OPINIÃO

Andamentos

Publicado em 17 de dezembro de 2010

Colunista: Veríssimo

Ilustração? Ricardo Machado

Ilustração? Ricardo Machado

Há semanas, li num jornal francês que no dia anterior havia sido paga a última parcela da reparação devida pela Alemanha aos países aliados que a derrotaram na I Guerra Mundial. A notícia estava no rodapé de uma página interna do jornal, mas o cabeçalho reconhecendo sua importância, ou estranheza, merecia uma primeira página. Finalmente acabara a Guerra de 14! Mais de 90 anos depois da assinatura do Tratado de Versalhes, que condenara a Alemanha a pagar US$ 33 milhões de indenização pelos estragos que causara na guerra, estava saldada uma dívida que eu nem sabia que ainda existia, e aposto que você também não. O pagamento do principal terminara em 1983, faltava pagar os juros acumulados. Foi o que aconteceu no mês passado. Nesse meio-tempo, a Alemanha voltou a tumultuar o mundo sob o comando de Hitler, cuja ascensão (ironia) se deveu em grande parte à reação alemã às sanções impostas pelo tratado, e causou estragos ainda maiores. Matou milhões, mas ninguém pode negar que nunca deixou de ser uma boa pagadora.

A notícia da liquidação da dívida tantos anos depois induz a uma reflexão sobre os diversos andamentos, no sentido musical do termo, da História. Há períodos em que a História anda num allegro assai – o ritmo maluco da revolução da informática, por exemplo – e outros em que vem num andante larghissimo. Me lembrei da frase atribuída ao Mao quando lhe perguntaram quais tinham sido as consequências da Revolução Francesa: “Ainda é cedo para dizer”. Certo. Ainda é cedo para saber quando poderemos deduzir de algum rodapé que o século 18 definitivamente chegou ao fim, como a I Guerra Mundial com o pagamento da dívida alemã. De certa maneira, o que se discutia então é o que se discute hoje. Aquela história ainda não acabou.

No Brasil, temos nossa própria história inacabada, a dos 20 anos de regime militar. A liberação dos autos do processo do governo militar contra a Dilma conseguida pela Folha de S. Paulo pode apressar a sua resolução, se o resto da nossa grande imprensa for diligente como a Folha e cobrar toda a verdade daquele período negro. Assim como a nação tem o direito de saber a biografia da sua presidente eleita, tem o direito de saber como era o Estado que a torturou e manteve presa, e torturou e matou outros. Até hoje tem gente esperando para saber a simples localização de corpos para poder enterrá-los condignamente, e a informação lhes é sonegada. Neste caso, a lentidão da História também é uma forma de tortura.

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