OPINIÃO

Retrocessos na Educação

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 23 de março de 2017

 

Foto: Tomaz Silva/Ag. Brasil

Foto: Tomaz Silva/Ag. Brasil

O pretexto da crise econômica, fiscal e política, consequência do capitalismo financeiro especulativo, é uma justificativa oportunista utilizada para retrocedermos nas políticas públicas de educação, tanto em nível nacional como nos estados mais ricos.

Em recente entrevista à imprensa, o Ministro da Educação Mendonça Filho assume publicamente que:

– Não adianta aumentar o orçamento da educação visto que não melhora a qualidade da educação;
– o MEC trabalha para adaptar e limitar vagas expandidas nos últimos anos;
– o processo de avaliação e o Enem eram utilizados para manipular e vender imagem de desempenho de escolas;
– a reforma do ensino médio, já aprovada e sancionada a toque de caixa, espera pela Base Nacional Curricular Comum (BNCC), em discussão desde 2014 e que, para o estudante de uma escola privada, a mudança não vai significar tanto pois seus efeitos estão direcionados para escola pública e estudantes pobres;
– é favorável a mudança na lei do piso dos professores;
– o Fies atual é insustentável;
– o Pronatec será substituído pelo MedioTec;
– o Ciência sem Fronteiras para graduação acabou;
– o programa de expansão das creches está ameaçado de conclusão;
– os 10% do PIB aprovados no Plano Nacional de Educação (PNE) não significam melhora na qualidade da educação e sua aplicação não é fundamental;
– e que, por fim, o custo da universidade pública é uma inversão absurda que colocará em discussão no momento oportuno.

Paralelamente, o censo escolar 2016, aponta:
– Redução significativa de matrículas no ensino fundamental de 2011-2016 na rede pública;
– crescimento das matrículas na rede privada em 15,3% e aumento da distorção idade-série da escola pública;
– a matrícula caiu de 8.400.689 em 2011 para 8.131.988 em 2016 na rede pública e na rede privada cresceu 4,5% em oito anos – e corresponde a 12,5% do total de matrículas, bem inferior aos 84,8% na rede estadual, 1,8% na rede federal e 0,9% nos municípios;
– quase 2 milhões de jovens entre 15-17 anos continuam fora da escola;
– a educação profissional cresceu 5,1% na rede pública e 12,6% na privada, configurando a seguinte oferta: 41% das matrículas na rede privada, 37% na rede estadual e 18% na rede federal;
– a Educação de Jovens e Adultos estabilizou após forte queda ao longo do período de 8 anos;
– o censo do ensino superior, quando divulgado, irá demonstrar a mesma perspectiva e quebra do ritmo de expansão devido a diminuição dos recursos na rede federal e, do Fies e do Prouni, nas redes comunitária e privada.

Os programas e as reformas do governo federal e de estados aliados não se limitam a reforma previdenciária, trabalhista, venda de estatais, privatizações e sucateamento da esfera pública. As medidas já estão atingindo a área social, como saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia. O Estado Social está sendo consciente e deliberadamente desestruturado para a restauração do Estado do Capital e do mercado. Hoje sofremos fortes consequências pelo fato do país não ter investido em educação, ciência e tecnologia no passado. A suspensão ou retração das políticas e programas vigentes condenará nosso Brasil a mais um século de atraso e estagnação.

As consequências para o campo da educação são imediatas, diretas e de forte impacto no presente e no futuro do Brasil. Já temos uma das maiores demandas educacionais do mundo (45% da população precisa de educação); temos um déficit educacional histórico acumulado que deveria envergonhar a elite, os governantes e a própria sociedade; nosso investimento é insuficiente conforme estudos já demonstram; nossas condições de ensino na escola pública são precaríssimas; nossos professores possuem os piores salários das categorias com formação superior; inexistem políticas e programas educacionais que resistam a alternância de governos e, pasmem, não temos um projeto nacional de educação pelo qual todos acreditem e lutem. Cada governo altera a Constituição, a LDB, extingue e ignoram planos e programas aprovados pelo Congresso, enquanto nós assistimos e compactuamos passivamente.

Em países que hoje são referência positiva na educação – da Dinamarca a Finlândia, do Japão a Correia do Sul, do Canadá aos EUA, do Uruguai ao Chile – o projeto de educação é da Nação e não de governos transitórios, ou seja, é de todas as pessoas, do povo. Seja nestes países, assim como nas melhores universidades – públicas e comunitárias –, bem como nas melhores escolas, todos possuem clareza que a qualidade da educação requer investimentos expressivos, professores valorizados, alunos e pais protagonistas dos processos educativos.

A conivência ou omissão com projetos que comprometem o presente e o futuro de mais de 50 milhões de adolescentes e jovens, em escolas públicas pauperizadas para estudantes oriundos de classes populares, é um projeto das elites e uma irresponsabilidade que jamais poderíamos aceitar passivamente.

Saber que jovens ocupam as suas escolas e nada melhora; que professores marcham pelas ruas e sequer nos sensibilizamos; que universidades estão fechadas por falta de verbas para manutenção e nos resignamos; que milhares de obras em creches estão inacabadas e, ainda assim, permanecemos na posição cômoda de braços cruzados, é uma revelação de que a educação não é um ideal pelo qual lutamos. Caso contrário, ao invés de assistir, iríamos às ruas lutar com e pelos professores!, que, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), após grande paralisação do dia 15 de março, permanecem em greve “ao menos em 15 estados” lutando contra as reformas em curso.

Bernard de Chartre, medievalista, já propugnava: “subamos nos ombros dos gigantes para olhar mais distante, para ver ainda mais longe! Mas, ao subirmos, cultivemos a humildade que convém, a de poder reverenciar aqueles que nos sustentaram em seus ombros, para que pudéssemos ver mais longe e enxergar melhor as coisas. Aprender é, pois, subir nos ombros de gigantes, com reverência e humildade. Ensinar, por conseguinte, é permitir generosamente que crianças e jovens subam em seus ombros, com autonomia e liberdade!”.

* Gabriel Grabowski | Filósofo, doutor em Educação, professor e pesquisador.

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