POLÍTICA

Ricardo Salles pede demissão do ministério do Meio Ambiente

Investigado pelo STF por facilitação do contrabando de madeira da Amazônia, ex-ministro permaneceu dois anos e meio no cargo e fez gestão antiambientalista
Por Gilson Camargo / Publicado em 23 de junho de 2021
Ricardo Salles deixa o cargo sob pressão, em meio a investigações do STF

Foto: TV BrasilGov/ Reprodução

Ricardo Salles deixa o cargo sob pressão, em meio a investigações do Supremo Tribunal Federal

Foto: TV BrasilGov/ Reprodução

O advogado Ricardo Salles pediu demissão do cargo de ministro do meio ambiente. O desligamento foi apresentado ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no final da tarde desta quarta-feira, 23. O ato de exoneração e a nomeação do ruralista Joaquim Álvaro Pereira Leite como novo ministro do Meio Ambiente foram publicadas em edição extra do Diário Oficial da União. Nomeado em 2019 como secretário da Amazônia e Serviços Ambientais, Leite é alinhado com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e foi conselheiro da Sociedade Rural Brasileira (SRB).

No cargo desde o início do governo, em janeiro de 2019, Salles é alvo de investigações no Supremo Tribunal Federal (STF). Em coletiva na saída do Palácio do Planalto, ele alegou motivos familiares para deixar o cargo e atribuiu as investigações a “ideias divergentes” que adotou na pasta. “Experimentei ao longo destes dois anos e meio muitas contestações, tentativas de dar a essas medidas caráter de desrespeito à legislação, o que não é verdade”, disse.

Passando a boiada

Nesses dois anos e meio, o ex-ministro fez uma gestão marcada pelo enfrentamento a parlamentares, organizações não-governamentais e comunidade internacional em relação às questões ambientais, além de tentar impor a todo custo a pauta antiambientalista de Bolsonaro – de desmonte da dos órgãos de fiscalização e facilitação do desmatamento e do garimpo.

Em uma reunião ministerial no Palácio, em 22 de abril, foi flagrado no momento em que propunha que o governo aproveitasse a pandemia para impor forçar a pauta “desenvolvimentista”. “Precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de covid, e ir passando a boiada, e mudando todo o regramento (ambiental), e simplificando normas”, diz Salles em um vídeo que teve a maior repercussão da sua gestão.

O ministro também enfrenta um processo junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), em que é acusado de relação com esquema de desvio de madeira ilegal.

Contrabando de madeira

Ex-ministro tentou liberar madeiras apreendidas na maior operação da PF

Foto: Exército Brasileiro/ Divulgação

Ex-ministro tentou liberar madeiras apreendidas na maior operação da PF

Foto: Exército Brasileiro/ Divulgação

Ricardo Salles é alvo de inquérito autorizado pelo STF a pedido da Procuradoria Geral da República (PGR) por obstrução às investigações sobre a maior apreensão de madeira feita no país. A suspeita foi levantada pela Polícia Federal. O ex-ministro nega as acusações.

No final de dezembro do ano passado, a Polícia Federal confiscou mais de 40 mil toras de madeira nativa extraída da Amazônia, operação que foi considerada a maior da história do país. O volume apreendido passou de 200 mil m3 de madeira, que foram localizadas na divisa entre os estados do Pará e do Amazonas.

A descoberta da carga se deu depois que uma balsa com documentação irregular foi encontrada em novembro, navegando no rio Mamuru, na área do município amazonense de Parintins. A partir daí, a Polícia Federal (PF) começou a investigar o movimento de madeireiros com a ajuda de imagens de satélite.

No início de abril, o então ministro esteve no Pará para fazer uma “verificação” da madeira apreendida. Depois de se reunir com madeireiros, ele criticou a operação da PF e afirmou que houve falhas na ação e que as empresas proprietárias das toras teriam razão para contestar a investigação.

No dia 19 de maio, a Polícia Federal deflagrou uma operação que teve como alvo o então ministro do Meio Ambiente, empresários do ramo madeireiro e servidores públicos, entre os quais o presidente do Ibama, Eduardo Bim. Os investigadores apuram suspeitas de exportação ilegal de madeira. A PF investiga desde janeiro deste ano suspeitas de crimes como corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando.

Salles posou junto a toras apreendidas pela PF após se reunir com madeireiros suspeitos de crime ambiental

Foto: Ministério do Meio Ambiente/ Divulgação

Salles posou junto a toras apreendidas pela PF após se reunir com madeireiros suspeitos de crime ambiental

Foto: Ministério do Meio Ambiente/ Divulgação

A investigação começou a partir de denúncias feitas por autoridades estrangeiras sobre suposto “desvio de conduta de servidores públicos brasileiros no processo de exportação de madeira”. Salles teve quebrado seu sigilo bancário e fiscal à época. A operação batizada de Akuanduba (divindade indígena tida como protetora da boa humanidade) foi autorizada pelo STF. Em seu despacho, o ministro Alexandre de Moraes afirma que “os depoimentos, os documentos e os dados coligidos sinalizam, em tese, para a existência de grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais, o qual teria o envolvimento de autoridade com prerrogativa de foro nessa Suprema Corte, no caso, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo de Aquino Salles; além de servidores públicos e de pessoas jurídicas”.

Além dessa operação, Moraes também suspendeu um despacho do Ibama (7036900/2020), de fevereiro de 2020, que autorizava a exportação de produtos florestais sem emissão de uma autorização mais rigorosa.

Segundo a notícia-crime apresentada ainda no ano passado contra Salles, arquivada em outubro e reaberta por Moraes, o despacho do Ibama teria “legalizado milhares de cargas que teriam sido exportadas entre os anos de 2019 e 2020, sem as respectivas documentações”. O ministro cita o termo cunhado por Salles: “passar a boiada” e conclui: “Esse referido modus operandi teria sido aplicado na questão das exportações ilícitas de produtos florestais”.

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