POLÍTICA

Lula apresenta carta a evangélicos em encontro com 200 pastores em São Paulo

Candidato do PT à presidência recebe apoio de lideranças evangélicas que relatam assédio eleitoral pelo país e reagem contra cruzada das fake news
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 19 de outubro de 2022

Foto: Marcelo Menna Barreto

Encontro em hotel nos Jardins reuniu candidato do PT à presidência e líderes evangélicos

Foto: Marcelo Menna Barreto

Em um encontro com mais de 200 pastores e pastoras evangélicos em São Paulo na manhã desta quarta-feira, 19, o candidato à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou a Carta-Compromisso com os Evangélicos.

Com esse gesto, o candidato busca contornar um impasse que se criou na campanha. Lula não queria instrumentalizar o sentimento religioso em favor de sua candidatura.

Para superar esse impasse, entraram em cena a senadora Eliziane Gama (Cidadania/MA) e a deputada federal eleita Marina Silva (Rede/SP).

Evangélicas como a deputada federal Benedita da Silva (PT/RJ), elas estão participando ativamente da campanha para ajudar a reduzir a rejeição do presidenciável entre esses eleitores.

Na segunda-feira, 17, cerca de 300 padres e religiosos e religiosas católicos se reuniram com o candidato para declarar abertamente o seu apoio ao petista no segundo turno das eleições presidenciais que ocorrem no próximo dia 30.

Foto: Marcelo Menna Barreto

“Não é a primeira vez que tenho que enfrentar mentiras”, lembrou Lula ao rebater fake news sobre fechar igrejas

Foto: Marcelo Menna Barreto

A exemplo da Carta aos Brasileiros em 2002, esse documento que sela o compromisso com as lideranças religiosas é o aceno mais forte do petista aos evangélicos desde o início da eleição.

No segmento, além de estar em grande desvantagem, Lula tem sido sistematicamente atacado com fake news que atribuem ao ex-presidente a suposta intenção de fechar igrejas e espalham mentiras sobre temas sensíveis como legalização do aborto e até a adoção de banheiros unissex nas escolas – nova versão de fake news que flertam com o absurdo, como a do kit gay, difundidas pelo mundo bolsonarista na eleição anterior.

Lula disse que o documento que assinou foi feito em respeito aos evangélicos “que lutam contra as mentiras” que são constantemente espalhadas durante as eleições.

“Não é a primeira vez que tenho que enfrentar mentiras. Anos atrás, já tive que explicar por que a bandeira do PT é vermelha, por que eu uso barba. Teve até uma igreja que distribuiu 1 milhão de jornais na primeira eleição contra mim”, lembrou.

Para o candidato, cada vez mais as acusações se tornam mais absurdas. “Agora inventaram a história do banheiro unissex”.

Na cerimônia, o deputado federal eleito pelo PSol do Rio de Janeiro, Henrique Vieira, pastor da igreja Batista do Caminho, parafraseou passagens bíblicas sobre dar de comer e beber aos que têm fome e sede.

“Se o nosso inimigo tiver ódio, daremos amor”, finalizou Vieira. Durante o culto, o candidato teve a cabeça tocada por uma criança que fez uma oração. Lula chorou.

Credibilidade das igrejas

Ariovaldo Ramos, pastor da Igreja Batista de Água Branca (Ibap) e coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, disse lamentar que Lula tenha que ir a um encontro com evangélicos para dizer que não vai fazer algo que nunca fez quando foi presidente e tampouco ameaçou fazer quando em campanha, disse, referindo às afirmações falsas de que Lula pretende fechar igrejas. “Isto é um absurdo”, protestou.

Para Ramos, no entanto, o encontro serviu também para mostrar que os presentes quiseram deixar claro que estão “do lado da verdade”.

“O senhor nunca fechou igrejas, sempre nos tratou bem, sempre teve respeito com todas as religiões. Nós temos a responsabilidade de sair daqui para consagrar a verdade e dizer o que sabemos. Temos aqui um projeto que defende os pobres e as viúvas”, afirmou, lembrando que essa pauta sempre esteve presente na Bíblia.

Após uma série de “améns” e “glória a Deus”, Ramos continuou. “Estamos aqui contra as fake news que estão sendo usadas para dividir o nosso povo e porque acreditamos que o seu projeto é o melhor para o Brasil e, também, para recuperar a credibilidade das igrejas evangélicas do Brasil”, manifestou.

