OPINIÃO

O 8 de janeiro é apenas o Dia do Mané

Por Moisés Mendes / Publicado em 28 de agosto de 2023
O 8 de janeiro é apenas o Dia do Mané

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

“O 8 de janeiro deve ficar, como deboche, como o Dia do Mané, do sujeito que embarcou num ônibus e foi a Brasília a mando de manezões ainda impunes”

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Muita gente ficou sabendo só agora que, antes da definição do 8 de janeiro como Dia do Patriota pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre, a mesma Câmara havia escolhido a mesma data como Dia em Defesa da Democracia.

E ficamos sabendo que o prefeito Sebastião Mello (MDB) decidiu ficar quieto diante da lei anterior, de iniciativa do vereador ldacir Oliboni (PT), aprovada em junho, e também da lei posterior, de julho, proposta pelo vereador Alexandre Bobadra (PL).

Por isso, sem manifestação do prefeito no sentido de promulgar ou vetar as leis, coube ao presidente da Câmara, Hamilton Sossmeier (PTB), sancioná-las automaticamente.

Com o detalhe de que ambas as leis, por terem trâmite simplificado, como homenagens que são, não passaram pelo plenário, mas apenas por comissões internas da Câmara.

E agora vem a pergunta que pode oferecer muitas respostas, as mais controversas possíveis. Por que adotar o 8 de janeiro como Dia em Defesa da Democracia?

Alguém imagina que pudesse prosperar, anos atrás, uma ideia que propusesse o 31 de março como dia de defesa das instituições, das liberdades e da democracia, em alusão à primeira invasão de Brasília, não por manés, mas pelos tanques do general Olimpio Mourão Filho?

É possível imaginar que os chilenos e os americanos definissem o 11 de setembro como dia da democracia, sabendo que foi naquela data, em 1973, que derrubaram Salvador Allende em Santiago e, em 2001, as torres gêmeas em Nova York?

Datas tenebrosas não devem ser esquecidas, de jeito nenhum, mas não podem ter seus significados alterados. O dia de um atentado é o dia de um atentado, e não da defesa da democracia.

Não houve nenhum gesto grandioso de defesa da democracia no 8 de janeiro. Houve uma sequência de invasões dos prédios dos três poderes, com atos de violência, depredação e afronta a todas as instituições.

O 8 de janeiro não pode ser desprezado. Mas não como dia de defesa da democracia, de jeito nenhum. Poderia ser se, naquele 8 de janeiro sob controle do fascismo, a marca do desfecho dos acontecimentos fosse de fato a resistência dos democratas.

Não foi o que aconteceu. Os manés e os terroristas amadores do 8 de janeiro se dispersaram ou foram presos por ação tardia e protocolar da polícia e por serem excessivamente manés para o que pretendiam fazer. Eram manés sem liderança e sem apoio na hora que mais precisaram dos militares.

Assim, o 8 de janeiro não pode merecer homenagens com sentido edificante, nem de democratas nem de fascistas. Que não se esqueçam do 8 de janeiro, mas nunca para que tenha significado merecedor de honrarias.

Definitivamente, a democracia não pode ser associada ao 8 de janeiro, e golpistas não têm o direito de transformar a data em momento de reverência a criminosos, mesmo que a maioria venha a ser anistiada.

O 8 de janeiro deve ficar, como deboche, como o Dia do Mané, do sujeito que embarcou num ônibus e foi a Brasília a mando de manezões ainda impunes.

O Dia da Democracia no Brasil é o 25 de outubro, a data do assassinato do jornalista Vladimir Herzog em 1975 pela ditadura.

Porque a reação imediata ao assassinato fez com que o Brasil se levantasse nas ruas pelo resgate da democracia, com a primeira grande manifestação contra os militares.

Foi a partir dali que que os generais se viram forçados a iniciar o desmonte do que haviam montado em 1964.

O 8 de janeiro não tem conexão nenhuma com reação, com mobilização popular, ou com resistência a uma tentativa de golpe por meio de atos consagrados de defesa das liberdades. Não houve resistência.

A verdade, ainda incômoda e ainda tratada como tabu, é que o Brasil foi salvo do fascismo por Alexandre de Moraes, sem qualquer suporte de movimentos ditos sociais ou populares

Constrange, perturba, mas essa é a verdade. Não houve nada que possa ser caracterizado como reação cidadã ao que aconteceu no 8 de janeiro.

O que aconteceu naquele dia foi um golpe que não deu certo por falta de manés e de milicos. Pronto. Só isso. Manés com tornozeleiras ou ainda presos na Papuda sabem que não há o que comemorar.

Moisés Mendes é jornalista e escreve quinzenalmente para o Extra Classe.

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