POLÍTICA

Suspeitas sobre importação da Covaxin foram levadas a Bolsonaro em março, afirma deputado à CPI

Indícios de superfaturamento e inconsistências em documentos de importação de vacinas indianas apontadas por servidor do Ministério da Saúde não foram investigadas
Por Gilson Camargo / Publicado em 25 de junho de 2021
O deputado bolsonarista Luis Miranda chega à CPI e desembarca do governo: "levei as denúncias àquele que julguei ser a pessoa certa para coibir irregularidades"

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

O deputado bolsonarista Luis Miranda chega à CPI e desembarca do governo: “levei as denúncias àquele que julguei ser a pessoa certa para coibir irregularidades”

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

O deputado da base governista Luis Miranda (DEM-DF) relatou nesta sexta-feira, 25, em depoimento à CPI da Pandemia, que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) comunicou que acionaria a Polícia Federal para investigar as suspeitas de que existiria pressão dentro do Ministério da Saúde para acelerar a importação do imunizante indiano Covaxin. A negociação está sob suspeita em razão do valor unitário das vacinas, considerado elevado, e da participação de uma empresa intermediária, a Precisa Medicamentos. O depoimento do parlamentar colocou o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR) no centro das investigações sobre a Covaxin: pressionado, Miranda acabou revelando que Barros apresentou emenda para autorizar compra da Covaxin sem autorização da Anvisa.

“Ele falou: vou acionar o diretor-geral da PF, porque, de fato, é muito grave o que está ocorrendo”, detalhou Miranda, ao descrever a reação de Bolsonaro

Foto: Pedro França/Agência Senado

“Ele falou: vou acionar o diretor-geral da PF, porque, de fato, é muito grave o que está ocorrendo”, detalhou Miranda, ao descrever a reação de Bolsonaro

Foto: Pedro França/Agência Senado

De acordo com o parlamentar, Bolsonaro reconheceu a gravidade dos indícios de irregularidades. “Ele falou: vou acionar o diretor-geral da PF, porque, de fato, é muito grave o que está ocorrendo”, detalhou Miranda em seu depoimento, referindo-se a uma reunião que teve com o presidente no dia 20 de março, cerca de um mês depois da assinatura do contrato de aquisição de 20 milhões de doses da vacina, por R$ 1,6 milhões.

“Bolsonaro nos recebeu num sábado, porque eu aleguei que a urgência era urgente urgentíssima, devido à gravidade das informações trazidas pelo meu irmão a minha pessoa. O presidente entendeu a gravidade. Olhando nos meus olhos, ele falou: ‘isso é grave”, descreveu Miranda. Ele também descreveu que Bolsonaro reagiu atribuindo as irregularidades a um parlamentar da base governista que o deputado disse não lembrar o nome. Pressionado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), para que revelasse o nome do parlamentar citado, Miranda desconversou. “Na verdade, o presidente sabe toda a verdade, poderia ter me poupado de passar esse constrangimento aqui”, esquivou-se. Pouco antes das 22h, o deputado Luis Miranda afirmou que o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), era responsável por pressão no Ministério da Saúde por compra da Covaxin. Segundo ele, o presidente Jair Bolsonaro sabia de aparelhamento na pasta. Alessandro Vieira (Cidadania-SE) anunciou que vai pedir a convocação de Barros para depor na CPI.

Pressão para liberar importação das vacinas

Luis Ricardo Miranda, chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Luis Ricardo Miranda, chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

As suspeitas de irregularidades na fatura foram reveladas pelo servidor Luis Ricardo Miranda, irmão do deputado, e servidor de carreira e chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde. Luis Ricardo também depôs na CPI nesta tarde – em uma sessão tumultuada pela tropa de choque do governo e que se estendeu o final da noite.

O servidor relatou que sofreu pressões reiteradas, inclusive à noite e em finais de semana, para acelerar a importação e que se negou a dar andamento ao processo porque sua equipe identificou falhas de documentação e inconsistências no acordo.

O negócio foi fechado pelo Ministério da Saúde com o laboratório indiano Bharat Biotech e sua intermediária no Brasil, a Precisa Medicamentos. Segundo documentos apresentados na CPI, uma terceira empresa, a Global, uma off shore com sede em paraíso fiscal aparece na intermediação da compra das vacinas.

Servidor relatou que sofreu pressão para a liberar importação e revelou a cobrança de propina dentro do Ministério

Imagem: Reprodução

Servidor relatou que sofreu pressão para a liberar importação e revelou a cobrança de propina dentro do Ministério

Imagem: Reprodução

Miranda disse que decidiu levar a denúncia ao presidente, seu aliado, como “defensor e fiscal do dinheiro público e para impedir uma crise que poderia “implodir a República”. “Se não fôssemos nós, US$ 45 milhões teriam sido pagos por uma vacina que não resolveu e nem sei se vai resolver”.

De acordo com o irmão do deputado, em 24 de março foi aberta licença de importação da Covaxin e solicitada excepcionalidade à Anvisa, que a negou em 30 de março pela falta de certificado de boas práticas.

