SAÚDE

Telefonia móvel: Agapan critica expansão

Estudos sobre os perigos à saúde causados por celulares e antenas de retransmissão servem de base para movimentos que defendem restrições às empresas de telefonia
Por Cleber Dioni Tentardini / Publicado em 22 de outubro de 2013
Foto: Igor Sperotto.

Igor Sperotto

Agapan promoveu, em setembro, encontro de mobilização
que encaminhou abaixo-assinado ao MPF

Igor Sperotto

A Organização Mundial da Saúde (OMS) coordenou dois estudos envolvendo quase uma centena de cientistas de 16 países, em quatro continentes, e concluiu: a exposição prolongada à radiação emitida pelo telefone celular e por outras fontes que utilizam o mesmo sinal pode estar relacionada ao aumento dos casos de tumores cerebrais.

Os cientistas alertam para que as pessoas reduzam o tempo de uso dos telefones móveis e sempre que possível utilizem os fones de ouvido, com os aparelhos afastados do corpo, seguindo o Princípio da Precaução, adotado pela OMS. E também evitem que crianças usem os celulares, porque os cérebros dos jovens absorvem com maior intensidade a energia emitida.

Há também preocupação com a disseminação dos sistemas de comunicações sem fio do tipo wireless, como wi-fi, wimax e bluetooth, e tecnologias de acesso à internet de alta performance, que estão sendo utilizados em larga escala em residências, locais de trabalho, shopping centers, aeroportos, parques e até em salas de aulas com crianças que podem permanecer por várias horas expostas à radiação.

Com base nesses estudos, e tendo em vista a pressão das operadoras de telefonia sobre os órgãos reguladores para flexibilizar as leis, sob o argumento de melhorar os serviços a seus clientes, organizações não governamentais, ONGs e movimentos sociais em Porto Alegre preparam uma grande campanha em defesa de normas ainda mais restritivas às fabricantes e operadoras, e protetivas aos usuários e população em geral.

A legislação que regula a instalação e operação das Estações de Radio-Base (ERBs), as antenas que conectam com os aparelhos, em vigor desde julho de 2001 na capital gaúcha, é considerada modelo para os municípios brasileiros. Em 2002, a lei foi aperfeiçoada e ficou mais restritiva do que a norma nacional, adotada pela Anatel. Ela assegura, por exemplo, uma distância mínima entre uma antena e outra e de escolas, praças e hospitais, a fim de reduzir a exposição da população.

Por isso, as operadoras reivindicam a reformulação da lei. Querem autorização do poder público municipal para instalar mais antenas na cidade. Alegam que essa é a única maneira de melhorar o sinal de comunicação dos telefones. Aliás, a qualidade dos serviços das empresas é alvo, neste momento, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara Municipal de Porto Alegre, a CPI da Telefonia, devido ao elevado número de reclamações nos órgãos de defesa do consumidor.

A pressão será cada vez maior com a proximidade da realização no Brasil da Copa do Mundo de Futebol, que em julho do próximo ano trará centenas de milhares de turistas, ávidos por transmitirem informações, notícias e imagens instantâneas. As operadoras serão cobradas para que disponibilizem com eficiência todos os recursos vendidos aos seus clientes.

O desafio das ONGs é manter o pioneirismo da legislação municipal. A luta é proporcional ao gigantesco mercado que movimenta anualmente 3 trilhões de dólares. Todos os dias há novidades nos meios de comunicação sobre os avanços tecnológicos da telefonia celular e promoções diárias para fidelizar os consumidores. As empresas disputam os 6,8 bilhões de usuários no mundo. No Brasil, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), cerca de 267 milhões de terminais móveis estão sendo utilizados neste instante, para uma população que não chega a 200 milhões de habitantes.

A Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) tomou a frente da campanha e promoveu, na metade do mês de setembro, o primeiro encontro de mobilização, que incluiu um abaixo- -assinado circulando entre os 50 participantes para ser encaminhado ao Ministério Público Federal. Chamou o engenheiro Álvaro Augusto Salles, um dos maiores especialistas brasileiros em telecomunicações, para fornecer um cenário atualizado sobre o tema, e a professora e farmacêutica Ana Valls, pioneira nos movimentos comunitários que lutaram contra a instalação desenfreada das ERBs na cidade.

Salles coordena uma equipe de pesquisadores do Laboratório de Comunicações Eletro-Óticas do Departamento de Engenharia Elétrica da Ufrgs, onde há 20 anos estuda os efeitos biológicos das radiações não ionizantes (RNI) no organismo humano. Esse tipo de onda eletromagnética é o que permite falar ao telefone sem fio ou acessar a internet sem fio. A Lei das Antenas de Porto Alegre foi constituída com base nos estudos desse laboratório.

