POLÍTICA

100 dias de Bolsonaro

Polêmicas quase diárias nas redes sociais, posturas incompatíveis com a função, gafes na política externa e tentativas de revisionismo de fatos históricos marcam os primeiros cem dias do governo
Por Flavia Bemfica / Publicado em 8 de abril de 2019

 

Foto: Alan Santos/PR

Foto: Alan Santos/PR

Polêmicas quase diárias nas redes sociais, posturas incompatíveis com a função, gafes na política externa e tentativas de revisionismo de fatos históricos marcam os primeiros cem dias do governo de Jair Bolsonaro. Enquanto isso, o desemprego aumenta, a economia não avança e a Educação está paralisada

Caso Fabrício Queiroz

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Em dezembro O Estado de São Paulo revela que o Coaf apontou movimentações atípicas e incompatíveis (R$ 1,2 milhão) em contas de Fabrício Queiroz, ex-policial militar, ex-assessor de um dos filhos de Jair Bolsonaro, Flavio Bolsonaro (PSL/RJ), quando este era deputado e amigo da família. Um depósito de R$ 24 mil foi para a primeira-dama Michele Bolsonaro. O Jornal Nacional mostra que oito funcionários repassavam dinheiro a ele, em datas próximas ou de pagamento na Alerj. Entre eles sua filha, Nathália Queiroz. Ela trabalhou para Flávio e depois para Bolsonaro na Câmara, em Brasília, até outubro. No mesmo período, era personal trainer no RJ. O MP do RJ investiga prática de ‘rachadinha’, quando funcionários devolvem parte dos salários, e existência de fantasmas. Queiroz falta a dois depoimentos alegando motivos de saúde, mas dá entrevista ao SBT dizendo que negociava carros. Viraliza nas redes seu vídeo dançando durante internação. Flavio não vai depor e tenta transferir seu caso para o STF, sem sucesso. O Globo publica que a movimentação financeira do assessor chegou a R$ 7 milhões de 2014 e 2017. Em janeiro, o Jornal Nacional mostra que o Coaf identificou 48 depósitos suspeitos na conta de Flavio em um mês. Queiroz envia depoimento por escrito. Alega que gerenciava salários de outros servidores e usava parte para contratar informalmente pessoas e turbinar a atuação de Flávio, sem o conhecimento deste. A investigação segue.

Candidaturas suspeitas e queda de Bebianno

Foto: Reprodução

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Em fevereiro a Folha de São Paulo publica série de matérias sobre candidaturas de ”laranjas” no PSL nas eleições de 2018. Primeiro surgem os casos em Minas Gerais, onde o atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, então presidente estadual, teria patrocinado o esquema. Na sequência, é revelado caso em Pernambuco. A situação atinge o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno. Então muito próximo de Bolsonaro, Bebianno ocupava a presidência nacional do PSL na campanha, respondendo pelos repasses. Bebianno assegura que não há crise e que falou com o presidente, então internado no hospital Albert Einstein. Mas o vereador Carlos Bolsonaro (PSC/RJ), segundo filho do presidente, desmente Bebianno via twitter, dizendo que ele não falou com o pai, e divulga um áudio do último. Bolsonaro compartilha as mensagens do filho nas redes sociais. Em entrevista à Record, reafirma que não falou com o ministro. Bebianno é exonerado. Na sequência, a Veja publica conjunto de áudios que comprovam que Bebianno falou com Bolsonaro pelo whatsApp. Neles o ex-ministro atribui ao deputado federal Luciano Bivar, que domina a sigla em PE e só deixou a presidência nacional na campanha, a responsabilidade pelo caso no estado. Em MG as investigações estão com a PRE e a PF. Em PE o TRE autoriza abertura de inquérito pela PF.

Caso Marielle e proximidades com criminosos

Polêmicas quase diárias nas redes sociais, posturas incompatíveis com a função, gafes na política externa e tentativas de revisionismo de fatos históricos

Foto: Reprodução

Polêmicas quase diárias nas redes sociais, posturas incompatíveis com a função, gafes na política externa e tentativas de revisionismo de fatos históricos

Foto: Reprodução

Em março a Polícia Civil e o MP do Rio de Janeiro prendem o PM reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz pelos assassinatos da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes. Lessa seria o autor dos 13 disparos e Queiroz estaria dirigindo o carro. Movimentos nacionais e internacionais cobram a identificação dos mandantes. A informação de que Lessa morava no mesmo condomínio de Bolsonaro, na Barra da Tijuca, e uma foto do presidente com Queiroz geram novas especulações sobre a proximidade da família Bolsonaro com as milícias. Em janeiro, em outra operação, sobre a atuação das milícias em Rio das Pedras, zona oeste do Rio, a polícia e o MP haviam prendido o major Ronald Paulo Alves Pereira. Outro alvo, o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, fugiu. Nóbrega foi homenageado duas vezes por Flávio Bolsonaro (PSL/RJ) na Alerj. Em 2003, uma moção de louvor. Em 2005, preso, a Medalha Tiradentes, a mais alta honraria da Assembleia. Em 2007 sua esposa começou a trabalhar no gabinete de Flávio, onde ficou até novembro. A mãe do ex-Bope também ocupou cargo no gabinete até novembro, e está entre os que depositaram dinheiro na conta de Fabrício Queiroz. Para Pereira, em 2004, Flávio também pediu moção de louvor. Na época o major já era apontado como autor da chacina de Via Show. Em 2015 Flávio foi o único deputado a votar contra a CPI dos autos de resistência. Em 2018 outra funcionária sua na Assembleia, irmã de dois milicianos presos (ambos ex-policiais), recebeu autorização para assinar cheques de despesas da campanha ao Senado.

