OPINIÃO

Brasil é o terceiro país com menor investimento por aluno

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 4 de março de 2024

Brasil é o terceiro país com menor investimento por aluno

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Educação com qualidade social é cara. O Brasil possui uma das maiores demandas por educação básica e superior do mundo por não ter investido em educação do povo ao longo de quase cinco séculos.

Bastou a Conferência Nacional de Educação (Conae) realizada em janeiro de 2024 reafirmar a necessidade do país investir 10% do PIB em educação, ao invés dos atuais 5,4%, que a elite e os representantes do capital tentaram, imediatamente, desqualificar a proposta.

A Folha de São Paulo foi a primeira a disparar o ataque a proposta de meta de para o financiamento do próximo Plano Nacional de Educação (PNE), para a década de 2024-2034 aprovada nesta última Conae. Esta meta já consta na Lei nº 13.005/2014, descumprida no plano decenal em vigência.

Em seu editorial de 2 de janeiro de 2024, “Educação a sério”, o jornal acusou a proposta de “farsesca” e afirmou que o dispêndio atual “é compatível com o padrão global, seja entre países desenvolvidos, seja entre emergentes”.

A própria Folha, em matéria do dia 12 de outubro de 2023, demonstra que o “Gasto por aluno no Brasil é o 3º pior entre 42 países”, conforme relatório do Education at a Glance 2023 da OCDE.

O Brasil investe o equivalente a US$ 2.981 por aluno ano, que engloba todos os investimentos públicos na educação pública. A média dos países da OCDE é de US$ 10. 510 por aluno, ou seja, quase dois terços a mais que o brasileiro.  Álias, o Brasil só supera o México e a África do Sul, ficando abaixo da Argentina (US$ 3.367), Turquia (US$ 3.389), Colombia (US$ 3, 497), Chile (US$ 4.867), Costa Rica 9US$ 4.936) e os demais países membros da OCDE, para não comparar com Luxemburgo (US$ 23.548), Coreia (US$ 14.344) ou Finlândia (US$ 12.110).

Já sob o título “Prioridade errada”, o jornal O Estado de S. Paulo, em editorial de 14 de fevereiro de 2024, também retoma a velha discussão sobre a nefasta contraposição entre a educação básica e a educação superior, a qual até já foi revisada pelo Banco Mundial em 2000, em um documento sobre a educação superior, intitulado Higher Education in Developing Countries – Peril and Promise, em que fez a reavaliação dessa contraposição difundida pelo próprio Banco em seus documento.

O Estadão ignora que mais de 95% da pesquisa no Brasil é desenvolvida nas Universidades Públicas com um orçamento que envolve ainda o ensino e a extensão universitária, diferente de outros países que possuem altos investimentos de em pesquisas por outras fontes de países, institutos, doadores bilionários e empresas.

A própria OCDE confirma que o investimento adequado para cada realidade e necessidade histórica do país é fator determinante na qualidade da educação. O Brasil insiste em negar-se a investir o necessário segunda nossa condição histórica e realidade atual. Vejamos outro exemplo: os investimentos no Brasil foram reduzidos entre 2019 – 2020, inclusive na pandemia. Em média, nos países da OCDE, a despesa dos governos com educação cresceu 2,1% neste período e a despesa total dos governos 9,5%. No Brasil, o gasto com a educação diminuiu 10,5% no mesmo período, enquanto o gasto com todos os serviços aumento 8,9%. Isto revela qual era verdadeiramente a prioridade do Estado brasileiro.

Desonestidade intelectual e jornalística

Não é honesto do ponto de vista intelectual e jornalístico analisar o gasto e o investimento em educação abordando o percentual do PIB isoladamente e comparando com outros países. É preciso levar em conta, no mínimo, mais outros fatores, tais como: o tamanho da demanda educacional (a do Brasil é a 3ª maior do mundo), o tamanho da economia e do PIB, a carga tributária do país, os elevados níveis de pobreza e desigualdades de classe, sociais, étnicas e de gênero, entre outras. Assim fizeram países quando promoveram a revolução na educação, como Correria do Sul e Finlândia.

Para Nicolas Davis, estudioso do financiamento da educação, a discussão sobre o financiamento da educação estatal não ficaria completa se não relacionasse as responsabilidades educacionais das diferentes esferas de governo (o governo federal, o do Distrito Federal, os 26 governos estaduais e os mais de 5.568 municipais) com a sua disponibilidade de recursos. Desde a independência brasileira, em 1822, até hoje, sempre houve uma grande discrepância entre essas responsabilidades e a disponibilidade de recursos dos governos.

