POLÍTICA

O Brasil subalterno de Bolsonaro visita os EUA

Durante encontro, presidentes trocaram camisetas das seleções de futebol de cada país, Trump recebeu a camisa 10, que foi de Pelé e Bolsonaro a 19
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 19 de março de 2019

 

Durante encontro, presidentes trocaram camisetas das seleções de futebol de cada país, Trump recebeu a camisa 10, que foi de Pelé e Bolsonaro recebeu a de número 19

Foto: Alan Santos/PR

Durante encontro, presidentes trocaram camisetas das seleções de futebol de cada país, Trump recebeu a camisa 10, que foi de Pelé e Bolsonaro recebeu a de número 19

Foto: Alan Santos/PR

A participação praticamente nula do presidente do Brasil Jair Bolsonaro no tradicional momento em que chefes de estado americanos recepcionam outros mandatários na Casa Branca, na opinião de integrantes do Itamaraty ouvidos em condição de anonimato, vai além do óbvio poderio econômico e militar da terra do Tio Sam. Praticamente excluído nas perguntas da imprensa, “a realidade” é que a postura do atual governo brasileiro, desde cedo se colocando em posição secundária, na opinião de diplomatas, contribuiu fundamentalmente para isso. Como exemplo, registram visitas protagonizadas por FHC, Lula e Dilma, para concluir: nunca um presidente brasileiro passou praticamente desconsiderado pelos profissionais da imprensa presentes na ocasião. A exceção foi a rede FOX, que apesar de notória apoiadora do governo Trump até realizou uma entrevista com Bolsonaro, mas não sem antes fazer uma farta reportagem sobre as ligações do clã Bolsonaro e as milícias investigadas por vários crimes, entre eles o assassinato de Marielle Franco, em 14 de março de 2018.

Em sua única fala, no momento protocolar concedido ao presidente visitante, Bolsonaro demonstrou que não desceu ainda do palanque. Falando mal dos ex-presidentes Lula e de Dilma, disse que “depois de 30 anos de governos antiamericanos”, ele estava lá para buscar resgatar o que considera um atraso nas relações entre os dois países. Após o almoço e o encontro entre os dois presidentes, na coletiva concedida nos jardins da Casa Branca, o cenário pouco mudou: Trump continuou sendo o mais procurado pelos jornalistas, enquanto para Bolsonaro coube perguntas sobre um possível apoio a uma intervenção militar na Venezuela. Apesar de um dia afirmar que conta “com a capacidade bélica dos EUA para libertar o povo venezuelano”, Bolsonaro manteve-se de forma dúbia.

A fala de Bolsonaro que se ufanou de ser o primeiro presidente não antiamericano nas últimas décadas, foi inclusive motivo de crítica do jornalista Guga Chacra, comentarista de política internacional da Globonews. “Quem tem uma postura antiamericana é o Irã, o Maduro. O Brasil nunca teve uma postura antiamericana”, disse o jornalista que ainda registrou uma preocupação já verificada no dia de ontem, 18, na Câmara de Comércio dos Estados Unidos.

Pátria amada, porém à venda

Para o comentarista da Globonews, Bolsonaro optou em falar aos investidores americanos presentes no encontro da Câmara de Comércio americana mais da admiração que nutre por Trump, por seu governo, do que falar das relações entre Brasil e EUA, o que em sua opinião é um perigo para o país, pois o mandatário brasileiro compra uma indisposição desnecessária com o Partido Democrata, que depois de anos retomou a presidência da Câmara dos Deputados, impondo uma derrota à Trump e se colocando em uma posição extremamente competitiva para as eleições presidenciais que acontecem em 2020.

Ainda no evento realizado na Câmara de Comércio dos EUA, Bolsonaro escorregou – além de um momento ter se referido “aqui no Canadá” – em outra informação. Ao procurar citar identidades dos Brasileiros com os americanos, o presidente do Brasil disse que ambos os povos são conservadores e religiosos, ao buscar identificar nisso o resultados da sua eleição e a de Trump. De fato, Bolsonaro esqueceu-se que no voto popular o americano perdeu para a Democrata Hillary Clinton (a eleição do presidente dos EUA se dá em colégio eleitoral, diferentemente do Brasil) e que Trump não é declaradamente religioso, além de ainda ser perseguido pelo fantasma da contratação de prostitutas durante sua campanha, o que quase lhe rendeu um processo de impeachment.

