SAÚDE

O direito de ficar doente

Stela Rosa / Publicado em 5 de julho de 2005

Informação sobre prevenção e consciência dos direitos de amparo à doença podem contribuir para que os professores modifiquem o quadro perigoso de trabalhar no limite do corpo. Realidade que foi comprovada em uma pesquisa realizada pelo Laboratório de Saúde do Trabalhador da Universidade de Brasília (UnB). O levantamento foi publicado no Extra Classe (Ano 10, número 92, junho de 2005) e também pode ser acessado através do endereço:
http://www.sinprors.org.br/extraclasse/jun05/educacao.asp.

Os dados apontaram que os docentes são os que menos se afastam do trabalho por enfermidade, porque trabalham mesmo doentes. Profissionais responsáveis pela fiscalização dos ambientes de trabalho, especialistas em saúde do trabalhador e dirigentes sindicais alertam que quanto mais o docente tiver conhecimento dos recursos que dispõe para garantir a saúde e dos aportes legais que pode acessar para tratar as enfermidades, menor será a probabilidade de extrapolar as condições físicas, correndo o risco de ficar impossibilitado de continuar exercendo a atividade, caso perca a voz, por exemplo.

A chefe da seção de Segurança e Saúde da Delegacia Regional do Trabalho (DRT-RS), Maria Machado Silveira, defende que o aspecto mais importante a ser preservado é o direito de não ficar doente por causa da atividade laboral. Segundo ela, conhecer as normas de segurança, que estabelecem como devem ser os ambientes de trabalho, contribui a prevenir riscos de adoecimento. Outra questão levantada é denunciar ao Sindicato as irregularidades com as quais se deparam, bem como situações de constrangimento que são impostas nos espaços de trabalho, tais como assédio moral. “Temos notícia pela imprensa de que os professores estão sendo constrangidos, inclusive pelos alunos, e esse tipo de situação causa enfermidade”, frisa.

Raul Ibañez, otorrinolarin-gologista, que atua na área de saúde do trabalhador, tanto no setor público quanto no privado, também aponta que o ambiente e a organização de trabalho saudáveis são fundamentais, e que o trabalhador deve conhecer as normas previstas na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). No que diz respeito à infra-estrutura, ele pontua que é responsabilidade do empregador oferecer equipamentos que contribuam para a prevenção de doenças ocupacionais, como data show ou projetor de slides, alternativas que podem ser usadas para evitar que o professor passe muitas horas escrevendo no quadro, evitando o surgimento de tendinite, bursite, etc. Já no que diz respeito à organização, o empregado não pode trabalhar sob pressão mental. “O profissional tem o direito de exigir não ficar doente, e, se isso acontecer por questões relacionadas ao trabalho, o empregador deve custear o tratamento”, informa Ibañez.

Já Amarildo Pedro Cenci, diretor do Sinpro/RS, destaca aspectos importantes como o direito a plano de saúde. Na Convenção Coletiva realizada entre Sinpro/RS e Sinepe este ano, mais uma vez ficou assegurado que as escolas devem oferecer opção de assistência à saúde para os professores e arcar com parte da mensalidade. No caso do estabelecimento não ter essa disponibilidade, pode acordar para que os professores possam se beneficiar do plano de saúde oferecido pelo Sindicato. “Desta forma, o docente pode acompanhar e monitorar melhor quando surgirem problemas de saúde”, avalia o dirigente sindical. Manter medicamentos de primeiros socorros no local de trabalho, providenciar a remoção do trabalhador em caso de acidente dentro das escolas e abonar faltas por motivo de doença, entre outros, também foram assegurados. “O professor deve denunciar ao Sindicato quando o empregador não cumprir com o que foi acordado para que possamos tratar do assunto”, destaca Cenci. A Convenção Coletiva de Trabalho 2005 pode ser acessada na íntegra na internet, através do site www.sinprors.org.br/convencao.

A necessidade do Sindicato avançar na questão da saúde do trabalhador, em função do aumento do grau de exigência e das pressões, foi outro ponto destacado por Cenci. “Por um lado, há casos de instituições que pedem ao professor para vestir a camiseta e dar tudo de si, mas não o valorizam. Por outro, criam ambientes tensos, onde, além do controle de horário com o cartão-ponto, o professor não tem direito de emitir sua opinião sobre o processo de ensino-aprendizagem, e ainda é vigiado por câmeras”, denuncia. O assédio moral, configurado por ações humilhantes, também foi levantado pelo dirigente. Segundo ele, o Sinpro/RS está orientando os professores e dando os encaminhamentos jurídicos para os casos que vêm surgindo. “O grande desafio é construir uma escola de qualidade para que aluno e professor se sintam efetivamente parte dela em um espaço de criação e não de doença”, propõe.

A importância de priorizar o direito à saúde pode ser comprovada através dos números divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Atualmente, 450 milhões de pessoas no mundo sofrem de doenças compor-tamentais, neurológicas ou mentais, e 121 milhões, com idade de 15 a 44 anos, são atingidas por lesões por esforço repetitivo (LER).

