POLÍTICA

Troca de mensagens entre Moro e procuradores coloca credibilidade da Lava Jato em xeque

The Intercept começa a sofrer ataques e editor-executivo revela que até agora só 1% do material recebido foi analisado e publicado
Por Marcelo Menna Barreto e César Fraga / Publicado em 10 de junho de 2019
O ministro da Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro, abandonou coletiva em Manaus na manhã desta segunda-feira, 10, após ser questionado sobre mensagens dele com procuradores quando era juiz da Lava Jato

Foto: Marcelo Camargo/ ABr

O ministro da Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro, abandonou coletiva em Manaus na manhã desta segunda-feira, 10, após ser questionado sobre mensagens dele com procuradores quando era juiz da Lava Jato

Foto: Marcelo Camargo/ ABr

As mensagens trocadas entre o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol que revelam colaboração no andamento da operação Lava Jato, em especial nos processos que culminaram com a condenação do ex-presidente Lula, denunciadas pelo site jornalístico internacional The Intercept prometem agitar o ambiente político brasileiro nos próximos dias.

Segundo a coluna Painel da Folha de São Paulo, membros do Supremo Tribunal Federal (STF) afirmaram que o conteúdo das revelações é forte e abre margem para questionar a atuação do atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro como juiz. Já para especialistas em estratégia digital, a Operação Lava Jato está batendo de frente com um jornalista que enfrentou o poder do governo dos Estados Unidos e nos próximos dias seu poder político, jurídico e midiático vai mirar muito forte no The Intercept e em seu fundador.

Para o colunista Guilherme Amado da revista Época, é outra a possibilidade que está deixando o centro do poder em pânico neste momento.

“Se os jornalistas do Intercept Brasil de fato tiveram acesso a todo o arquivo do Telegram de Moro, qualquer pessoa pública — do STF, do Ministério Público Federal (MPF) F, do Planalto ou de partidos políticos, entre outros — que tenha trocado mensagens com Moro poderá passar por momentos constrangedores para explicar eventuais transgressões, vieses ou simplesmente palavras mal colocadas”, afirma.

Amado é integrante do programa de bolsas de jornalismo John S. Knight da Universidade de Stanford (EUA) e membro do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos.

Para o professor e pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) e do Centro de Política e Economia do Setor Público da FGV-SP, Sérgio Praça, Sergio Moro precisa renunciar ao cargo de ministro da Justiça.

Na opinião de Praça, que também é colunista da revista Exame, ao contrário do que afirmou o MPF de Curitiba em nota logo após a divulgação das mensagens pelo The Intercept, o material denunciado “não é um ‘ataque’ à Operação Lava Jato. É o que permite a nós, cidadãos, termos acesso a como decisões de altíssima relevância pública são tomadas”, diz.

Comunicação frágil e tentativa de descrédito

Na opinião de Lucio Uberdan, consultor de posicionamento político em ambiente de internet e diretor da Bateia – Mineração de Dados, conversas em rede “são sempre frágeis pois basta um elo (pessoa, telefone, conta digital) da rede ser descuidado e ela um dia vai desmoronar”.

O especialista acredita ser pouco provável que o hackeamento dos dados “se existiu” tenha sido feito no Telegram e diz que a Lava Jato “bateu de frente em muro chamado Glenn Greenwald e Intercept”.

Segundo Uberdan, Greenwald que ganhou o Prêmio Pulitzer em 2014 por revelar a rede de espionagem internacional do governo americano na internet enfrentou o governo americano, a NSA e a CIA com a equipe do The Guardian no caso Snowden.

“Não será a Lava Jato que fará o trem parar. Segundo relatos o volume de conteúdo (áudios, textos e imagens) que o Intercept recebeu é gigantesco e fica mais do que provado que Moro e MPF agiam juntos pela condenação de Lula mesmo reconhecendo a falta de provas”, afirma ao apontar que, em seu entendimento, “nos próximos dias o ‘poder Lava Jato (político/jurídico/midiático) vai mirar muito forte no Intercept e no Glenn”.

O Pulitzer é a maior láurea do jornalismo norte-americano e é considerado o Nobel da imprensa mundial. Concedido desde 2017 também para as áreas de literatura e música a premiação é administrada pela Universidade de Colúmbia, em Nova York.

Editor do site no Brasil, Leandro Demori, disse que o conteúdo recebido da fonte anônima que deflagrou o início do trabalho jornalístico há uma semana é maior do que o caso Snowden

Foto: Divulgação

Editor do site no Brasil, Leandro Demori, disse que o conteúdo recebido da fonte anônima que deflagrou o início do trabalho jornalístico há uma semana é maior do que o caso Snowden

Foto: Divulgação

A tese de Uberdan, na realidade, começou a se concretizar momentos após a revelação do The Intercept. Apesar do conteúdo explosivo, a imprensa nacional em geral deu cobertura comedida, registrando as matérias do site e dando maior exposição à nota de defesa do MPF de Curitiba que, segundo o pesquisador Sérgio Praça, tudo até o momento indicava que os procuradores ainda não teriam tido o tempo de “ler nada publicado pelo The Intercept”.