O governo central/federal, por exemplo, embora detentor de uma maior parcela das receitas governamentais, nunca assumiu constitucionalmente a obrigação de oferecer educação básica para toda a população, deixando-a a cargo dos estados e municípios, geralmente menos privilegiados.

No Brasil, historicamente, as elites e os donos do capital preferem subsídios para o agronegócio, a indústria, falência de empresas por má gestão, setor serviços, emendas parlamenteares, fundo eleitoral astronômico, isenção de impostos para igrejas, clubes de futebol e de tiros, entre tantos outros, do que investir seriamente em educação, ciência, tecnologia e cultura. Nosso modelo de capitalismo é financiado pelo estado e os fundos públicos são destinados prioritariamente para sua reprodução.

Manifesto contrapõe jornais

A Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da educação (Fineduca) contrapôs tecnicamente estes posicionamentos representados pelos jornais a Folha e o Estadão, demonstrando que o Brasil possui uma das maiores economias do mundo e tem capacidade financeira para investir ainda mais em educação.

É necessário ter visão e fazer uma opção política do que é verdadeiramente prioridade para a nação brasileira e para as gerações presentes e futuras. “A educação pública brasileira costuma ser um terreno fértil de erros e inversão de prioridades que geram atrasos e desigualdades, impondo um horizonte sombrio para milhões de crianças e jovens”, complementa a manifestação pública da Fineduca.

Sobre os investimentos educação necessário no próximo PNE (2024 – 2034,  os pesquisadores reafirmam que o “Brasil possui riqueza para realizar a aplicação de valores equivalentes a 10% do PIB em educação pública” e, como fez a Conae, indicam possíveis fontes de financiamento da educação, C&T. E, também, se posicionam dizendo que “é chegada a hora de priorizar a Educação no processo de desenvolvimento social e econômico do Brasil.

E mais, pesquisadores perguntam: até quando o Brasil terá que esperar para iniciar, seriamente, a priorização da educação de sua população? Se nada for feito nas próximas décadas, diversas gerações poderão ser consideradas perdidas educacionalmente, reproduzindo a histórica exclusão social e educacional. Por isso, a hora de virar a chave é agora, com o respaldo do PNE (2024-2034).

A geração atual será cobrada pelas gerações futuras por não ter aproveitado a Riqueza Natural brasileira, por não iniciar, já, esse processo, fundamental para o Desenvolvimento Social e Econômico brasileiro” (manifestação pública da Fineduca).

Porém, uma estratégia de desconstruir propostas e planos de educação, seja no âmbito nacional, regional ou local, é desqualificar as construções coletivas e as deliberações de conferências, os estudos, os debates como os da Conae 2024, ou utilizar algumas estatísticas de forma desvirtuada conforme interesses específicos.

Brasil da desigualdade

No país da desigualdade, a forma como os dados educacionais brasileiros são priorizados, destacados e divulgados induzem, geralmente, a conclusões imparciais, pontuais e insuficientes para produzirem uma compreensão global dos verdadeiros impactos da educação na vida das pessoas e na estrutura da sociedade brasileira.

Cabe relembrar que, a educação, é um processo complexo que requer análises e evidências ancoradas em processos e séries históricas de médio e longo prazo.

Nesta perspectiva, sugiro o clássico livro intitulado Como mentir com estatística, escrito por Darrell Huff, publicado em 1954 nos Estados Unidos. Nele, o autor demonstra de forma muito direta como números que parecem tão fortes são na realidade frágeis, quando não totalmente falsos, formando castelos de areia que ruirão após uma análise mais detalhada, ampliada e desprovida de ideias preconcebidas.

Por fim, em artigo resposta ao editorial da folha no dia 12 de fevereiro de 2024, os pesquisadores Miriam Fábia Alves (Presidente da Anped) e Nelson Cardoso do Amaral (presidente da Fineduca), entendem que está em jogo na Conae a construção de um projeto de país com propostas robustas e ambiciosas que coloquem a educação como protagonista no desenvolvimento social e político brasileiro, com justiça social, ambiental e equidade.

Assim, o texto-base ao PNE 2024 – 2034 avança em aspectos como a transição ecológica e o desenvolvimento sustentável. Complementam ainda os pesquisadores – considerando que este texto subsidiará o projeto de lei do governo federal a ser apreciado por um Congresso Nacional conservador –, ser essencial que ele expresse tudo o que a sociedade brasileira de fato almeja e precisa para o desenvolvimento educacional e democrático do país.

Precisamos fazer uma opção agora: investir mais em um projeto de educação de qualidade no Brasil ou será a barbárie social. A opção e decisão é nossa, agora, já!

 

Gabriel Grabowski é professor, pesquisador e escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

 

 

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