SAÚDE

Clareamento dental traz riscos à saúde

Produtos são vendidos sem restrição em farmácias, lojas especializadas e até pela internet
Por Cleber Dioni Tentardini / Publicado em 28 de fevereiro de 2014

O clareamento dental é o tratamento mais difundido atualmente fora dos consultórios. Baratos e de fácil acesso, os kits com produtos químicos são vendidos sem restrição. “Tenha um sorriso deslumbrante sem sair de casa com a mesma técnica utilizada pelos dentistas”, diz o apelo publicitário veiculado em horário nobre na televisão e em revistas, atribuindo aos dentes brancos a ideia de saúde e felicidade. O que a publicidade esconde, no entanto, são os efeitos nocivos à saúde desses procedimentos quando não há orientação de especialistas.

A substância empregada para clareamento é o peróxido de carbamida, cujo princípio ativo é o peróxido de hidrogênio, a popular água oxigenada (H2O2), utilizada no tratamento de água, na limpeza de couros, para descolorir cabelos e fabricar detergentes, entre outras aplicações. Porém, quando utilizado nos dentes, de forma inadequada, pode causar danos até mesmo irreversíveis, incluindo lesões em tecidos moles, como língua, gengiva e lábios.

Os preços do kit ofertado na web variam de R$ 80,00 a R$ 120,00 conforme a concentração do agente químico branqueador, que pode variar de 3% a 35%, e o conteúdo do pacote, se é com moldeira ou fitas adesivas e se contém produto para reduzir a sensibilidade. Já o tratamento com o dentista vai de R$ 600,00 a mais de R$ 1 mil.

“A popularização dos clareadores preocupa especialistas em Odontologia, porque os riscos da automedicação para o branqueamento dos dentes são muitos. As contraindicações também”, adverte o cirurgião-dentista Victor Hugo Belardinelli, 80 anos, 57 de profissão.

Especialista em Ecologia Humana e pesquisador há mais de 30 anos em Medicina Psicossomática, Belardinelli condena o uso dos clareadores, inclusive nos consultórios. “Por que substituir a cor natural dos dentes por um branco uniforme, sem gradação? Só por modismo? Isso se opõe ao costume das mulheres de agregar cores, como pintar os cabelos quando embranquecem e dar cor aos lábios, olhos, tons à face e bronzeamento ao corpo”, contrapõe. Ele repara que até os adolescentes estão usando. “Nos jovens, a sensibilidade é mais intensa, porque a polpa dentária é maior e o esmalte mais fino e permeável”, alerta.

Os efeitos mutagênicos e tóxicos dos agentes clareadores são o que mais preocupa, ressalta Belardinelli. “O peróxido de hidrogênio se decompõe, basicamente, em água e oxigênio, e é aplicado sobre o esmalte dentário, penetrando até a dentina e a polpa, onde há substâncias responsáveis pela coloração. A reação química quebra as moléculas pigmentadas, danifica as membranas celulares, altera o DNA e as proteínas, podendo causar mutações, inclusive câncer”.

Além da sua experiência clínica, o dentista buscou embasamento teórico em diversos profissionais, brasileiros e estrangeiros, para escrever o livro A força da saúde (lançado em junho deste ano, em Porto Alegre, pela Editora Movimento), no qual propõe uma abordagem da saúde de forma integral e dedica um capítulo aos riscos dos tratamentos para clareamento dental.

Entre os diversos estudos citados na obra, dois utilizaram hamsters para avaliar os danos que os agentes clareadores, mesmo em baixas concentrações, podem causar na mucosa bucal. Na pesquisa de Gage e colegas, apareceram severas lesões bucais no epitélio, edemas, congestão vascular, ulcerações e coagulação epitelial. As mesmas reações são demonstradas no trabalho de Dayse Pieroli para a tese de doutorado da Faculdade de Odontologia, da Universidade de São Paulo, em 2003.

Os estudos indicam que quanto mais concentrada a solução clareadora e quanto maior o tempo de uso, maiores são os riscos de efeitos colaterais, como hipersensibilidade, irritação nas gengivas, prejuízo ao esmalte do dente e às restaurações. “Se o produto vazar da moldeira, o usuário pode ter inflamações, problemas na gengiva, como retração, deixando a raiz à mostra, e até casos de gastrite e úlcera gástrica”, adverte o dentista.

Branqueamento pode causar lesões e mutações, adverte Belardinelli

Foto: Igor Sperotto

Branqueamento pode causar lesões e mutações, adverte Belardinelli

Foto: Igor Sperotto

Entidades pressionam Anvisa

Para o presidente do Conselho Regional de Odontologia (CRO/RS), Flavio Borella, o problema está na aplicação indiscriminada do clareador para obter resultados mais rápidos. “A banalização desse tratamento está colocando em risco a saúde dos usuários, que não conhecem os efeitos nocivos, nem sabem que seus dentes voltarão à cor natural em seis meses aproximadamente”, ressalta o dirigente. Segundo ele, os conselhos de Odontologia de todo o país estão mobilizados para que os produtos químicos com ação branqueadora sejam considerados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como medicamentos e não cosméticos. “A agência reguladora está abrindo uma consulta pública para depois decidir se muda ou não a classificação dos agentes clareadores”, complementa.

Produtos são vendidos sem restrições no comércio e na web

Foto: Reprodução web

Produtos são vendidos sem restrições no comércio e na web

Foto: Reprodução web

Victor Belardinelli questiona a Anvisa por permitir a venda indiscriminada dessas substâncias químicas para aplicação caseira. Em resposta ao seu questionamento, a agência enviou uma correspondência na qual destaca que está ciente dos potenciais riscos do uso de agentes clareadores dentais, suas limitações e contraindicações, devendo ser aplicados pelo cirurgião-dentista ou com sua supervisão. Afirma também que é contrária à banalização do procedimento, mas considera uma alternativa eficaz e segura quando usado corretamente, com supervisão do profissional. “Ao permitir que pessoas não capacitadas executem tarefas na cavidade oral, além de fragilizar os aspectos legais e éticos do exercício da Odontologia, a Anvisa regula a atividade comercial, e “lava as mãos” sem inferir sobre as más consequências, critica.

Sensibilidade

A desenhista gráfica Ana Paula Righi, 26 anos, relata que fez o clareamento dental, pela primeira vez, no início de 2013, com o acompanhamento de dentista. Gastou em torno R$ 1 mil por cinco meses de tratamento, com moldeira e gel clareador. “Senti muita dor, às vezes o dia todo, e a dentista decidiu reduzir o tempo de aplicação do gel e suspender o laser nas consultas mensais”. Além da hipersensibilidade, o tratamento impede o consumo de chimarrão, café, suco de uva, que podem pigmentar ou manchar os dentes com mais facilidade devido ao processo de clareamento. “Alertada pela dentista sobre as precauções, nunca pensei em fazer tratamento por conta própria. Prefiro pagar mais e garantir a saúde dos dentes, que são muito mais importantes que a estética”, conclui.

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