OPINIÃO

A condenação dos primeiros manés

Por Moisés Mendes / Publicado em 14 de agosto de 2023
A condenação dos primeiros manés

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

“Poderemos ter nos próximos dias a condenação de manés e manezinhos e a continuidade das investigações que prolongam a sobrevida dos manezões”

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O grande gesto de imposição da Justiça e do sentimento de reparação, após a derrota do nazismo foi a condenação dos chefes do holocausto e de todo tipo de crime contra a humanidade.

Nuremberg avisou ao mundo que os maiores criminosos do século 20 não escapariam. Mesmo que o líder de todos eles tenha se matado ao final da guerra, a reparação estava feita.

Mas não foi completa. Chefes de estruturas intermediárias das crueldades do nazismo e muitos colaboracionistas ainda teriam de ser julgados. E aconteceu o que se previa: a maioria escapou.

Porque o tempo passou, a indignação e os apelos por justiça se esvaíram, o mundo retomou a vida, e os nazistas de camadas de comando inferiores e subalternas não foram julgados. Até porque muitos juízes alemães que se encarregaram dos seus casos também eram nazistas.

No Brasil do bolsonarismo, acontece o contrário até o momento. A Justiça pode julgar nos próximos meses os primeiros acusados da invasão e da depredação dos prédios dos três poderes, com o objetivo de criar o caos que levaria ao golpe. Todos são subalternos.

O sistema de Justiça opta pelo julgamento preferencial dos manés, dos terroristas amadores e de muita gente que nem sabia direito o que estava fazendo naquele 8 de janeiro. São criminosos, mas não são protagonistas de articulação e comando do golpe.

A figura exemplar, que representa a média desses réus a caminho da condenação, é a idosa e sempre citada Fátima de Tubarão.

Maria de Fátima Mendonça Jacinto Souza, de 67 anos, ameaçou ministros do Supremo, blefou, deu depoimentos para vídeos, mas não tem o tamanho que pretendia ter.

A catarinense é um dos tantos personagens que dirigem falas ameaçadoras a ministros do STF, em especial a Alexandre de Moraes. São criminosos perigosos e violentos, mas não são chefes de nada.

O sistema de Justiça que se apressou em julgar os nazistas pegou os oficiais sob o comando de Hitler. E deixou escapar muitos dos que estavam atrás deles, como militares graduados, soldados rasos e civis a serviço do nazismo.

A Justiça brasileira pegou em flagrante os invasores de Brasília e fez o que era previsível. Pela facilidade dos enquadramentos em crimes contra o patrimônio público e contra as instituições e a democracia, deu prioridade aos delinquentes expostos e sem fama.

Foram mais de 1,4 mil os detidos nos dias 8 e 9 de janeiros. Entre os primeiros que podem ser condenados está Fátima de Tubarão e todo tipo de gente sem expressão política. Poucos sabem quem são eles.

Muitos correm o risco da condenação a até 40 anos de prisão, mesmo que não venham a cumprir toda a pena. Estão sob a ameaça de ter as vidas destruídas porque acreditaram no golpe de Bolsonaro.

Todos acompanham de longe a situação dos verdadeiros chefes do golpe, que o sistema de Justiça ainda não alcançou, pelos mais variados motivos, entre os quais a lenta coleta de provas consistentes.

Poderemos ter nos próximos dias a condenação de manés e manezinhos e a continuidade das investigações que prolongam a sobrevida dos manezões.

Podemos até ter gente grande preventivamente na cadeia, mas não pelo golpe, e sim pelo envolvimento no caso das joias das arábias.

Esse é o cenário hoje, depois da derrota do golpismo. São centenas de cidadãos comuns diante da perspectiva de serem condenados. Há entre eles financiadores do golpe, com algum dinheiro, mas também sem expressão na estrutura do fascismo.

O Brasil pode comemorar daqui a pouco a condenação de uma idosa sem relevância como figura da extrema direita, enquanto os grandes chefes fascistas estarão festejando a própria impunidade.

Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe.

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