Um dos primeiros eventos oficiais da comitiva brasileira nos EUA, o encontro na Câmara de Comércio teve um ministro da Economia, Paulo Guedes, falando o triplo do templo do que a figura presidencial. Guedes, que entre elogios a Bolsonaro, arrancou risos e aplausos quando disse que o presidente tem “balls” (colhões) para encaminhar a reforma de Previdência antes de completar 100 dias de governo, disparou  “eu amo os Estados Unidos, estudei aqui; nosso presidente ama os Estados Unidos” para enfatizar seu real interesse de estreitar relações comerciais, consolidando seu apelo com: “Semana passada vendemos 12 aeroportos, agora vamos vender o pré-sal. Queremos fazer negócios”.

Para um experiente diplomata brasileiro, se a “franqueza” de Guedes cai bem na iniciativa privada, do ponto de vista da diplomacia pode se considerar uma exposição desnecessária. “Se é isso que o novo chanceler quer dizer como mudar os paradigmas, estamos indo para um caminho muito errado”, diz ao afirmar que o Brasil por si só já é grande o suficiente e não precisa usar um linguajar que o rebaixe perante a comunidade internacional. “Usar, como disse o ministro ‘quem nos inspira’ não quer dançar com a gente é algo realmente lamentável”, conclui.

Visitando a CIA

Mas se no primeiro dia em Washington teve, além do anúncio de vendas no Brasil e a declaração pública de amor de Bolsonaro a Paulo Guedes, além das já costumeiras críticas a Lula, uma agenda não oficial de Bolsonaro chamou a atenção de outro diplomata: a “visita de cortesia” do presidente do Brasil à CIA (Agência Americana de Inteligência). “Foi ridículo”, desabafa.

Para o membro do Itamaraty, “você já imaginou o presidente de qualquer país que seja vir fazer uma visita de cortesia a Abin?” (Agência Brasileira de Inteligência. Para ele existe um princípio hierárquico que tem que seguir o mínimo da razoabilidade. “Se alguém deveria fazer uma visita de cortesia à CIA, deveria ser o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o ministro da Justiça, por causa da Polícia Federal, mas o presidente da República?”, afirma. Segundo esse diplomata, ouve-se no Itamaraty que Bolsonaro ainda passou pelo constrangimento de ver se a agência americana aprovaria ou não a visita, por motivos de segurança. “A dela”, exclamou.

Vistos e apoio eleitoral

Outro ponto criticado pelos diplomatas ouvidos por Extra Classe foi o decreto presidencial que dispensa visto de entrada no Brasil para turistas dos Estados Unidos, Canadá, Japão e Austrália, medida que entra em vigor a partir do dia 17 de junho e foi preparada para coincidir com a visita oficial de Bolsonaro aos Estados Unidos. Para eles, o princípio reciprocidade é um instrumento praticamente milenar e extremamente eficaz para a resolução até de conflitos.

Outro ponto polêmico, para os diplomatas, foi quando na coletiva nos jardins da Casa Branca Bolsonaro indagado por um jornalista americano sobre a futura eleição nos EUA, como via a possibilidade de um Democrata novamente no governo, apesar de afirmar que era um assunto interno Bolsonaro deixou claro sua predileção: “Acredito piamente na reeleição do presidente Donald Trump”, seguido de um “Obrigado” de seu colega americano.

Consultor considera visita precipitada

Residente nos EUA há muitos anos, Carlo Barbieri, presidente da consultoria financeira Oxford Group, disse ao portal Poder360 que a visita de Jair Bolsonaro aos EUA foi precipitada. Ele entende que o Brasil precisa se entender internamente antes de firmar acordos comerciais com os americanos.

Critico da influência de Olavo de Carvalho sobre o governo de Bolsonaro, para Barbieri “Há uma superposição desse senhor que se diz ideólogo da campanha do Bolsonaro e a intromissão indevida dele no governo brasileiro. Aqui nos Estados Unidos nós chamamos essas pessoas de ‘troublemakers’, pessoas que criam mais problemas do que oferecem soluções. Tem que ter humildade. Eu vejo o Olavo hoje como grande criador de problemas para a nossa política interna e externa”, afirmou.

Olavo de Carvalho foi um dos convidados para o jantar na casa do embaixador do Brasil nos EUA, Sergio Amaral, e acabou transformando-se no centro das atenções. Na ocasião também esteve presente o ex-estrategista da campanha de Trump, Steve Bannon.

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