OPINIÃO

Idade penal para além de Homer Simpson

Por Marcos Rolim / Publicado em 28 de maio de 2013
‘‘Ao invés de reduzir a idade penal, devemos aumentar o tempo limite de privação de liberdade hoje fixado em três anos pelo ECA. Em muitos países (Alemanha, Espanha, Chile e Colômbia, por exemplo), adolescentes que cometem delitos especialmente graves podem receber medidas de internação de até oito ou dez anos. Uma mudança do tipo poderia produzir efeitos benignos no Brasil’’

Ilustração

‘‘Ao invés de reduzir a idade penal, devemos aumentar o tempo limite de privação de liberdade hoje fixado em três anos pelo ECA. Em muitos países (Alemanha, Espanha, Chile e Colômbia, por exemplo), adolescentes que cometem delitos especialmente graves podem receber medidas de internação de até oito ou dez anos. Uma mudança do tipo poderia produzir efeitos benignos no Brasil’’

Ilustração

Há muita desinformação no Brasil sobre o tema da idade penal. As lacunas − que envolvem, entre outros temas, a confusão sobre “inimputabilidade” e “impunidade” − se estendem para o senso comum que imagina que, em muitos outros países, incluindo nações com tradição democrática, a idade penal seria inferior aos 18 anos. Para que coisas assim não transitem em julgado, devemos informar as pessoas, um desafio que parece cada vez mais difícil para um tipo de jornalismo que tem se tornado comum no Brasil. Refiro-me ao jornalismo que, ao invés de informar, ergue seus preconceitos à condição de “pauta” e exclui, sistematicamente, toda abordagem reflexiva. O apresentador Willian Bonner disse, certa vez, que o Jornal Nacional estava formatado para um hipotético “homem médio” como Homer Simpson. É possível, entretanto, que os formadores de opinião se pareçam mais com Homer Simpson do que o seu público. Seja como for, este não é um texto para pessoas como Simpson, ou Bonner.

Comecemos pelos conceitos mencionados. “Inimputável” é a condição daquele que não pode ser responsabilizado por seus atos. Inimputabilidade penal, entretanto, significa a não sujeição ao Código Penal. Crianças e adolescentes são inimputáveis penalmente, mas os adolescentes podem ser imputados infracionalmente. São, então, considerados responsáveis por seus atos, embora não respondam com base no Código Penal, mas a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Adolescentes que cometem atos infracionais são, em síntese, puníveis. Dezenas de milhares deles o são a cada ano no Brasil, aliás. Atualmente, temos mais de 10 mil adolescentes cumprindo “medidas socioeducativas de privação da liberdade”, o que significa, independente das palavras empregadas, prisão. Muitos outros cumprem medidas em meio aberto.

Em cada país, há sempre pelo menos duas idades de responsabilização legal: a idade penal e a infracional. No Brasil, a primeira é 18 anos e a segunda, 12. Somos, na verdade, uma das poucas nações que permitem a privação da liberdade a partir dos 12 anos. Desconhecendo o direito infracional ou a responsabilidade penal juvenil, há quem pense que na Alemanha, França e Itália, por exemplo, a idade penal comece aos 14 anos. Entretanto, 14 anos é o início da idade infracional nestes países. Alemanha, França e Itália, aliás, entendem que a responsabilidade penal só é completa aos 21 anos. Entre os 18 e 21 anos, existem regras penais de transição para “jovens adultos”. Idade penal, assinale-se, nada tem a ver com “capacidade de discernimento”. Ela é, na verdade, uma escolha de política criminal.

Na Inglaterra, outro exemplo muito citado e pouco conhecido, a idade penal está fixada aos dez anos, mas a privação da liberdade só pode ocorrer após os 15 anos. A Escócia definiu a idade infracional aos oito anos e a idade penal aos 16, mas entre 16 e 21 anos vigora uma justiça juvenil com regras de transição. Assim, também nesta experiência, a maioridade penal se alcança plenamente só aos 21 anos. A exceção à regra fica por conta dos EUA onde a idade infracional é, na maioria dos estados, dez anos e a idade penal, 12. Sim, os americanos aplicam penas, inclusive a pena de morte, a adolescentes. EUA e Somália, aliás, são os únicos países que não ratificaram a Convenção Internacional sobre os direitos das crianças. São, neste particular, não um exemplo, mas uma vergonha.

No caso brasileiro, eventual redução da idade penal faria com que os adolescentes que mandamos para a Fase e congêneres fossem parar em presídios. Como decorrência, teríamos prisões mais superlotadas e nenhuma chance de recuperação dos jovens que estariam, então, sob os cuidados das facções criminais. Para os casos de adolescentes com perfis agravados, deve-se operar na outra “ponta”. Ao invés de reduzir a idade penal, devemos aumentar o tempo limite de privação de liberdade hoje fixado em três anos pelo ECA. Em muitos países (Alemanha, Espanha, Chile e Colômbia, por exemplo), adolescentes que cometem delitos especialmente graves podem receber medidas de internação de até oito ou dez anos. Uma mudança do tipo poderia produzir efeitos benignos no Brasil. Além de assegurar maior justiça para casos graves, o maior lapso temporal evitaria que adolescentes sigam assumindo crimes que não praticaram (o que é comum no Brasil para livrar a responsabilidade de adultos) e ajudaria a desenvolver um plano consistente de tratamento para jovens que, tão logo retornam às ruas, são presos ou mortos.

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