Quando a #VazaJato em menos de uma hora chegou à primeira posição do trends topic brasileiro e quarto mundial, apoiadores de Bolsonaro saíram em defesa de Moro.

Entre os mais exaltados, o cineasta Josias Teófico, responsável por um filme sobre o guru do clã Bolsonaro, Olavo de Carvalho, disse em seu Twitter:  “o Intercept tem que ser fechado, os responsáveis presos e Glenn Greenwald tem que ter seu visto brasileiro cassado”.

Mas tudo indica que Uberdan ainda está certo e, na realidade, mais do que um muro o The Intercept e seu fundador é um trem poderoso em movimento. Em entrevistas concedidas nessa manhã, o editor do site no Brasil, Leandro Demori, disse que o conteúdo recebido da fonte anônima que deflagrou o início do trabalho jornalístico há uma semana é maior do que o caso Snowden, que deu o Pulitzer à Glenn Greenwald, e que até o momento o fundador do The Intercept e sua equipe conseguiram apurar e divulgar somente 1% do material.

Sobre a ética jornalística na #VazaJato

Na opinião de Luiz Artur Ferraretto, doutor em Comunicação e professor no curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), os jornalistas do The Intercept não descumpriram normas éticas ou técnicas da profissão “como começam a tentar fazer crer os envolvidos nos fatos relatados pela série de reportagens do site”. Segundo Ferraretto, o código de Ética Profissional é claro, o artigo Art. 5°diz: “É direito do jornalista resguardar o sigilo da fonte”.

O atual ministro da Justiça estaria errado, portanto, ao criticar em nota, a falta de indicação da fonte das informações. “O fato de os jornalistas não terem entrado em contato com Sergio Moro antes da publicação das reportagens até pode ser considerado um deslize. De fato, entram em choque os artigos 5º e 12 do Código de Ética”, explica.

Diz o Art. 12 que “o jornalista deve ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, o maior número de pessoas e instituições envolvidas em uma cobertura jornalística, principalmente aquelas que são objeto de acusações não suficientemente demonstradas ou verificadas”.

No entanto, o professor questiona: “é possível garantir que não teria ocorrido uma tentativa de censura à publicação do material caso o governo tomasse conhecimento de seu conteúdo?”.

E vai além, “o descumprimento, portanto, desse parâmetro pode ser explicado em função do exposto no artigo 2º do Código de Ética: “Como o acesso à informação de relevante interesse público é um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir que ele seja impedido”. Fora isso, cabe observar, ainda, que o artigo 8º estipula ser o jornalista “responsável por toda a informação que divulga”.

“Dessa forma, resulta curiosa a preocupação do ministro com a atividade da imprensa. Moro parece fingir ignorar que, mesmo antes da posse, o governo do qual faz parte já impedia o acesso de jornalista a coletivas e a cerimônias, desrespeitando o acesso à informação pública, um dos pilares da democracia”, conclui.

Ato pediu liberdade para Lula em frente ao TRF4, sede da primeira condenação do ex-presidente por Moro

Foto: Igor Sperotto

Ato pediu liberdade para Lula em frente ao TRF4, sede da primeira condenação do ex-presidente por Moro

Foto: Igor Sperotto

Protestos no TRF4 em Porto Alegre

Manifestantes se concentraram em frente à sede do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, por volta de meio-dia desta segunda-feira, 10, e reivindicaram liberdade para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso junto à sede da Polícia Federal em Curitiba, no Paraná.

Com bandeiras, faixas e cartazes, o grupo de cerca de 50 pessoas fez críticas e pediu a prisão do ministro da Justiça Sergio Moro, que atuou como juiz da Operação Lava Jato, em virtude do vazamento de mensagens que mostram que o ex-juiz incidiu sobre o trabalho do MPF.

Organizado pela CUT-RS, Rede Soberania, Partido dos Trabalhadores e Comitê Suprapartidário, entre outras entidades, o movimento seguiu em caminhada até a Esquina Democrática, no centro da Capital. A escolha da sede do TRF4 para a manifestação remete à primeira condenação em segunda instância no processo que inviabilizou a candidatura de Lula à presidência.

Em janeiro de 2018, os desembargadores João Pedro Gebran, Leandro Paulsen e Victor dos Santos Laus mantiveram a sentença imposta a Lula pelo então juiz federal Sergio Moro. No julgamento do TRF4, os desembargadores consideraram o petista culpado pelos crimes de corrupção passiva e obstrução de justiça e aumentaram a pena, de nove anos e seis meses para doze anos e um mês de prisão em regime fechado.

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