POLÍTICA

Organização do último comício de Bolsonaro ameaça padres e fecha igreja do Desterro, no Rio

Revoltados com clérigos que não quiseram ceder instalações para organização do ato, bolsonaristas ameaçam padres e invadem rede social de igreja
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 27 de outubro de 2022

Foto: Facebook/ Reprodução

O deputado estadual eleito Jorge Felipe e o senador Flávio Bolsonaro aparecem em video convocando para o ato e citando a igreja do Desterro, sitiada pela base bolsonarista

Foto: Facebook/ Reprodução

Programado para essa quinta-feira, 27, às 16h30min, o último ato público do candidato Jair Bolsonaro (PL/RJ) acabou suspendendo missas e provocando o confinamento de três religiosos católicos da Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria e da Adoração Perpétua ao Santíssimo Sacramento do Altar (SS.CC) na residência da Paróquia Nossa Senhora do Desterro, em Campo Grande, zona Oeste do Rio de Janeiro. Na reta final da campanha de segundo turno, apoiadores de Bolsonaro vêm multiplicando atos de hostilidade e até violência física contra religiosos pelo país.

As ameaças começaram no sábado, quando os clérigos que respondem pela paróquia se recusarem a ceder o estacionamento e o salão da igreja para que fosse instalada uma base de apoio para o comício do presidente e candidato à reeleição. Nesta tarde, a página da paróquia no Facebook foi invadida e a foto de capa foi trocada por uma imagem de Bolsonaro num comício.

O evento bolsonarista acontece na Praça Dom João Esberard, em frente à sede da paróquia. A igreja tem cerca de 270 anos e há 90 anos é administrada por religiosos da SS.CC.

Pároco da Nossa Senhora do Desterro, o padre João Lucas chegou a usar as suas redes sociais para reafirmar o que disse aos organizadores do ato, que não tem poderes sobre o uso da praça nem pode autorizar o uso de imagens e espaços da igreja.

Padres sitiados na igreja

Imagem: Facebook/ Reprodução

Página da congregação foi hackeada e teve a foto de capa trocada por uma imagem de Bolsonaro pouco antes do início do ato

Imagem: Facebook/ Reprodução

As hostilidades se intensificaram na tarde de domingo, 23, após a missa dominical. Também usando suas redes sociais, o diácono Vitor Henrique desabafou: “É um absurdo, sinceramente. Por isso fechamos a Igreja e ficamos sem missa. Queriam entrar. A gente aqui está sendo assediado, ligam sem parar, mandam mensagens, dizendo que estão de olho em nós. Não sabemos se podemos sair de casa. Lamentável isso”, reafirmou ao se referir a cobranças que não competem à administração da paróquia. “Agora estão aí na porta, pessoas, carros”, concluiu.

De acordo com o religioso, por conta do assédio os padres resolveram fechar a igreja já na segunda-feira, 24. Ele lamentou que as ameaças tenham privado a comunidade das tradicionais celebrações litúrgicas durante a semana.

Área dominada por milícia

A organização da campanha usou a igreja como ponto de referência do ato programado para esta tarde. Diante da negativa dos párocos de ceder as instalações, um grupo que se diz organizador da iniciativa ao lado do senador Flavio Bolsonaro (Republicanos/RJ) passou a fazer postagens para dissociar a paróquia da atividade.

“Temos missas semanais, ao menos duas por dia, exceto às segundas-feiras. O fechamento foi por decisão do pároco, motivada pelo medo de vandalismo e represálias que possam atingir também paroquianos”, informou ao Extra Classe um frequentador da igreja que pediu anonimato por medo das milícias. “Aqui é terra dominada pela milícia e por isso quem está falando pede para não ser identificado”, justificou. A região é controlada por duas facções que também exerceram pressão sobre os religiosos. Nem funcionários da paróquia escaparam do assédio de apoiadores do candidato.

Os religiosos, dois padres e um diácono, depois de dias abrigados na casa paroquial sob ameaças via telefonemas e mensagens de WhatsApp foram transferidos para outra residência da congregação, no bairro da Tijuca. O expediente interno da paróquia está cancelado desde quarta-feira, 26, e os funcionários foram dispensados.

Igreja não é palanque

Além de protocolar uma denúncia no Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), a comunidade católica fez circular uma carta que já tem mais de 2 mil assinaturas, dirigida ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e “a todas as pessoas de bom coração”.

Além de relatar as ameaças e as hostilidades contra os clérigos, o documento afirma que está acontecendo “uma difamação à nossa igreja matriz e um completo desrespeito aos nossos princípios doutrinais”. O documento encerra com a frase: “Igreja não é palanque”. No documento, denunciam que as “grades que circundam a praça e as árvores foram derrubadas”.

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