OPINIÃO

Perdão, recenseadores: o brasileiro está com medo

Por Moisés Mendes / Publicado em 26 de agosto de 2022

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil 4

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil 4

Por que as pessoas estão com receio de receber os recenseadores do IBGE? Porque os brasileiros estão com medo de qualquer coisa, que se mexa ou não, que fale ou que apenas finja que ouve.

O Estado, que deveria proteger as pessoas comuns com polícia, Ministério Público e Justiça, só protege os poderosos.

No Brasil, desde o golpe de 2016, só os poderosos não temem nada, porque o que eles perderem hoje, se perderem, ganharão em dobro amanhã.

Por isso só os muito cruéis atacam e criticam sem piedade quem sente medo ao ouvir no portão ou no interfone que alguém quer saber da sua vida.

As pessoas têm o direito de ter medo, porque se sentem desprotegidas pelo que ainda chamam de setor público e pelas instituições.

Os bandidos estão soltos, com muitos disfarces, como uma pilantra que tentou me convencer de que eu tinha caído num golpe do empréstimo bancário na quinta-feira à tarde.

Durante mais de meia hora, sob tensão, me dediquei depois a telefonar e desvendar com o banco o que era aquilo e o que poderia ter acontecido.

Com voz macia, com articulação, com polidez, a pilantra me cercou. Sabia meu CPF, meu banco, detalhes da minha vida. Não eram dados genéricos, eram dados pessoais.

Sou o cara mais desconfiado da Aberta dos Morros. Cortei o golpe na arrancada, sempre em dúvida, porque a conversa era fluida e sedutora. Sei de amigos quer caíram nesse
golpe.

Por isso as pessoas temem falar com estranhos. Porque os golpes prosperam, a polícia não dá conta de tanta fraude e o Ministério Público está amarrado a um sistema de Justiça precário para o cidadão comum.

As pessoas estão com medo do que não tinham antes. Têm cada vez mais medo da polícia que põe o coturno no pescoço de mães pobres e negras e mata jovens negros, crianças negras, gays e todos os que considera diferentes.

As pessoas têm medo de vizinhos como nunca tiveram antes. Temem quem as aborda na rua, quem olha no ônibus e quem telefona não se sabe de onde.

Golpistas com a voz mansa, como a dessa moça que me ligou, são bandidos que o bolsonarismo tirou do armário. Porque estão desempregados, estão sem perspectiva ou são bandidos mesmo.

Dito isso, esclareço. Vou receber o pessoal do Censo com a cordialidade que ainda me resta nesse país em que a bandidagem e o fascismo nos assustam e nos brutalizam.

 

Moisés Mendes é jornalista. Escreve quinzenalmente para o jornal Extra Classe.

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