OPINIÃO

Precisamos falar sobre radicalização nas escolas

Por Marcos Rolim / Publicado em 14 de março de 2023

Foto: Tânia Rêgo/ ABr

Foto: Tânia Rêgo/ ABr

A realidade política do Brasil, especialmente naquilo que diz respeito ao fenômeno da radicalização, coloca complexos desafios para a democracia, o que também se desdobra em sala de aula, como muitos professores devem estar percebendo.

Para situar precisamente o meu tema, falo de radicalização a partir do conceito apresentado pelo professor John Horgan, em 2009, como “um processo social e psicológico de experimentar um crescente compromisso com uma ideologia política ou religiosa extremista que pode conduzir, ou não, à violência, mas que é um dos fatores de risco para tanto”.

Processos de radicalização podem ocorrer a partir de plataformas ideológicas variadas. Dois desses processos, entretanto, destacam-se atualmente: o terrorismo jihadista e o de grupos de extrema-direita.

Nos estudos internacionais, se reconhece que os eventos de grande repercussão produzidos por grupos radicais islâmicos, como o atentado às Torres Gêmeas, acabaram contribuindo para que o crescimento da extrema-direita e o fenômeno do terrorismo de grupos radicalizados cristãos se situassem em uma zona de “baixa visibilidade”.

Isso mudou depois de 22 de julho de 2011 em que um “lobo solitário” de perfil neonazista explodiu um prédio do governo em Oslo e, depois, dirigiu-se à ilha de Utøya, onde jovens do Partido Trabalhista faziam um encontro, executando 69 deles. Desde então, episódios de terror protagonizados por grupos de extrema-direita têm se multiplicado em vários países.

A radicalização promovida pela extrema-direita se dá, basicamente, por esquemas sofisticados de recrutamento on-line. O processo demanda o progressivo desligamento das pessoas de todas as fontes de informação que contradigam a realidade paralela, promovida nas interações virtuais (razão pela qual a mídia independente é alvo de constantes ataques), e aposta em uma mobilização crescente contra um inimigo que, alegadamente, estaria prestes a destruir o país, a família, as igrejas, etc.

Nas plataformas on-line, os algoritmos indicam sempre os conteúdos que mais mobilizam a atenção dos usuários, de forma que quem frequenta espaços em que o ódio é estimulado e onde há avassaladora quantidade de notícias falsas terá sempre doses mais fortes de ódio e mentiras.

Os “engenheiros do caos” produzem, também, mensagens customizadas de modo que pessoas até então afastadas de qualquer ativismo podem ser “fisgadas” por um ponto de contato com uma visão extremista, como um ressentimento ou um preconceito.

Bem, a questão é que jovens, adolescentes e crianças também estão expostos aos riscos da radicalização. Muitas vezes, isso ocorre por derivação, porque seus pais se radicalizaram e o ambiente de socialização primária passa a reproduzir uma ecologia do ódio; mas nem sempre.

No Brasil, temos já muitos casos de adolescentes radicalizados por interação on-line, em fóruns anônimos como os “chans”, que assumiram identidade nazista e que se mobilizaram para a prática de atentados sem que seus pais tivessem percebido o que estava ocorrendo.

É preciso estar atento aos sinais de radicalização dos jovens nas escolas, de forma a evitar eventos como atentados com armas de fogo, por exemplo. Às vezes, alguém ouviu um comentário perturbador a respeito de violência ou percebeu algo ameaçador em uma “story” de um colega no Instagram.

Se houver na escola alguém encarregado de receber esse relato e se todos souberem que há a possibilidade de relato anônimo, isso poderá evitar uma tragédia.

Devemos prevenir a radicalização entre os jovens, entretanto, não apenas por conta dos riscos de atentados, que, afinal, são eventos raros. O desafio é o de evitar a alienação e o sequestro da capacidade crítica dos estudantes, porque a radicalização é um dos caminhos que os conduzirá ao fracasso escolar e à consolidação de personalidades autoritárias.

Um adolescente radicalizado estará disposto a legitimar a violência, ainda que não a pratique; tenderá a reproduzir o negacionismo diante da Ciência, porque sua visão de mundo só se sustenta com base no dogma, não em evidências, e irá sustentar valores e condutas excludentes que, no agregado, reforçarão os privilégios e as características injustas das sociedades contemporâneas.

Não é possível neste espaço detalhar um programa de prevenção à radicalização nas escolas, tema que motiva minha pesquisa, mas assinalo três desafios:

1) Desenvolver a empatia. É preciso estimular a solidariedade e o cuidado desde muito cedo com as crianças e, a depender da abordagem proposta, os jovens tendem a responder muito bem.

2) Assegurar ambientes com diversidade. Adolescentes movimentam-se por lógicas tribais, uma dinâmica importante de definição de identidade, mas que pode e deve ser relativizada por experiências de convívio com “o outro”. A mistura e a dissolução de fronteiras culturais, étnicas e sociais costumam ser decisivas em processos de prevenção à radicalização, porque os radicalizados assumem que o seu grupo é “superior”, ou merece ser mais considerado.

3) Desenvolver a capacidade de escuta. Todos querem sempre se manifestar, todos querem “causar”, mas há raras oportunidades em que os adolescentes podem escutar seus colegas em grupo, com atenção e respeito. Em sua escola, há algum momento para isso? Se não há, precisamos falar a respeito.

Marcos Rolim é jornalista, doutor em Sociologia. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

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