SAÚDE

Pouso e hospitalidade para quem vem de longe

Publicado em 12 de setembro de 2014
ONG Via Vida mantém pousada para pacientes provenientes de localidades distantes

Foto: Igor Sperotto

ONG Via Vida mantém pousada para pacientes provenientes de localidades distantes

Foto: Igor Sperotto

Francisco tem apenas sete anos e, apesar da pou­ca idade, já se acostumou a viajar com sua mãe, Socorro de Cássia Costa, da Paraíba (PB) para tratamento no Hospital da Criança Santo Antônio, em Porto Alegre. Ele nasceu com insuficiência re­nal e necessita de transplante. Em seu estado natal este procedimento não é oferecido para crianças. Os rins ainda não perderam a função totalmente, mas o menino se submete a sessões de hemodiálise e, há dois anos, teve de enfrentar uma trombose. “Ele perdeu o peritônio (membrana que recobre a parede abdominal e as vísceras) e, em função disso, não pode fazer diálise peritonial”, diz Socorro. Francisco ainda não foi para a fila do transplante porque está com muitos anticorpos e o ris­co de rejeição é grande.

Para conseguir se manter com a criança tão longe de casa e em um lugar onde não conhece nada nem ninguém, a mãe encontrou auxílio na Organização Não Governa­mental Via Vida, em Porto Alegre, que possui uma pousada para atender crianças e adultos que estejam na fila − ou pós-transplantados − e seus acompa­nhantes. A maior parte dos hóspedes são de fora do estado. Geralmente são pessoas encaminhadas por assistentes sociais, principalmente das regiões Norte e Nordeste.

Minéia, de 11 anos, também é paraibana. Sua mãe, Socorro Rodrigues, conta que, desde bebê, a menina apresentava infecção urinária. Aos seis anos, ela foi diagnosticada com lúpus, doença que paralisou seus rins. “Ela ficou um ano fazendo hemodiálise na Paraíba. Ano passado, transplantou um rim aqui no Rio Grande do Sul e, por conta disto, de dois em dois meses, temos de vir para cá para fazer revisão”.

Lucia Elbern, presidente da ONG que existe há 15 anos, informa que, desde que foi aberta, em 2004, a pousada já abrigou mais de 800 pessoas, pré e pós transplantados. “Nossa demanda é bem maior do que se pode oferecer”, diz. Os hóspedes desem­bolsam R$ 1,00 por dia como contribuição para o gás, mas o custeio mesmo vem de doações de pessoas físicas e empresas privadas.

De dois em dois meses, Martha Jerussa da Costa, 33 anos, precisa vir do Amazonas (AM) para prosse­guir seu tratamento. O primeiro transplante de rim ela fez aos 14 anos, quando se tornou a segunda pa­ciente a ser transplantada em Manaus. Quando tinha dez anos, seus rins pararam de funcionar. “O início de tudo foi uma infecção urinária. Meus rins atro­fiaram. Conforme eu crescia, eles diminuíam”. Com 24 anos, teve de transplantar o segundo rim, este em solo gaúcho. Ao lado do marido, Carlos Marcos da Silva, ela diz que quem é transplantado renal sofre com o cansaço extremo e o inchaço. “Imagina estar longe de casa, ficar horas e horas dentro de um avião, tudo incomoda”. Para ela, é gratificante fazer amiza­de com outras pessoas que estão na mesma situação, especialmente na pousada.

Socorro, mãe de Minéia, pensa parecido. “Só en­tro em um avião porque preciso ajudar minha filha. Se fosse para ir à Disneylândia, certamente eu não faria. Moro no interior da Paraíba, são 6 horas de ônibus até a capital e depois ainda tem o voo”. A mãe conta que só quem passa pela situação consegue ver a dimensão que é o ato de doar. “Quem não co­nhece, tem medo de doar, mas quem vive isto sabe a importância de ser um doador. Antes, eu também ti­nha medo, mas é preciso entender que, por conta de um órgão que não funciona, não tem uma vida, como no caso da minha filha e de muitas crianças e jovens”.

O comerciante Cid Souza de Melo, 55 anos, não tem mais con­dição de trabalho. Ele frequenta a pousada desde 2012, por suas idas e vindas para hemodiálise. Cid é de Macapá (AP) onde não há tratamento para os rins, que pararam de funcio­nar há sete anos. E ainda tem ceguei­ra irreversível, devido a diabetes. Ao lado da esposa, Ana Maria Almeida, ele comenta que “se não fosse esta casa, não teria como me sustentar aqui, pois não tenho recursos”.

A doméstica paraibana Carmélia Lino da Silva se reveza com familiares para acompanhar a sobri­nha Jéssica, de 23 anos, que aguarda um transplante de rim. “Tentei por quase um ano na Paraíba. Como não consegui, resolvi vir para cá”, revela a jovem. Ela já está na lista de espera e, enquanto aguarda, segue fazendo hemodiálise no Hospital Santa Casa três ve­zes por semana. “Soube da pousada pela minha mé­dica, em João Pessoa. É uma ajuda e tanto”.

Para Lucia, presidente da Via Vida, conhecer e divulgar casos de doação de órgãos e tecidos faz par­te de um processo de educação em saúde. “Precisa­mos investir e muito para chegarmos a uma cultura doadora”, diz ela, que teve a ideia da ONG quando um dos filhos precisou entrar na lista de transplantes.

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