pela Rússia.

Esse conflito foi colocado em condição de aparente congelamento pelo chamado “Protocolo de Minsk”, no qual as partes envolvidas concordaram em estabelecer uma série de medidas para estabilizar a situação, impedindo o avanço do conflito.

Um fato que agora se tornou conhecido é que o governo ucraniano usou os termos do Protocolo de Minsk não para realizar as negociações que esse acordo previa, mas para se preparar para uma guerra aberta contra as províncias rebeldes do Leste e a Federação Russa.

O reconhecimento de que o Protocolo de Minsk foi usado de forma a fortalecer as forças militares ucranianas veio em discurso de Angela Merkel, ex-primeira ministra da Alemanha.

Portanto, ao contrário do que é apresentado pelos governos e pela mídia ocidental, a guerra que eclodiu entre a Ucrânia e a Federação Russa, em fevereiro de 2022, é basicamente uma guerra por procuração, que tem como principal signatária a Otan. Tanto isso é verdade que os países membros da Otan vêm injetando centenas de bilhões de dólares na forma de aquisição de equipamentos e treinamento das tropas ucranianas.

Qual o prognóstico possível neste momento sobre o destino do conflito em curso no leste da Ucrânia? Tudo indica que apesar das grandes perdas de equipamento e pessoal em ambos os lados, a guerra não deve ser encerrada de forma rápida. E mesmo se for obtido um cessar fogo momentâneo, o mesmo dificilmente se manterá, pois a paz só será alcançada quando houver um claro vencedor nos campos de batalha. O maior risco que se enfrenta neste momento é ampliação para outras áreas no entorno da Ucrânia.

Marcos A. Pedlowski é professor associado do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico do Centro de Ciências do Homem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)

Comentários