POLÍTICA

Temer e o Estado Mínimo

Por Flávia Bemfica / Publicado em 13 de outubro de 2016

Temer e o Estado Mínimo

Foto: Lula Marques/ AGPT/ Fotos Públicas

Foto: Lula Marques/ AGPT/ Fotos Públicas

Sob o argumento de que fará um governo de austeridade, o governo de Michel Temer (PMDB) coloca em curso um pacote de reformas que muda o modelo de desenvolvimento do país. O Brasil substituirá o modelo ancorado em direitos e deveres sociais, baseado na Constituição de 1988, pelo modelo do Estado Mínimo. As mudanças mexem nos pilares da organização social: direito à saúde, direito à educação, regras do mundo do trabalho e assistência à velhice. Temer também quer repassar ao setor privado o que for possível da atuação em áreas que dizem respeito ao desenvolvimento do país, como obras de infraestrutura e o controle sobre as reservas de pré-sal.

Proposta de Emenda à Constituição do teto
A PEC 241/2016 foi enviada à Câmara quando Michel Temer (PMDB) ainda estava como interino. Ela cria o Novo Regime Fiscal que vigorará por 20 anos. A partir de 2017 a despesa anual não poderá ser superior à despesa primária realizada no ano anterior, corrigida apenas pela inflação. O projeto atinge recursos da saúde e educação. Os críticos apontam como uma espécie de cilada, porque, na prática, o que traz embutido é a redução forçada do Estado, abrindo caminho para que os investimentos privados.

A PEC foi aprovada por 33 votos a 18 na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados no início de agosto. Sete deputados apresentaram voto em separado. Agora, aguarda parecer do relator na Comissão Especial da Câmara criada para analisá-la. O relator é o gaúcho Darcísio Perondi (PMDB), ferrenho defensor do impeachment de Dilma e que, desde o início do processo, tentou mostrar proximidade de Temer. Se a Comissão aprovar o projeto, ele segue para Plenário, onde será apreciado em dois turnos, e depois é encaminhado ao Senado. No dia 18 de setembro, representantes da Campanha Nacional pelo Direito à Educação entregaram na 71ª Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova Iorque um dossiê endereçado à Education Commission sobre a PEC 241 e os anúncios recentes que tratam da extinção de programas e de privatizações.

Reforma da previdência
Na última semana de setembro, Temer considerou que pode deixar a reforma previdenciária para 2017. A decisão ocorreu após o ministro chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, ter afirmado que o texto estava pronto e deveria seguir para o Congresso ainda em setembro. E de o próprio Temer, no início do mês, ter assegurado que enviaria a proposta ao Congresso antes das eleições.

O que há de mais certo, por enquanto, é que a reforma altera de forma substantiva o fim da vida produtiva. Após sua implantação, homens e mulheres, para se aposentarem, precisarão ter menos de 65 anos de idade e ter contribuído para a Previdência por no mínimo 25 anos. O benefício integral só será concedido a trabalhadores que tenham entre 45 anos e 50 anos de contribuição total ou trabalho com carteira assinada. Quem se aposentar com 65 anos de idade e 25 de contribuição receberia cerca de 75% da média salarial, e um ponto percentual a cada ano de contribuição extra até o limite de 100%. Pelo que já foi ventilado, a mudança valeria para homens com menos de 50 anos de idade e mulheres e professores com menos de 45 anos. Aqueles com idades superiores e que não se aposentaram terão uma regra de transição. O governo discute mais de uma possibilidade de regras de cálculo.

A reforma prevê ainda o fim do acúmulo de aposentadoria e pensão por morte. Ante a impopularidade da desvinculação de aposentadorias do salário mínimo, o governo recuou. Mas deve fazer a desvinculação em relação a outros benefícios.

Reforma do ensino médio
No final de setembro, o governo lançou via Medida Provisória a MP 746/2016, uma reforma no ensino médio. A repercussão foi imediata, tanto pela forma autoritária de propor as mudanças, como pelas alterações em si, apontadas como uma forma de desestimular o pensamento crítico. As polêmicas começam pelo fim da obrigatoriedade das disciplinas de Filosofia, Sociologia, Artes e Educação Física. Depois da reação negativa, o governo fez um pequeno ajuste, para que as quatro disciplinas sigam sendo ministradas até o segundo ano letivo após a aprovação da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que deve ocorrer “em meados de 2017”. Mas a garantia de que integrem o currículo foi retirada da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Ou seja, o governo fez de conta que capitulou, mas manteve sua posição inicial. Além disso, a MP estabelece que somente Português, Matemática e Inglês são disciplinas obrigatórias. A justificativa do Ministério da Educação (MEC) é de que os conteúdos essenciais de todas as outras disciplinas acabarão contemplados no conteúdo obrigatório a ser definido pela BNCC.

A MP estabelece também que o ensino médio possa ser organizado em módulos e com um sistema de créditos ou disciplinas, mas não detalhou como. Quanto às escolas e redes de ensino, não serão obrigadas a oferecer as cinco modalidades de ênfase do currículo (Linguagens, Matemática, Ciências da natureza, Ciências humanas e Formação técnica). A Formação técnica e profissional, que passa a ter peso equivalente às outras quatro modalidades, inclui para o aluno a possibilidade de “experiência prática no setor produtivo”. E os professores poderão ser “profissionais com notório saber”. Até então, a lei exigia que eles fossem trabalhadores da educação com diploma técnico ou superior em área pedagógica ou afim. O pacote de mudanças também amplia ‘progressivamente’ a carga horária, que hoje é de 800 horas no ano, para 1.400 horas, sem estabelecer prazo para a ampliação e o mínimo de dias letivos no ano (hoje são 200).

Reforma trabalhista
O objetivo do governo é a flexibilização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de forma que os acordos coletivos entre patrões e empregados possam prevalecer sobre a legislação. A mudança é pleiteada pelas maiores entidades representativas do empresariado, como a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

A proposta do governo tem um alvo: o artigo 7º da Constituição Federal, que elenca 34 direitos de trabalhadores urbanos e rurais e, por isso, abarca uma ampla gama de conquistas obtidas ao longo de décadas, e que vão das regras do FGTS ao tempo de intervalo para o almoço. Entre eles, estão alterações em pontos que tratam do limite da jornada diária de trabalho, banco de horas, redução de salário, alíquotas de adicional noturno e insalubridade, auxílio-creche, salário mínimo para meio-expediente, participação em lucros e resultados, possibilidade de divisão de férias, parcelamento do 13º salário, remuneração quando o trabalhador fica à disposição do empregador e licença-paternidade. Seriam poupadas da reforma as regras em vigor para o seguro-desemprego, o salário-família, a remuneração de 50% acima da hora normal, o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço e a licença-maternidade de 120 dias.

O governo inicialmente assegurava ter pressa em implementar a reforma. Mais uma vez, contudo, se ‘atrapalhou’ na comunicação e voltou atrás depois de o detalhamento de parte das medidas ter recebido críticas contundentes de entidades de trabalhadores e de movimentos da sociedade organizada. A confusão começou no início de setembro quando, após encontro com sindicalistas em Brasília, o ministro do Trabalho, o gaúcho Ronaldo Nogueira (PTB), ter anunciado que a proposta do governo incluía carga horária diária de até 12 horas e possibilidade de contrato de trabalho por horas trabalhadas e por produtividade. Ante a repercussão negativa, o ministro disse que havia ocorrido um mal-entendido. No final do mês, afirmou que a reforma ficará para o segundo semestre de 2017.

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