OPINIÃO

Em nome dos profetas

Publicado em 12 de agosto de 2015
"Encarcerar segue sendo a resposta padrão de um Estado que tem sido historicamente incapaz de oferecer às crianças e adolescentes pobres um mínimo de bem-estar, serviços e oportunidades"

Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

“Encarcerar segue sendo a resposta padrão de um Estado que tem sido historicamente incapaz de oferecer às crianças e adolescentes pobres um mínimo de bem-estar, serviços e oportunidades”

Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Denominamos “Política criminal” o conjunto de definições públicas para contrastar criminalidade e violência. A depender dos caminhos definidos e da legislação correspondente, teremos políticas criminais mais ou menos repressivas e mais ou menos vocacionadas à prevenção. Entre as nações democráticas, os Estados Unidos oferecem o exemplo mais representativo de aposta em política criminal repressiva, o que os levou à população de 2,2 milhões de presos e de 4,8 milhões de pessoas supervisionadas pelo sistema correcional. Os custos com encarceramento nos EUA atingiram, ao final de 2011, a soma de 82 bilhões de dólares; no mesmo ano, o sistema de Justiça americano consumiu outros U$ 250 bilhões.

A privação da liberdade tem sido a principal resposta americana também aos adolescentes em conflito com a lei. Nos últimos 20 anos, as taxas de encarceramento em instituições juvenis nos EUA cresceram mais rapidamente do que as taxas de prisão de adultos (em 2013 eles mantinham 225 adolescentes privados de liberdade para cada 100 mil jovens). Esta política criminal, não seguida pela maioria das nações democráticas, tem recebido críticas crescentes também nos EUA. Evidências encontradas em inúmeras pesquisas tornam mais difícil a defesa da política conhecida como Law and Order (Lei e Ordem) que marcou as plataformas da direita americana desde Nixon e Reagan.

Estudo de 2013, de Anna Aizer e Joseph J. Doyle Jr., (Juvenile Incarceration, Human Capital and Future Crime: Evidence from Randomly-Assigned Judges, disponível aqui), por exemplo, procurou medir as consequências do encarceramento juvenil, cruzando informações sobre 35 mil jovens condenados em Chicago e o que ocorreu com eles nos dez anos posteriores às sentenças. As penas mais comuns foram de um ou dois meses de detenção; as mais longas foram entre seis meses e dois anos. Depois de ponderar as diferenças entre as variáveis, se encontrou que os jovens que foram presos abandonaram a escola mais cedo do que os condenados a penas alternativas à prisão. A diferença, neste caso, foi de 13 pontos percentuais.

Os adolescentes encarcerados tiveram, também, uma taxa muito mais alta de condenações à prisão quando adultos (diferença de 22 pontos percentuais). Os resultados também demonstraram que o momento de encarceramento faz muita diferença, sendo os resultados negativos mais pronunciados entre os jovens que foram presos quando tinham entre 15 e 16 anos. Encontrou-se também que os efeitos criminogênicos são mais fortes entre os adolescentes que foram presos por crimes sem violência do que entre aqueles que foram condenados por crimes com violência, o que sugere que as instituições punitivas cumprem uma “função pedagógica” infernal. Parece claro que jovens que cometem crimes com violência real devem ser encaminhados a instituições de perfil correcional.

Alguns, com perfil agravado, deveriam permanecer privados de liberdade para além do limite de três anos definidos pelo ECA. Este não é, entretanto, o perfil da esmagadora maioria dos adolescentes autores de atos infracionais, nem nos EUA, nem no Brasil. Encarcerá-los segue sendo a resposta padrão de um Estado que tem sido historicamente incapaz de oferecer às crianças e adolescentes pobres um mínimo de bem-estar, serviços e oportunidades. Nos EUA, um em cada três jovens será preso pelo menos uma vez até completar 23 anos. No Brasil, há quem se encante com este modelo. O que os estudos demonstram, não obstante, é que a prisão de adolescentes é disfuncional e só poderia ser aplicada em situações muito graves.

Trabalhos como o de Patrick Bayer e colaboradores (Building Criminal Capital behind Bars: Peer Effects in Juvenile Corrections, 2009) mostraram que a prisão de adolescentes estimula a acumulação de um “capital criminal”. Anteriormente, pesquisa de Mark Granovetter (Getting a Job: A Study of Contacts and Careers, 1995), demonstrou que a prisão afasta os jovens da formação necessária à disputa de posições no mercado de trabalho.

No Brasil, nos ressentimos de estudos científicos em segurança pública e de base de dados confiável para diagnósticos sobre tendências criminais. Como regra, os agentes públicos decidem de acordo com suas intuições e preconceitos e seguindo a pauta proposta pela mídia. Recentemente, as coisas pioraram. Agora, o Parlamento define arremedos de políticas públicas amparado por citações bíblicas, enquanto o discurso da direita se alinha ao espírito vingador do jornalismo policialesco e sensacionalista. O Brasil vive o tempo da razão acossada e da ignorância orgulhosa. O vazio é tal, que o debate público se processa segundo os valores morais dos profetas do velho testamento e do Datena. Com horizontes assim, só o que teremos garantido é mais violência.

* Jornalista, sociólogo e professor do IPA.
marcos@rolim.com.br | www.rolim.com.br

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