POLÍTICA

Boric vence no Chile e promete um sistema previdenciário público mais justo

"A vitória de Gabriel Boric trará novas expectativas para o mundo do trabalho chileno", afirmou Julia Requena, dirigente sindical da CUT-Chile
Por César Fraga / Publicado em 20 de dezembro de 2021
Primeiro discurso de Boric como presidente eleito no Chile

Foto: Reprodução/YouTube

Primeiro discurso de Boric como presidente eleito no Chile

Foto: Reprodução/YouTube

No último domingo, 19, o ex-líder estudantil Gabriel Boric venceu as eleições no Chile. O resultado foi confirmado pela autoridade eleitoral chilena e divulgado uma hora depois o encerramento das votações.

Boric obteve 54,72% dos votos válidos, contra 45,28% do adversário, José Antonio Kast.

Kast representava a coligação dos partidos de direita do país. Ele reconheceu a derrota e parabenizou o novo presidente pelas redes sociais. “Acabo de falar com @gabrielboric e o parabenizei por seu grande triunfo. A partir de hoje ele é o presidente eleito do Chile e merece todo o nosso respeito e colaboração construtiva. O Chile vem sempre em primeiro lugar”, disse Kast no Twitter.

Os eleitores chilenos se mobilizaram em seções eleitorais em todo o país desde as primeiras horas da manhã para decidir quem seria o próximo presidente em uma eleição bastante polarizada, visto que dois anos antes houve uma sequencia de protestos populares e estudantis,  que abriram as portas para a elaboração de uma nova Constituição para o país.

Depois da confirmação dos resultados, na primeira aparição pública de Boric como presidente eleito do Chile, ele conversou com o ainda presidente, Sebastián Piñera. “Nosso governo pretende entregar uma vida melhor a todos os chilenos, os que votaram e os que não votaram pela nossa candidatura, e impulsionar um projeto que o povo vem demandando há pelo menos dois anos”, disse.

Boric e Kast se encontraram após o pleito

Reprodução Twitter

Reprodução Twitter

Boric e Kast se encontraram após o pleito

Mundo do trabalho

“A vitória de Gabriel Boric trará novas expectativas para o mundo do trabalho chileno, já que em seu programa de governo há um tópico que fala em reduzir a jornada de trabalho para estar com as famílias e também fala em aumentar o salário mínimo, que são questões pelas quais se vêm lutando há anos. As lideranças sindicais seguem na luta e na expectativa da criação de postos de  trabalho decente. Mas, o mais relevante é que Boric uma nova liderança que dá esperança de mudanças estruturais no Chile, como acabar com as injustiças geradas pelo sistema de aposentadoria que deixou muitos chilenos prisioneiros da crise social entre outros. Esperamos que a Justiça deste país vai deixá-lo governar e para isso estaremos atentos para apoiar esta importante e nova liderança no Chile”, disse ao Extra Classe Julia Requena, vice-presidenta da Mulher e Igualdade de Gênero, da Central Unitaria de Trabajadores, do Chile.

De líder estudantil à presidência

Gabriel Boric nasceu na província de Magallanes, na região mais ao sul do Chile. É  o presidente mais jovem do Chile e assumirá o poder em março aos 36 anos, cinco a menos que Manuel Bulnes, que tinha 41 quando chegou à Presidência em 1841.  Ele se tornou conhecido nacionalmente durante as grandes marchas do movimento estudantil, entre os anos 2011 e 2013. Foi presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile no ano de 2012 e um dos líderes daquela onda de protestos que pedia o fim das dívidas estudantis e a gratuidade nas instituições de ensino, desde o ensino fundamental até o superior.

Em 2013, foi eleito deputado pela primeira vez junto com outros líderes estudantis, como Camila Vallejo, Giorgio Jackson e Karol Cariola. Durante seu primeiro mandato, ajudou a fundar a Frente Ampla, junto com Jackson, reunindo vários pequenos partidos ligados a ex-líderes estudantis. Em 2021, a Frente Ampla fez uma aliança com o Partido Comunista – de Vallejo e Cariola – e surgiu assim a coalizão Aprovo Dignidade, a qual ele passou a encabeçar após vencer as eleições prévias em julho passado, ao superar o comunista Daniel Jadue, prefeito da comuna de Recoleta, uma das mais populosas da região metropolitana de Santiago.

Foto: Su Hidalgo/ Midia Ninja

Em outubro de 2020, os chilenos foram às ruas para comemorar um ano de protestos contra Piñera: “o Chile acordou para não dormir nunca mais” entoavam

Foto: Su Hidalgo/ Midia Ninja

Essa foi a segunda tentativa da Frente Ampla em uma eleição presidencial. A coalizão nasceu justamente no ano da última disputa, em 2017, para ser uma alternativa que congregasse os independentes de esquerda e pequenos partidos chilenos.

Para aquela primeira campanha presidencial, a Frente Ampla convidou uma figura de fora da política para ser sua candidata: a jornalista Beatriz Sánchez, que terminou o primeiro turno com 20,2% dos votos, e ficou a apenas 2,5% atrás de Alejandro Guillier, da Nova Maioria (centro-esquerda tradicional, a antiga Concertación), que passou ao segundo turno.

Nas eleições legislativas daquele ano, a coalizão teve um resultado ainda melhor para quem estreava nas urnas, elegendo 21 parlamentares (20 deputados e 1 senador). Também se destacou por ter uma maior quantidade de mulheres eleitas, em comparação com as demais alianças: das 20 vagas na Câmara conquistadas pela Frente Ampla, 8 foram de mulheres.

Sistema previdenciário

Durante a campanha de 2021, o programa de governo da coalizão Apruebo Dignidad foi considerado o mais sintonizado com as reivindicações que originaram os protestos de 2019: a candidatura de Boric promete o fim da previdência privada e a adoção de um novo sistema público, além da criação de um sistema público de saúde. Também defende a refundação das polícias, taxação das grandes fortunas e um projeto de industrialização do país, visando uma economia chilena menos dependente da exportação do cobre e de outras matérias primas. Propostas que o transformaram em preocupação para a grande imprensa chilena, que o rotula como um “radical de esquerda”, mas que o aproxima dos movimentos sociais.

No Chile, o sistema previdenciário privado e a falta de uma política de saúde pública e universal, legados da era Pinochet, são considerados os principais pivôs da crise social chilena. O país foi um dos primeiros do mundo a adotar as cartilhas neoliberais ao extremo, ainda nos anos 1980, e a colher as consequências sociais já nas primeiras décadas do novo milênio, como o empobrecimento dos aposentados e exclusão das classes trabalhadoras do acesso à saúde.

Segundo a analista política Marta Lagos, da consultora Latinobarómetro, “as propostas de Boric são as que mais se sintonizam com o que a sociedade chilena está demandando desde a revolta social de 2019. Outro fator relevante é que ele é muito jovem, como a grande maioria dos que protestaram naquela ocasião. No entanto, isso também o obriga a provar ao seu eleitor que, apesar dessa juventude, ele é a pessoa ideal para liderar esse projeto”.

Com informações da Reuters e Opera Mundi

Comentários