O professor destacou a importância da legislação local, embora ainda distante do padrão mais rigoroso de proteção recomendado pelas comunidades científicas. “O que deve ser incorporada é a ideia de compartilhamento das antenas por várias empresas, a colocação de MiniERB em locais como topos de edifícios, postes de luz, até por uma questão urbanística, e o que considero mais importante, a redução do campo elétrico irradiado, com a substituição da norma ICNIRP, adotada no Brasil e em alguns países europeus, pela norma Suíça, cujo limite de intensidade de campo elétrico é dez vezes menor que a europeia”.

“A ICNIRP prevê emissões entre 40 e 60 volts por metro, enquanto que os relatórios mais recentes da comunidade científica sugerem que este limite seja de 0,6 v/m. Mesmo em Porto Alegre, onde a lei é mais restritiva, o valor fica entre 4 e 6 v/m. Em Paris, na França, por exemplo, a emissão máxima é de 2 v/m e em Salzburg, na Áustria, o limite de 0,6 v/m é respeitado pelas empresas”, comparou. Segundo Salles, a OMS classificou a radiação do celular na categoria 2B, a terceira na escala, que inclui outros agentes que são reconhecidamente causadores de câncer como herbicidas, metais como chumbo e níquel, descarga de motores a gasolina ou vírus HIV.

A professora da Ufrgs na área de Bioquímica, Ana Valls, falou na condição de militante dos movimentos comunitários que lutaram pela regulação do setor em nível municipal. Ela criticou as empresas que não se adequaram aos limites impostos pela legislação e alertou que a aparente precarização dos serviços pode ser mero jogo de interesses. “Não ajustaram suas redes de transmissão, como manda a lei, e não pagaram as multas aplicadas pelo município a partir de 2005, e agora querem mudar a legislação para anular as cobranças”, explicou Valls.

O volume recolhido em multas, segundo o gerente regional da Anatel, João Bettoni, chega a 10%, em torno de R$ 20 milhões. “As empresas recorrem das multas até última instância”, disse. 

Foto: Igor Sperotto

Igor Sperotto

Porto Alegre: de 725 ERBs a 1,3 mil até 2014

Igor Sperotto

Na CPI, operadoras pedem mais antenas

Em Porto Alegre existem 725 ERBs em funcionamento. A previsão é que em 2014 o total de antenas chegue perto de 1,3 mil. Em Canoas são 95, em Viamão 63, em Alvorada 36 e em Esteio 21 antenas. No estado há 4.320 estações de celular, segundo a Anatel.

O gerente da Agência, João Bettoni, garantiu aos vereadores na CPI da Telefonia que até o fim deste ano a capital terá o sistema 4G funcionando em pelo menos metade da área do município. “Até maio de 2014, deve cobrir 80% do território, como ocorre hoje com o 3G”, completou.

Para o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Telecomunicações e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SinditeleBrasil), Eduardo Levy, há uma contradição quando se cobra a qualidade do sistema e, por outro lado, se criam restrições à instalação das ERBs. “Não há outra forma de qualificar o serviço que não seja a instalação de novas estações”, ressaltou.

Levy mencionou um estudo elaborado a pedido do SinditeleBrasil que fez um mapeamento detalhado do sistema de telefonia móvel na capital gaúcha. “A conclusão é de que temos 80% de impacto restritivo em Porto Alegre, portanto, ou flexibilizamos isso ou o serviço não terá a qualidade necessária”, alertou.

A reivindicação das empresas tem respaldo na Prefeitura Municipal, através do Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais (Gades). O coordenador, Edemar Tutikian, reiterou na CPI que a legislação local não pode criar muitas dificuldades a ponto de impedir que as operadoras invistam em melhorias. “O Executivo vai apresentar em breve medidas visando tanto à modernização da legislação atual como à agilização dos trâmites para licenciamento”, afirmou.

O vereador engenheiro Comassetto (PT), relator da Comissão, argumentou que os problemas referentes aos serviços de telefonia móvel da cidade não podem ser explicados apenas pela possível desatualização da legislação que regula o assunto. “A demora na tramitação dos processos na Prefeitura persistem há mais de dez anos, gerando inclusive perda na arrecadação de recursos para o município”, lembrou.

Os números apresentados aos vereadores pela coordenadora do Procon municipal, Flávia Pereira, demonstram que as empresas de telefonia estão em primeiro lugar no ranking das reclamações no órgão de defesa do consumidor – foram cerca de 5 mil denúncias entre janeiro e maio de 2013. “O Procon de Porto Alegre se tornou um grande call center das empresas de telefonia”, lamentou.

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