Luis Ricardo disse que recebeu diversas mensagens e chamadas para agilizar a autorização do contrato para importação da Covaxin, entre elas a do ex-coordenador de Saúde, o tenente-coronel Alex Marinho e que isso foi relatado a Jonathas Diniz Vieira Coelho, capitão-de-corveta da Marinha, ajudante de ordens do presidente.

O deputado confirmou que alertou a Bolsonaro em 20 de março sobre pressões da Precisa e do Ministério da Saúde pela compra da Covaxin. Na noite da véspera, uma sexta, o dono da empresa esteve com diretor Marcelo Pires. “O coordenador Alex Leal Marinho e o diretor Roberto Ferreira Dias perguntavam com frequência sobre o andamento do processo da Covaxin”, relatou Miranda.

Tropa de choque

Artilharia: Marcos Rogério (DEM-RO) pressiona o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM)

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Artilharia: Marcos Rogério (DEM-RO) pressiona o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM)

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Os depoimentos foram interrompidos reiteradas vezes por senadores da base do governo. Entre os mais exaltados, Marcos Rogério (Dem-RO) e Fernando Bezerra (MDB-PE), os dois senadores que mais defendem Bolsonaro na CPI. Em seu twitter, o jornalista Bob Fenandes lembra que Bezerra recebeu R$ 153,8 milhões do orçamento paralelo e Marcos Rogério, R$ 127 milhões.

Marcos Rogério questionou por que o servidor levou a denúncia ao presidente da República e não aos superiores hierárquicos dele, como o coordenador, diretor, secretário e o ministro.

“Eu procurei o meu irmão que acionou o presidente para verificar supostos atos ilícitos”, explicou Luis Ricardo. “Vossa senhoria não consultou nenhum superior hierárquico?”, insistiu Rogério. “Não tinha contatos com eles”, rebateu o servidor do ministério. “O chefe imediato dele era apaniguado nomeado pelo governo, ele é concursado, ele tem muito mais fé pública do que quem está lá bajulando o presidente”, atalhou o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM).

“Pergunte quem é meu irmão ao MPF. Sem ele não entra vacinas nesse país”, reagiu o deputado Luiz Miranda diante dos questionamentos sobre a credibilidade da testemunha. O servidor explicou que as irregularidades foram analisadas pela equipe do Departamento de Logística do Ministério da Saúde e que as pressões partiam inclusive de superiores dele.

Em seguida, Marcos Rogério insinuou que a motivação do deputado Miranda não seria fazer uma denúncia, o que provocou novo tumulto na CPI. “Qual é a motivação do depoente, responda, não procure palavras para enrolar”, interpelou o presidente repetidas vezes, ao que Rogério reagiu com uma evasiva, referindo-se à reunião a portas fechadas que antecedera os depoimentos: “Eu sei a motivação e vossa excelência também sabe”.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) respondeu à postura dos senadores bolsonaristas que a todo momento questionavam a legitimidade dos depoimentos. “O que nós estamos assistindo aqui é a tática do Olavo de Carvalho: tentar desqualificar o interlocutor e jamais centrar no fato principal”, criticou. Ela pediu a prorrogação da CPI para aprofundar caso Covaxin.

Em pronunciamento, o senador Humberto Costa (PT-PE) cobra investigação da empresa Precisa, que classificou como "queridinha" do governo, e da atuação da servidora que deu aval à importação da vacina Covaxin

Foto: Pedro França/Agência Senado

Em pronunciamento, o senador Humberto Costa (PT-PE) cobra investigação da empresa Precisa, que classificou como “queridinha” do governo, e da atuação da servidora que deu aval à importação da vacina Covaxin

Foto: Pedro França/Agência Senado

A sessão foi interrompida por 15 minutos devido ao tumulto que se seguiu. No intervalo, Miranda e o senador Marcos do Val (Podemos-ES) trocaram empurrões.

Omar Aziz reforçou requerimento para que a Polícia Federal ofereça proteção aos irmãos Miranda, assim como a suas famílias. O senador também vai requerer ao presidente da Câmara, Arthur Lira, proteção ao deputado.

Na retomada dos trabalhos, Humberto Costa (PT-PE) disse que preparou um requerimento para que a CPI ouça Regina Célia e Thiago Fernandes, funcionários do Ministério da Saúde, que autorizaram a importação da Covaxin “para que expliquem por que autorizou a continuidade desse processo depois das irregularidades que nós vimos aqui”.

O senador afirmou que a CPI estava analisando uma questão que é parte de um contrato com uma empresa VIP, “um jabuti que se chama Precisa e que precisa vir aqui para se explicar”. Ele questionou a contratação da off shore para intermediar a compra de vacinas com tantas empresas na área de saúde no Brasil, que já intermediaram contratos e têm atividades lícitas. “Que Ministério da Saúde é esse que aceita como intermediária para compra de vacinas uma empresa que já tinha dado um golpe no próprio ministério?”, indagou, referindo-se ao contrato de R$ 20 milhões da compra de medicamentos para doenças raras que não foi cumprido pela Global.

Francisco Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos, entrou com um pedido de habeas corpus no STF para ter o direito de se ausentar de depoimento na CPI da Pandemia.

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