Política externa

Foto: Alan Santos/PR

Foto: Alan Santos/PR

Em janeiro, em sua estreia no exterior no Fórum Econômico Mundial em Davos, Bolsonaro faz um discurso curto (6 minutos) e superficial. Em fevereiro, em ato em Itaipu, chama Alfredo Stroessner de estadista. O ditador comandou o Paraguai de 1954 e 1985: além das prisões, torturas, exílios e mortes, protagonizou casos de pedofilia e abuso sexual e era próximo ao narcotráfico. Em março, a visita aos Estados Unidos é marcada pela admiração incontida de Bolsonaro a Donald Trump. O brasileiro anuncia medidas de como abrir mão das condições diferenciadas que tem na OMC, isentar norte-americanos de visto e conceder a base de Alcântara. Em troca recebe promessas de apoio. Em entrevista à Fox News, diz que a maioria dos imigrantes não têm boas intenções. Seu filho, o deputado federal Eduardo (PSL/SP), afirma que brasileiros em situação ilegal nos EUA são uma vergonha. Neste mês de abril, em visita a Israel, Bolsonaro anuncia a criação de um escritório comercial em Jerusalém (no lugar da prometida embaixada) e quebra o protocolo diplomático, visitando o Muro das Lamentações acompanhado do primeiro-ministro israelense. O governo segue com posições ambíguas em relação à Venezuela e à China.

Polêmicas no Twitter

Foto: Reprodução

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Na terça-feira de Carnaval, Bolsonaro posta em sua conta no twitter um vídeo obsceno protagonizado por dois homens, ambos em cima de um abrigo de ponto de táxi. Durante a passagem de um bloco de rua em São Paulo um dos homens dança e introduz o dedo no próprio ânus. Na sequência, o segundo homem urina na cabeça do primeiro. Bolsonaro diz que “é isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro”. A postagem gera grande polêmica. Bolsonaro é criticado por postura incompatível com o cargo, por divulgar e republicar conteúdo pornográfico e por aumentar em muito o número de acessos, inclusive entre crianças. Inicialmente, a postagem não possuía o aviso de ‘conteúdo sensível’. Um dia depois, de novo no twitter, Bolsonaro pergunta: “O que é golden shower?”. O presidente e o país são motivo de piada na imprensa internacional. A defesa dos homens do vídeo ingressa com mandado de segurança no STF para que o presidente exclua as imagens. Bolsonaro apaga o vídeo e a pergunta.

Briga com Rodrigo Maia

Foto: Antônio Cruz/ABr

Foto: Antônio Cruz/ABr

Em 20 de março o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ) e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, começam um embate público sobre a autonomia do Legislativo e a tramitação do pacote anticrime de Moro. No dia seguinte, a Lava Jato prende o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o ex-ministro Moreira Franco (MDB). Moreira é sogro emprestado de Maia. Nas redes sociais, bolsonaristas atacam Maia. O deputado critica a falta de articulação de Bolsonaro no Congresso e abandona o papel de fiador da reforma da Previdência do governo. Bolsonaro, no Chile, vincula Maia à ‘velha política’ e diz que ele está com “problemas pessoais”. O guru Olavo de Carvalho posta mensagens ofensivas a Maia no twitter. A Câmara aprova em votações-relâmpago a PEC que retira do governo poder sobre o orçamento. Uma semana após o início da crise, Maia tem encontros com Moro e com o ministro da Economia, Paulo Guedes. E tranquiliza investidores. Integrantes do Executivo e Legislativo falam publicamente em trégua. E, nos bastidores, em uma articulação sem Bolsonaro.

Golpe de 1964 e nazismo

Foto: Arquivo Nacional/Reprodução

Foto: Arquivo Nacional/Reprodução

No final de março, Bolsonaro determina a realização de ‘comemorações devidas’ para o golpe de 1964, no dia 31, em unidades militares. A reação é forte. Para além da sociedade, ONU e Anistia Internacional se manifestam. A Defensoria Pública da União ingressa judicialmente contra a medida. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão emite nota pública. No dia 29 uma juíza da 6ª Vara Federal em Brasília proíbe a comemoração. A AGU recorre e uma desembargadora da 1ª Região derruba a proibição. Na prática, os quartéis fizeram seus eventos na sexta, 29. Publicamente, Bolsonaro recua, dizendo que falava em ‘rememorar’ e não ‘comemorar’. No dia 31 o Planalto divulga por um número oficial de whatsApp, acessado por jornalistas cadastrados, um vídeo celebrando o golpe. O número em geral envia mensagens de utilidade pública e notícias. No dia 2 um empresário assume a autoria do vídeo. Nem ele e nem o Planalto explicam como foi distribuído em canal oficial. A tentativa revisionista sobre o golpe não é a única de Bolsonaro. Em Israel, após visita ao Museu do Holocausto, ele repete a tese bizarra usada por parte da extrema-direita para enganar perturbados: a de que o nazismo foi um movimento de esquerda.

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