POLÍTICA

Liderança repudia atos antidemocráticos de caminhoneiros. Justiça determina desbloqueio de rodovias

Inconformados com derrota de Bolsonaro, caminhoneiros fizeram bloqueios de rodovias em 22 estados
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 31 de outubro de 2022

Foto: Twitter/ Reprodução

Caminhoneiros paralisaram trecho da rodovia Presidente Dutra, em SP, para protestar contra resultado de eleição

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O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, determinou na noite desta segunda-feira, 31, que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e as polícias militares dos estados adotem ações imediatas para desobstrução de rodovias federais ocupadas ilegalmente e obstruídas por caminhoneiros.

O ministro atendeu pedido da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e do vice-procurador geral eleitoral, Paulo Gonet, diante do que Moraes definiu como inércia da PRF.

A decisão, que acena com o afastamento do diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, em caso de descumprimento, coincidiu com o vazamento de videos nas redes sociais que mostram agentes rodoviários combinando a continuidade dos bloqueios em conversas amistosas com grupos de caminhoneiros.

Caminhoneiros inconformados

Caminhoneiros bolsonaristas que não aceitam a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno da eleição presidencial fecharam trechos de rodovias de 22 estados no país desde a madrugada desta segunda-feira.

O trânsito na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, foi interditado por volta das 16h, por determinação da Secretaria de Segurança Pública do DF. A medida se deve à “identificação de possível ato marcado para o local feito por redes sociais”.

Nos estados, os bloqueios aconteceram em regiões onde Bolsonaro teve maior votação que o seu adversário, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Balanço divulgado pela Polícia Rodoviária Federal no final da tarde contabilizava 236 ocorrências em andamento nas rodovias federais, sendo 102 bloqueios parciais e 134 interdições totais de vias. A corporação informou que acionou a justiça para liberar os bloqueios e comunicou a Advocacia-Geral da União (CGU).

A PRF, que no dia da eleição montou blitze para parar ônibus que transportavam eleitores no Nordeste não informou qualquer ação concreta para liberar as rodovias tomadas por caminhoneiros, embora tenha autonomia para agir.

MP e Justiça Federal

O Ministério Público Federal também determinou que o comando da PRF detalhe, em 24 horas, as ações adotadas para garantir a liberação das rodovias federais bloqueadas. Antes da ordem do presidente do TSE, a Justiça Federal nos estados de Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul determinou a proibição de bloqueios em rodovias federais e a desobstrução imediata das vias, sob pena de multa em caso de descumprimento.

Bancada dos caminhoneiros reprova

No Rio Grande do Sul, foram montadas barreiras em algumas rodovias. Em Santa Maria, caminhoneiros atearam fogo em pneus para obstruir a pista da BR-472. A liderança da bancada dos caminhoneiros na Câmara dos Deputados considerou os bloqueios como “atos ideológicos” que não representam a categoria, uma posição adotada por lideranças em vídeos nas redes sociais.

“Os caminhoneiros respeitam as instituições, a democracia e o resultado das eleições, e não participaram de nenhum ato de paralisação ou bloqueio para exigir intervenção militar ou questionar o resultado das eleições”, enfatizou.

Em um dos vídeos que defendem a ação, uma das supostas lideranças do movimento afirma que seria dado prazo de 72 horas para que o Exército “assuma o controle do país”.

O presidente da bancada que representa a categoria na Câmara Federal, deputado Nereu Crispim (PSD-RS), classificou os manifestantes como “baderneiros que não representam os caminhoneiros”.

Para o deputado Crispim, a pauta da categoria não deve se relacionar com o resultado das eleições.

“Bolsonaro se elegeu com o apoio de motoristas em 2018, mas não priorizou temas como aposentadoria especial com 25 anos de contribuição, o piso mínimo do frete, a unificação dos documentos fiscais e a mudança na política de preços dos combustíveis adotada pela Petrobras, lembra o parlamentar”.

Mais rigor contra extremistas de direita

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Atos ocorreram em 13 estados. No RS, motoristas atearam fogo em pneu para obstruir trecho da BR-472 em Santa Rosa

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O jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional na PUC-SP, defendeu um enfrentamento “mais duro”, por parte das autoridades do Estado, ao contrário de uma estratégia que contemporiza com extremistas de direita.

Serrano destaca o caráter de desobediência civil de um pequeno grupo que, segundo ele entende, precisa ser enfrentado. “É algo que está acontecendo no país que me preocupa muito, diz o jurista ao apontar a necessária defesa da democracia até a posse de Lula e mesmo depois dela, “o cumprimento da Lei no rigor”.

De acordo com o jurista o raciocínio estratégico adotado no país nessas situações “liquida com a autonomia do Direito” e está ocorrendo uma excessiva tolerância com ilegalidades muito fortes. “A revanche e a vingança são sentimentos não democráticos, mas a democracia pressupõe cumprimento da lei”, alerta.

O professor da PUC-SP cita como exemplos, além dos bloqueios feitos por bolsonaristas nas estradas, o caso de Roberto Jeferson e da deputada federal Carla Zambelli (PL/SP).

No sábado, de arma em punho, a deputada perseguiu um eleitor de Lula, mas sequer teve seu porte de arma revogado. Para Serrano, o caso de Jeferson foi ainda mais elucidativo.

No entendimento dele, o Supremo Tribunal Federal (STF) agiu corretamente quando disciplinou a utilização de algemas em operações de prisão quando não há resistência. Mas o ato do ex-deputado, contrapõe, foi ao extremo. “Ele disparou 60 tiros de fuzil e atirou três granadas em agentes da Polícia Federal e foi tratado praticamente com deferência”, frisa o jurista.

Serrano vê um paradoxo entre essa tolerância e a postura da Polícia Rodoviária Federal (PRF). “No dia da eleição do segundo turno estavam fazendo operações para dificultar o transporte de pessoas que estavam indo para exercer o seu direito de voto. E hoje?”, questiona.

Bolsonaro em silêncio

Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro permanece em silencio sobre o resultado das eleições de segundo turno, das quais saiu derrotado por Lula. Em reunião com ministros, ele avisou que não iria contestar o resultado das urnas. Mas não se pronunciou.

Primeiro a não renovar o seu mandato desde estabelecimento da reeleição no país, Bolsonaro agora figura como o mandatário que levou mais tempo para reconhecer a vitória do adversário.

Quase 20 horas se passaram desde a proclamação do resultado pelo Supremo Tribunal Eleitoral (STE) e o presidente fez apenas acenos sobre uma possibilidade de se manifestar.

Para efeitos de comparação, até agora, José Serra (PSDB/SP) tinha sido o candidato com maior tempo de espera para reconhecer derrota para Dilma Rousseff (PT), em 2010. O tucano na ocasião se pronunciou duas horas após a eleição da petista.

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