Amparos legais na doença

O auxílio-doença, pago quando há incapacidade temporária para trabalho, e o auxílio-acidente, quando em caso de acidente ou de seqüela definitiva, são os benefícios concedidos pelo INSS aos trabalhadores, com vínculo pela CLT, após o 15º dia de afastamento. No entanto, caso a enfermidade seja caracterizada como uma doença ocupacional, o empregador tem a responsabilidade de arcar com todas as despesas do tratamento. E também cabe ao proprietário do estabelecimento de ensino a investigação e monitoramento das doenças que podem ser desen-cadeadas pelo desenvolvimento das atividades. Muitas vezes, segundo Ibañez, os trabalhadores sequer cogitam essa hipótese. “Eles só se dão conta quando são demitidos e raramente entram na justiça”, destaca. Ele reconhece que, além do receio de ser demitido, tal atitude também é decorrente da via crucis a que o empregado é submetido quando tenta comprovar o nexo entre sua doença e o trabalho. “Ainda existem médicos com a postura conservadora de que o trabalhador inventa doenças”, critica Ibañez.

A dificuldade burocrática de acessar os benefícios é outro problema para o qual se deve estar preparado, e nesse caso também ajuda saber os direitos. “Muitos preferem não ultrapassar o limite de 15 dias para não cair no INSS”, avalia Ibañez. A própria superintendente substituta do INSS/RS, Flávia Bello, reconhece que, quando se trata de doença ocupacional, o caso acaba ficando “mais complicado”, visto que geralmente são solicitados exames, sem contar que há sempre uma fila de espera para ser atendido pelos médicos peritos, procedimento obrigatório para a concessão dos benefícios. “Se o segurado não tiver um plano de saúde e depender do SUS, pode ser bem mais demorado”, admite. Quanto ao auxílio-doença, segundo a superintendente, o trâmite pode demorar, até o recebimento do auxílio, de 25 a 40 dias. Quando se trata de doença ocupacional, ela não soube precisar o tempo. Já a continuidade do direito ao auxílio-doença por período de 12 meses, a contar do último recolhimento, pode ser contabilizada como uma boa notícia para o professor que enfrenta uma situação de desemprego e muitas vezes não tem condição de continuar recolhendo.

Independente das dificuldades de assegurar os direitos previstos em lei, conhecê-los pode fazer diferença quando o educador está doente e precisa de acompanhamento médico que não é coberto pelo plano de saúde ou não consegue atendimento pelo SUS. Este é o dilema vivenciado pelo professor de educação física que concordou em dar seu depoimento à nossa reportagem, mas preferiu não ser identificado. Ele continua tentando amenizar seus problemas na voz. Operado de pólipo (calos) nas cordas vocais devido ao uso excessivo da voz, precisa fazer fonoterapia vocal. O tratamento não é coberto pelo seu convênio e o valor não cabe no orçamento. Ele não sabia da possibilidade do financiamento, caso fosse comprovada a relação da doença com o trabalho, mas reconhece que o medo de demissão poderia ser fator determinante para a não-exigência do direito. “Quando o trabalhador começa a reivindicar muito, passa a ser malvisto pela direção”, frisa. Porém, avalia ser importante conhecer os direitos.

NA CAPITAL – Em Porto Alegre, a implantação do Programa de Saúde Vocal para os professores da rede municipal foi garantida pela Lei 9415, promulgada em 31 de março de 2004. Pela Legislação, o gestor é responsável pela assistência preventiva, que deve ser feita através de cursos teóricos e práticos, oferecidos trimestralmente.

Programa de Saúde Vocal

Não há pesquisas comprovando o grau de risco e tampouco que indiquem quantos professores no Rio Grande Sul estão afastados da sala em decorrência de problemas vocais. Mesmo diante da escassez de dados, a fonoaudióloga Maria Inês Dutra alerta que o número não é pequeno e o risco, grande. Segundo ela, o professor deve cuidar da voz, seu principal instrumento de trabalho, da mesma forma que uma modelo cuida do seu corpo. “Sem voz, o docente está fora da sala e da profissão”, alerta. Inês Dutra, que está ministrando a oficina de treinamento para uso adequado da voz, oferecido pela Fundação Ecarta, com apoio do Sinpro/RS, avalia que não só os sindicatos, mas escolas deveriam promover constantemente debates, palestras e oficinas sobre o tema e, além disso, oferecer equipamentos para minimizar os riscos de doenças vocais, como microfone, e abolir o uso do giz em sala de aula.

Ela explica que há alguns fatores prejudiciais à saúde da voz, como a variação de temperatura e a necessidade de aumentar o tom algumas vezes, que são inevitáveis, porém cuidados com a alimentação, respiração e a hidratação constante das cordas vocais são algumas medidas que podem ser adotadas pelo professor.

Saiba mais

Segurança e saúde no trabalho
No site do Ministério do Trabalho, o professor pode acessar as normas regulamentadoras dos espaços e equipamentos. Para a categoria, seria interessante conhecer a NR1 – NR4 – NR5 – NR7 – NR9 – NR17.

Recursos físicos
O conselho estadual regulamenta as exigências técnicas referentes às condições térmica, acústica e de luminosidade.
Ensino Médio e Educação Superior – Parecer 580
http://www.ceed.rs.gov.br/ceed/dados/usr/html/pareceres/
parecer_2000/pare_580.doc
Ensino Fundamental – Parecer 1400
http://www.ceed.rs.gov.br/ceed/dados/usr/html/pareceres/
parecer_2002/pare_1400.doc

Auxílio-doença e auxílio-acidente
Para saber sobre os benefícios e documentação exigida para dar entrada no processo – www.previdencia.gov.br.
O auxílio-doença também pode ser requerido pela internet.

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