Assédio eleitoral

Foto: Marcelo Menna Barreto

Em Belo Horizonte, 24 pastores foram expulsos por não apoiarem Bolsonaro, relatou o pastor Gibran

Foto: Marcelo Menna Barreto

O encontro ocorreu no hotel Hotel Intercontinental, no Jardim Paulista, zona nobre da capital.

Marina Silva disse que estava lá para dar seu “testemunho” e lembrou uma frase que sempre gosta de usar como referência: “Não faço do palanque um púlpito e do púlpito um palanque”.

Por isso, elogiou: fazer um encontro dessa natureza em um hotel “é um sinal de respeito”, disse. “Este ato testemunha com a fé cristã, diferente daqueles que estão fazendo escândalo em nome de Jesus”, disse, numa referência à campanha do candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), que segundo ela tem sido feita de forma escancarada dentro de templos.

Reforçando a manifestação de Ramos, Marina se solidarizou com Lula.

“É injusto alguém ter que vir se comprometer a não fazer algo que nunca fez. Eu sei o quanto é doloroso para você (Lula) saber que quem lhe acusa muitas vezes foi no palácio (Alvorada), dizendo que orava com o senhor”, num recado aos atuais pastores e políticos evangélicos, ex-aliados, que agora combatem Lula em uma cruzada que envolve até coerção de fieis.

Em meio ao público, o pastor Felipe Gibran, de uma ramificação Batista independente, a Comuna do Reino, e que veio de Belo Horizonte (MG) com outras cinco lideranças evangélicas, relatou ao Extra Classe um cenário que chama de “perseguição gigantesca” na capital mineira.

O religioso conta que criou a Rede de Afeto Pastoral para ajudar pastores que estão sendo expulsos por não concordarem com a pregação de voto obrigatório em Bolsonaro, o que está sendo exigido por líderes evangélicos.

“Só em BH, são 24 pastores expulsos de suas igrejas e a rede está servindo para ajuda-los no mais básico, que é pagar suas contas de água e luz”, denuncia Gibran. Segundo ele, foi ao ato para mostrar que “evangélicos também podem ser de esquerda”.

Guerra espiritual

Foto: Marcelo Menna Barreto

Durante o encontro, muitas orações e citações bíblicas contra as fake news: “Nós sabemos ainda que a mentira é de Satanás e que tudo o que está acontecendo não é de Deus. Quem tenha ouvido, ouça”, disse Benedita da Silva

Foto: Marcelo Menna Barreto

Benedita da Silva registrou que era uma das maiores entusiastas da carta aos evangélicos, que custou a sair.

“Não é possível que uma liderança possa se apossar de um púlpito para se apropriar das palavras de Jesus. O Bolsonaro está usando e nós estamos aqui para mostrar quem é Lula. Lula governou por oito anos, Dilma, seis. Nenhuma igreja foi fechada”, lembrou.

A deputada federal do PT/RJ ve esse cenário como uma “guerra espiritual”.

“Não sei qual a oração que Deus vai ouvir. Sei que o Espírito Santo não ouve oração contrária à sua orientação. Nós sabemos ainda que a mentira é de Satanás e que tudo o que está acontecendo não é de Deus. Quem tenha ouvido, ouça”, disse.

Elisiane Gama foi categórica. Ao dizer que ali não estava a senadora, mas uma cidadã cristã, ela disparou: “Instrumentalização da fé é que é pecado”. Traçando uma comparação, ela registrou: “O Evangelho da cruz é o que pregamos, não o do ódio. O Evangelho que pregamos é o do perdão, não o da intolerância. O nosso Evangelho não prega a tortura e não é aquele que uma pessoa abre de manhã e à tarde sai para atacar mulheres”, disparou.

Declaração de apoio e orações

A vereadora e presidente do PSDB de Goiânia (GO), Aava Santiago Aguiar, disse que sua presença, além de manifestação de fé, era de apoio explícito do PSDB da capital de Goiás. Membro da Assembleia de Deus, Aava conta que cursou uma universidade pública “graças ao senhor (Lula)”.

Ela destacou que boa parte dos evangélicos são das camadas mais pobres da população para lembrar que “os pobres conseguiram fazer três refeições por dia durante os mandatos de Lula”. Aava menciona a luta contra o “sequestro da fé”. “Nós já nos convertemos a Jesus; não vamos nos converter ao Bolsonaro. Dizem que não somos crentes porque votamos no Lula e nos perseguem. Eu prefiro mil vezes pertencer a uma igreja que é perseguida do que ser uma igreja que persegue”, comparou.

Comentários