OPINIÃO

Internet, mesmice e cultura

Por Marcos Rolim* / Publicado em 12 de novembro de 2015

Hossein Derakhshan, também conhecido como Hoder, é um jornalista e blogueiro iraniano/canadense. Seu blog foi um dos precursores na internet iraniana e ele exerceu enorme influência estimulando outras pessoas a terem blogs escritos em persa. Por conta disso, com pouco mais de 20 anos, foi chamado de “blogfather” (um trocadilho em inglês com a palavra godfather, que significa “padrinho”) dos blogs persas. O regime iraniano já havia censurado seu blog – impedindo que ele fosse acessado desde o Irã. Mesmo assim, seus textos seguiam influentes e eram reproduzidos em todo o mundo. Em 2008, ele foi preso por conta de suas publicações críticas. Dois anos depois, uma Corte Islâmica o sentenciou a 19 anos e meio de prisão. Apesar dos protestos que ecoaram em muitos países, a sentença foi mantida. Um dia, após seis anos de encarceramento, em novembro de 2014, o serviço de som do presídio de Evin, em Teerã, anunciou: “queridos prisioneiros, o pássaro da sorte pousou mais uma vez sobre os ombros de um de nossos companheiros. Senhor Hossein Derakhshan, você está livre a partir de agora”.

Duas semanas depois de voltar a ser um homem livre, Hoder retomou seu ofício de jornalista independente. Informado de que a internet havia recebido as “Redes Sociais” e que seria preciso publicar nelas para ser lido, ele tentou se adaptar aos novos tempos. Foi quando descobriu que seis anos na prisão eram uma eternidade para a internet. Os blogs haviam perdido sua importância e os textos estavam cada vez menores. Imagens e vídeos curtos ocupavam os espaços. As pessoas haviam deixado de usar hyperlinks em seus textos e, assim, a leitura na internet havia mudado. Ao invés da viagem rumo ao desconhecido − fascinante desafio dos internautas − as Redes Sociais e os aplicativos para celular produziam o efeito inverso de imobilidade e fixação.

A mais recente edição da revista Piseagrama, linda e qualificada publicação mineira dedicada aos espaços públicos (confira em www.piseagrama.org), trouxe um artigo de Derakhshan intitulado Salve a Internet. Na opinião do blogueiro, os oligopólios que dominam a Rede estão matando sua diversidade. A internet se torna previsível, linear e ensimesmada como uma TV. –“Por que ninguém está impedindo sua destruição”?, ele pergunta. Os interessados nos argumentos persuasivos de Derakhshan podem ler seu texto aqui. Dito isto, penso que devemos nos preocupar com o destino da leitura.

“As pessoas haviam deixado de usar hyperlinks em seus textos e, assim, a leitura na internet havia mudado. Ao invés da viagem rumo ao desconhecido – fascinante desafio dos internautas – as Redes Sociais e os aplicativos para celular produziam o efeito inverso de imobilidade e fixação”

Todos os anos, no primeiro contato com minhas turmas, peço para que @s alun@s se apresentem (sic). Além do nome, solicito que citem um livro que tenham lido e gostado muito. Aproximadamente a metade não lembra de um só título. Na outra metade, há sempre muitas citações de livros de autoajuda e tristezas afins. O que se percebe, como regra, é a inexistência do hábito da leitura. As referências culturais são precaríssimas e se situam, invariavelmente, em torno de personagens da mídia tradicional, com destaque para a TV.

O fenômeno, penso, só poder ser compreendido em uma moldura mais ampla e está associado, no Brasil, a uma longa história de exclusão social, às deficiências da escola pública, à miséria cultural de nossas elites econômicas e políticas, à péssima qualidade da programação da TV, ao desprezo pela ciência, entre outros pontos relevantes. A questão é: a popularização da internet tem estimulado a leitura e o acesso à herança cultural da humanidade? Com a internet, nossos jovens estão mais próximos de Shakespeare, Dostoievski, Faulkner, Cortázar, Guimarães Rosa? De Fellini, Bergman, Scorsese, Tarantino, Almodóvar? Nunca estiveram tão próximos e tão distantes, se poderia responder. Próximos, porque a alguns poucos cliques de livros e filmes geniais.

Para não falar de música, teatro, balé, artes plásticas, museus, palestras, cursos etc. Distantes, porque sem noção, sem orientação e sem o hábito de transitar por sobre os labirintos virtuais povoados de vazio; para além das banalidades e do lixo cultural que anestesiam o pensamento e destroem as possibilidades do gosto. Os estudos disponíveis sobre os impactos culturais das “novas mídias” são poucos e não conclusivos. Será preciso aguardar para termos um cenário mais bem definido. Provavelmente, ele não será o mesmo que uma terra devastada; tampouco revelará a utopia da democratização cultural.

O risco é que, no ritmo das coisas, saibamos, em breve, que temos mais informação e menos compreensão; mais conexões virtuais, corações no Instagram e curtidas no Facebook e menos amigos de verdade. Teremos falado muito e escutado pouco; as pessoas tenderão a ser mais superficiais e impulsivas e terão maior dificuldade de concentração e de abstração. Apegadas à imediaticidade do real, serão mais impressionáveis e manipuláveis. Não será necessariamente assim, mas, se for isso, haverá mais convicções e menos surpresas e o mundo terá se tornado um lugar mais previsível e injusto.

* Jornalista, sociólogo e professor do IPA.
marcos@rolim.com.br | www.rolim.com.br

Comentários